terça-feira, 12 de junho de 2018

Ernest Hemingway (O Casal Elliot)


O Casal Elliot tentou o possível para ter um filho. Tentou até quando a Sra. Elliot aguentou. Tentaram em Boston depois do casamento e tentaram na viagem de navio. No navio não tentaram muito porque a Sra. Elliot enjoou. Enjoou muito, e quando enjoava ficava enjoada como toda sulista. Sulista quer dizer do sul dos Estados Unidos. Como toda sulista a Sra. Elliot se desmantelou rapidamente ao balanço do mar, viajando de noite e levantando-se muito cedo. Muitos passageiros do navio pensavam que ela fosse a mãe de Elliot. Outros que sabiam que eram casados achavam que ela ia ter filho. Ela tinha quarenta anos. Os anos dela se precipitaram de repente quando ela iniciou a  viagem.

Parecia muito mais moça, aliás parecia nem ter idade, quando Elliot casou com ela depois de várias semanas de namoro, depois de tê-la conhecido há muito tempo na  casa de chá dela antes do beijo que lhe deu uma noite. 

Hubert Elliot fazia pós-graduação em direito em Harvard quando se casou. Era poeta e tinha uma renda de quase dez mil dólares anuais. Escrevia poemas longuíssimos e rápidos. Tinha vinte e cinco anos e nunca tinha ido para a cama com alguma mulher antes de se casar com a Sra. Elliot. Queria manter-se puro para levar à mulher a mesma pureza de corpo e mente que esperava dela. Dizia a si mesmo que isso era viver com decência. Namorou várias moças antes de beijar a Sra. Elliot e sempre dizia a elas numa ou noutra ocasião que levava vida limpa. Quase todas as moças se desinteressaram dele. Ele ficava admirado e até horrorizado  de ver como as moças ficam noivas e casam com homens que andaram se arrastando nas sarjetas. Uma vez tentou prevenir uma moça contra um homem que tinha sido um patife no colégio (disso ele tinha quase prova), e as consequências foram bem desagradáveis.

O nome da Sra. Elliot era Cornélia. Ela o ensinou a chamá-la de Calutina, apelido de sua família no sul. A mãe dele chorou quando ele apareceu em casa com Cornélia  depois do casamento, mas se recompôs quando soube que o casal ia viver no estrangeiro. Quando ele disse a Cornélia que havia se conservado limpo para ela, ela o chamou de "meu doce garoto" e o abraçou muito. Cornélia também era pura. "Me dê outro beijo  assim", ela pediu.

A princípio Hubert nem pensava em casar com Cornélia. Nunca pensou nela nesse sentido. Ela era uma boa amiga, e um dia, dançando com ela ao som de um gramofone na salinha que ficava no fundo da casa de chá enquanto uma amiga dela atendia na loja, ela olhou-o nos olhos e ele a beijou. Ele não se lembrava do momento em que  ficou decidido que iam se casar, mas casaram-se.

Passaram a primeira noite de casados em um hotel de Boston. Ambos ficaram desapontados, mas por fim Cornélia dormiu. Hubert não conseguiu dormir, e saiu várias vezes  para andar no corredor do hotel vestido com o novo roupão Jaeger que comprara para a viagem de núpcias. Nessas caminhadas pelo corredor viu todos os pares de sapatos, pequenos e grandes, nas portas dos quartos. com isso o coração dele disparou e ele voltou correndo para o seu quarto, mas Cornélia dormia. Não quis acordá-la, e logo tudo se acalmou e ele dormiu tranquilo.

No dia seguinte visitaram a mãe dele e no outro embarcaram para a Europa. Podiam tentar ter um filho, mas Cornélia não podia tentar com muita frequência, apesar de ambos quererem um filho mais do que tudo no mundo. Desembarcaram em Cherburgo e daí foram para Paris. Tentaram ter um filho em Paris. Depois resolveram ir a Dijon, onde havia cursos de verão e para onde tinham ido algumas pessoas que viajaram com eles no navio. Descobriram que nada havia para fazer em Dijon. Mas Hubert estava escrevendo muitos poemas que Cornélia datilografava para ele. Eram todos poemas muito compridos. Ele era muito exigente contra erros, e fazia Cornélia bater de novo uma página inteira se houvesse nela um erro. Ela chorava muito e os dois tentaram várias vezes ter um filho antes de deixar Dijon.

Voltaram a Paris, para onde voltava também a maioria dos amigos que tinham viajado no navio. Cansaram-se de Dijon, mas podiam dizer agora que, depois de Harvard ou Colúmbia ou Wabash, tinham estudado na Universidade de Dijon na Cote d'Or. Muitos teriam preferido ir para Languedoc, Montpellier ou Perpignan se houvesse universidades  nesses lugares. Mas são todos lugares distantes. Dijon fica apenas quatro horas e meia de Paris e tem jantar no trem.

Foram todos para o Café du Dome, evitando a Rotonde do outro lado da rua porque está sempre cheia de estrangeiros. Frequentaram a Rotonde por alguns dias antes de  os Elliot alugarem um castelo em Touraine que viram anunciado no Herald de Nova York. Elliot tinha amigos que agora admiravam a sua poesia, e a Sra. Elliot convencera  o marido a mandar vir de Boston a amiga dela que ficara tomando conta da casa de chá. com a chegada da amiga, a Sra. Elliot ficou mais alegre, e choraram juntas muitas vezes. A amiga era muitos anos mais velha do que Cornélia e a chamava de Doçura. Ela também era de velha família do sul.

Os três, e mais vários amigos de Elliot que o tratavam de Hubie, foram para o castelo em Touraine. Acharam Touraine um lugar plano e muito quente, parecido com  Kansas. Elliot já tinha poemas para um livro. Ia publicá-lo em Boston e até já mandara o cheque para o editor, com quem assinara contrato.

Aos poucos os amigos foram voltando para Paris. Touraine não correspondera ao que parecera ser no princípio. Logo todos os amigos partiram com um jovem rico, solteiro  e poeta para uma praia perto de Trouville. Foram todos muito felizes em Trouville. Elliot continuou no castelo de Touraine porque o alugara para o verão. Ele e a Sra. Elliot tentaram com afinco ter um filho na grande cama dura do enorme quarto  quente. A Sra. Elliot estava aprendendo a datilografar com os dez dedos, mas descobriu que, apesar de aumentar a velocidade, aumentava também a quantidade de erros. 

Agora a amiga datilografava praticamente todos os manuscritos. Era organizada e eficiente, e parecia gostar do trabalho. Elliot passou a beber vinho branco e viver num quarto separado. Escrevia muita poesia de noite, e no dia seguinte amanhecia exausto. A Sra. Elliot e a amiga agora  dormiam juntas na grande cama medieval. Choraram bonitos choros juntas. À noite jantavam todos no jardim debaixo de um plátano, o vento quente soprando, Elliot bebendo  vinho branco e a Sra. Elliot e a amiga conversando, todos muito felizes.

Fonte:
Ernest Hemingway. Contos.
Editora Civilização

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