Nekumonta, o guerreiro iroquês, nunca matou um animal por desporto e adorava as plantas e as árvores à sua volta.
Quando uma terrível praga caiu sobre a sua aldeia, a sua bondade para com a Natureza foi recompensada.
O Inverno chegara à aldeia de Nekumonta e a neve era muita. Mas algo pior do que a neve viera visitar a aldeia nesse ano: uma praga terrível. Ninguém parecia imune - homens, mulheres e crianças tinham morrido por causa dela. Aqueles que ainda não haviam sido apanhados pela praga estavam cansados de cuidar dos doentes e de se despedir dos mortos.
Nunca houvera tal tristeza na aldeia. Maridos que perderam as mulheres. Mães que perderam os filhos. Irmãos que perderam as irmãs. Famílias inteiras arrasadas. Com a neve veio a praga... e com a praga veio a tristeza e o desespero.
Nekumonta perdera toda a sua família com esta doença terrível - toda, isto é, menos a sua bonita mulher, Shanewis. Mas agora ela apanhara a doença e os seus dias entre os vivos estavam contados. Ela chamou Nekumonta e insistiu para que ele a levasse para fora da aldeia.
Quando ele protestou, ela disse:
- Marido, sabemos que a morte virá, quer eu esteja agasalhada quer esteja ao ar livre num lugar onde possa ouvir os espíritos dos meus queridos mortos a chamar por mim. Por favor, por favor, faz o que te estou a pedir.
Assim, Nekumonta enrolou a sua amada em peles e levou-a para o ar livre, pousando-a num lugar limpo de neve. O céu cinzento encheu-se dos espíritos daqueles que haviam partido desta vida, e chamaram por Shanewis.
- Junta-te a nós! - gritaram. - Livra-te da dor e do sofrimento trazidos pela praga.
Mas Nekumonta não queria saber daquilo para nada.
- Não dê ouvidos aos chamamentos deles até eu voltar da minha busca - pediu à esposa moribunda. - Vê depois se a única alternativa é juntar-te a eles.
- Que busca? - perguntou Shanewis, a testa alagada em suor.
- Sabemos que Manitu plantou ervas medicinais - disse ele. - Vou procurá-las e trazê-las para ti e para o nosso povo.
- Vou ficar à espera, marido - disse Shanewis -, porque só tu conseguirás levar a cabo tal tarefa.
Para muitas tribos, Manitu significa o espírito que está em tudo desde as rochas e as plantas aos humanos. Para os Iroqueses, Manitu é o nome dado ao maior e mais poderoso de todos os deuses. As suas ervas medicinais curariam Shanewis... se o marido as conseguisse encontrar.
Com a mulher fora do calor do lar, Nekumonta partiu em busca das ervas medicinais.
Teria sido uma tarefa difícil no melhor dos tempos, mas tornou-se ainda mais difícil pela neve que cobria a maior parte das terras. Nekumonta teve de escavar na neve para tentar encontrar as ervas e nem sequer sabia onde é que elas estavam plantadas. Com os conhecimentos que tinha da Natureza, só conseguia imaginar onde é que elas provavelmente cresceriam.
No fim do primeiro dia, um coelho passou a saltitar por Nekumonta, enquanto ele, de joelhos, escavava a neve com as mãos.
- Sabes onde é que Manitu plantou as ervas que ajudarão a curar o meu povo? - perguntou Nekumonta, mas o coelho não sabia e continuou o seu caminho, deixando o seu rasto na neve.
Mais tarde, quando a escuridão surgiu no fim do curto dia de Inverno, o guerreiro iroquês avistou um urso-pardo a olhá-lo das profundezas da floresta. Nekumonta perguntou ao urso pelas ervas, mas o urso não sabia de nada, e desapareceu pesadamente por entre as árvores.
Na tarde seguinte, após uma longa caminhada, Nekumonta viu uma coelha a roer os rebentos de uma planta que despontava da neve. A coelha reconheceu-o e, sabendo que ele era amigo dos animais e não lhe iria fazer mal, não fugiu nem se escondeu.
Nekumonta afagou-a carinhosamente e disse:
- Todos na minha aldeia estão a morrer, e a minha mulher, Shanewis, está entre eles. Se sabes onde é que Manitu plantou as ervas medicinais, leva-me, por favor, até elas. São a nossa única esperança.
Mas a coelha não sabia onde é que Manitu plantara as ervas, de modo que arrebitou as orelhas e desapareceu na floresta. A história repetiu-se com todos os animais que encontrou. Ninguém o conseguia ajudar.
À terceira noite, Nekumonta estava prestes a desistir. Fraco e exausto, enrolou-se no seu cobertor e adormeceu.
Enquanto dormia, os animais da floresta reuniram-se.
- Nekumonta é um bom homem - disse o urso-pardo. - Só mata quando tem de ser, tal como os animais.
- E também trata das nossas terras com respeito - disse o coelho. Cuida das árvores e das plantas à volta dele.
- Acham que o devemos ajudar? - perguntou a coelha.
- Sim - disse o coelho. - Mas como?
- Talvez possamos pedir ajuda ao grande Manitu - sugeriu o urso-pardo. - Ele compreenderá que todos os seres vivos querem que Nekumonta seja bem sucedido na sua busca.
