sábado, 16 de junho de 2018

Adolfo Coelho (História do Grão-de-Milho)

Era uma vez um casal que não tinha filhos. A mulher tanto pediu a Nossa Senhora que lhe desse um filho, ainda que fosse do tamanho de um grão de milho, que ao fim de nove meses ela pariu um filho, mas tão pequeno, tão pequeno que era mesmo do tamanho de um grão de milho. Foi-se passando tempo e o pequeno não crescia nada, e ficou sempre do mesmo tamanho.

O pai era lavrador e, quando andava a trabalhar no campo, era o Grão-de-Milho que lhe ia levar o jantar numa cesta, mas, como era tão pequeno, ninguém via o que fazia correr aquela cesta pela rua abaixo. O pai recomendava-lhe que não se chegasse para junto dos bois, mas uma vez que ele tinha ido levar o jantar ao pai, a brincar trepou em cima de uma folha de milho e um dos bois, pensando que era um grão de milho, lambeu-o com a língua. O pai quando quis voltar para casa, por mais que o procurasse não deu com ele, mas tanto chamou que por fim ouviu responder que o boi o tinha comido e estava dentro da tripa. 

O pai ficou muito aflito e matou logo ali o boi e começou a procurá-lo nas tripas, mas por mais que procurasse não o encontrou, até que deixou ficar tripas e tudo. De noite um lobo, atraído pelo cheiro da carne, veio e comeu as tripas do boi, e deitou a fugir. O lobo teve umas grandes dores de barriga e o Grão-de-Milho começou a gritar-lhe: "C... aí, c... aí!" 

Mas o lobo, ouvindo isto teve tanto medo que mais fugia e não podia evacuar. O Grão-de-Milho continuava a gritar: "C... aí, c... aí!", até que o lobo tão atrapalhado se viu que fez as suas necessidades.

O Grão-de-Milho logo que saiu, lavou-se muito bem lavado numa pocinha que ali estava e foi por ali afora. No meio do caminho encontrou uns almocreves (1) que levavam os machos carregados de dinheiro e juntou-se a eles (2). De repente, saltam uns ladrões, matam os almocreves e levam os machos com o dinheiro para uma casa que havia nuns pinheirais. O Grão-de-Milho, como ia metido num dos alforjes, foi também sem ser notado. Os ladrões despejaram o dinheiro em cima de uma grande mesa e começaram a contá-lo. O Grão-de-Milho pôs-se debaixo da mesa e começou a gritar: "Quem dá dé-reis, quem dá dé-reis!" Os ladrões, assim que ouviram isto, tiveram tanto medo que deitaram a fugir. Então o Grão-de-Milho ensacou o dinheiro, pô-lo em cima dos machos e foi para casa.

Quando lá chegou, era ainda de noite e bateu à porta. O pai perguntou: "Quem está aí?" e ele respondeu: "Sou eu, meu pai! Abra depressa!" O pai veio logo abrir a porta e o Grão-de-Milho contou-lhe então tudo, entregou-lhe os machos e o dinheiro e o lavrador, que era pobre, ficou muito rico.
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Notas:
1 – Almocreves: Os almocreves eram pessoas que conduziam animais de carga e/ou mercadorias de uma terra para outra em Portugal, durante a Idade Média e até tempos bem recentes - meados do século XX.
Numa época de comunicações limitadas, os almocreves eram essenciais como agentes de comunicação intercomunitária (além de serem indispensáveis ao abastecimento de bens às vilas e cidades). De entre as rotas de abastecimento mais importantes, destaque para as que levavam os almocreves a transportar peixe do litoral para o interior e, no sentido inverso, cereais. Não confundir almocreves com mercadores, pois que na maior parte das vezes os bens que transportavam não eram propriedade sua, embora fosse comum um almocreve ser também mercador. (Wikipedia)

2 Aqui algo disse Grão-de-Milho, mas o texto se perdeu.

Fonte:
Adolfo Coelho. Contos Populares Portugueses.

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