segunda-feira, 11 de junho de 2018

Caldeirão Poético 8


O Vagalume

Quem és tu, pobre vivente,
Que vagas triste e sozinho,
Que tens os raios da estrela,
E as asas do passarinho?

 A noite é negra; raivosos
 Os ventos correm do sul;
 Não temes que eles te apaguem
 A tua lanterna azul?

 Quando tu passas, o lago
 De estranhos fogos esplende,
 Dobra-se a clícia amorosa,
 E a fronte mimosa pende.

 As folhas brilham, lustrosas,
 Como espelhos de esmeralda;
 Fulge o iris nas torrentes
 Da serrania na fralda.

 O grilo salta das sarças;
 Piam aves nos palmares;
 Começa o baile dos silfos
 No seio dos nenúfares.

A tribo das mariposas,
 Das mariposas azuis,
 Segue teus giros no espaço,
 Mimosa gota de luz!

 São elas flores sem haste;
 Tu és estrela sem céu;
 Procuram elas as chamas;
 Tu amas da sombra o véu!

Quem és tu, pobre vivente,
 Que vagueias tão sozinho,
 Que tens os raios da estrela,
 E as asas do passarinho?


O Caroço

Eu comi ontem no almoço
A azeitona de um empada;
Depois botei o caroço
Sobre a toalha engomada.

Mas mamãe logo nota
E me ensina com carinho:
– O caroço não se bota
Sobre a toalha, meu benzinho.

O que ele me diz eu ouço
Sempre, com toda atenção!
A perguntei-lhe:– O caroço
Mamãe, onde boto então?

– Toda pessoa de linha,
De educação. de recato
O osso, o caroço, a espinha
Põe num cantinho do prato.

E eu então lhe respondo,
Com respeitoso carinho:
Mas meu prato é redondo,
Meu prato não tem cantinho...


Bolhas

Olha a bolha d’água
no galho!
Olha o orvalho!
Olha a bolha de vinho
na rolha!
Olha a bolha!
Olha a bolha na mão
que trabalha!
Olha a bolha de sabão
na ponta da palha:
brilha, espelha
e se espalha
Olha a bolha!
Olha a bolha
que molha
a mão do menino:
A bolha da chuva da calha !


A Casa e o seu Dono

Essa casa é de caco
Quem mora nela é o macaco.

Essa casa tão bonita
Quem mora nela é a cabrita.

Essa casa é de cimento
Quem mora nela é o jumento.

Essa casa é de telha
Quem mora nela é a abelha.

Essa casa é de lata
Quem mora nela é a barata.

Essa casa é elegante
Quem mora nela é o elefante.

E descobri de repente
Que não falei em casa de gente.


Os Sapos

Enfunando os papos, 
Saem da penumbra, 
Aos pulos, os sapos. 
A luz os deslumbra. 

Em ronco que aterra, 
Berra o sapo-boi: 
- "Meu pai foi à guerra!" 
- "Não foi!" - "Foi!" - "Não foi!". 

O sapo-tanoeiro, 
Parnasiano aguado, 
Diz: - "Meu cancioneiro
É bem martelado. 

Vede como primo 
Em comer os hiatos! 
Que arte! E nunca rimo 
Os termos cognatos. 

O meu verso é bom 
Frumento sem joio. 
Faço rimas com 
Consoantes de apoio. 

Vai por cinquenta anos 
Que lhes dei a norma: 
Reduzi sem danos 
A fôrmas a forma. 

Clame a saparia 
Em críticas céticas:
Não há mais poesia, 
Mas há artes poéticas..." 

Urra o sapo-boi: 
- "Meu pai foi rei!"- "Foi!" 
- "Não foi!" - "Foi!" - "Não foi!". 

Brada em um assomo 
O sapo-tanoeiro: 
- A grande arte é como 
Lavor de joalheiro. 

Ou bem de estatuário. 
Tudo quanto é belo, 
Tudo quanto é vário, 
Canta no martelo". 

Outros, sapos-pipas 
(Um mal em si cabe), 
Falam pelas tripas, 
- "Sei!" - "Não sabe!" - "Sabe!". 

Longe dessa grita, 
Lá onde mais densa 
A noite infinita 
Veste a sombra imensa; 

Lá, fugido ao mundo, 
Sem glória, sem fé, 
No perau profundo 
E solitário, é 

Que soluças tu, 
Transido de frio, 
Sapo-cururu 
Da beira do rio…

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