Assim, o coelho, o urso-pardo, a coelha e todos os outros animais juntaram-se numa clareira da floresta e pediram a Manitu para salvar Shanewis da praga. Manitu ouviu as suas preces e, sensibilizado pela lealdade dos animais para com um humano, decidiu ajudar Nekumonta.
Nessa noite, Shanewis apareceu em sonhos a Nekumonta - pálida e muito magra. Começou a cantar-lhe uma estranha e bonita cantiga, mas ele não conseguiu entender as palavras, que se transformaram de imediato no som de uma cascata.
Quando acordou, o som da cascata ainda lá estava com o seu coro de vozes cintilantes - tão pura e cristalina como a água da Primavera.
- Encontra-nos... Liberta-nos... Shanewis e o teu povo serão então salvos.
Mas apesar do som maravilhoso, não havia nenhuma cascata - nem sequer um pequeno riacho.
- Quem és tu? - gritou Nekumonta.
- Somos as Águas Medicinais - disse o coro. - Liberta-nos.
- Onde estás? - gritou Nekumonta, desesperado, pois o coro de vozes cintilantes ouvia-se muito perto, embora não o conseguisse ver.
- Liberta-nos - cantou o coro uma vez mais.
Com novo alento, Nekumonta procurou por todo o lado, mas não conseguiu descobrir as Águas Medicinais em lado nenhum... embora a voz do coro se mantivesse forte. Percebeu então porquê. As Águas Medicinais corriam mesmo por baixo dos seus pés. Eram uma nascente subterrânea!
Observado pelos animais da floresta, Nekumonta afastou a neve para o lado e golpeou o duro solo com uma pederneira, até que um jato de água se elevou no ar e começou a correr pela encosta abaixo. Descobrira as Águas Medicinais!
Esgotado, Nekumonta saltou para as águas geladas e banhou-se nelas. Os poderes mágicos das águas deram-lhe força, e o cansaço desapareceu subitamente. Sentia-se mais forte que nunca.
Encheu um odre de Águas Medicinais e correu pela encosta abaixo até à aldeia. Os outros aldeões saíram a correr das suas tendas para o cumprimentar.
- Estamos salvos! - gritou. - Estamos salvos!
Em breve, toda a gente da aldeia tinha bebido e se tinha banhado nas águas e estava de novo de boa saúde, inclusive Shanewis. Agradeceram a Nekumonta do fundo dos seus corações.
Quando soube do papel que os animais tinham desempenhado, Nekumonta agradeceu-lhes a sua bondade. Em troca, os animais deram graças ao grande Manitu, que é, afinal de contas, senhor de tudo. Nekumonta e Shanewis viveram muitos Verões e tiveram muitos filhos.
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NOTA:
Iroqueses (em inglês e francês: Iroquois, pronunciado irocuá) ou Haudenosaunee
Os iroqueses de antigamente eram primariamente nômades. Até o século XVII, formavam o que é atualmente chamado de nação iroquesa. Atualmente, esta nação indígena é composta pelos povos Seneca, Cayuga, Onondaga, Oneida, Mohawk e Tuscarora, formando uma confederação distribuída entre o Canadá e os Estados Unidos (principalmente no Estado de Nova Iorque e na província de Quebec). Esses grupos falavam línguas semelhantes e viviam perto uns dos outros. Algumas pessoas dizem que, pelo fato de ter durado centenas de anos, a Nação Iroquesa foi um dos exemplos que inspirou os fundadores dos Estados Unidos em sua organização política. Uma sexta tribo, a dos tuscaroras, se juntou à confederação em 1722.
Os iroqueses foram estudados, no século XVIII, pelo missionário jesuíta Joseph François Lafitau, que chegou a conviver com eles. Sua obra, Mœures des Sauvages américains comparées aux mœurs des premiers temps, publicada em 1724, descreve os princípios básicos da sociedade iroquesa, principalmente em relação a sua matriarcalidade e matrilinearidade. Lafitau abordou também os ritos de casamento, os jogos, lazer, doenças, enterros, língua, caça, educação e a divisão de trabalho entre os iroqueses, enfocando seus estudos na religião. Para ele, os iroqueses possuíam a sua religião (diferentemente de pensadores anteriores, que afirmavam que os índios não tinham religião alguma), embora esta não fosse tão organizada quanto a católica. Diz que os iroqueses, embora possuíssem religião, eram desprovidos de leis e política.
Ao estudar os iroqueses, Lafitau distinguiu características positivas (como a coragem) e negativas (como vingança e cobiça), inovando ao utilizar o método comparativo (embora não o tenha inventado) ao comparar os iroqueses aos heróis de Homero (na comunidade científica europeia da época, se idealizavam os gregos e romanos). Nesse sentido, Lafitau enaltecia os iroqueses, ao dizer que as construções náuticas desses povos eram parecidas, mas também os denegria, afirmando que a brutalidade dos heróis de Homero não se distinguia da ferocidade dos iroqueses, ferocidade esta que ele considerava como sendo inata. Mesmo assim, a importância se deu pelo fato de que Lafitau deixou os nativos mais humanos, diferentemente de pensadores anteriores (como Mandeville) que assemelhavam os nativos a monstros.
A Economia dos iroqueses se focaliza na produção comunal e ao sistema combinado de horticultura e de caçador-recolector. As tribos da Nação Iroquesa e outras do norte do continente americano que compartilhavam idioma (iroquês), como o povo hurón, viviam na região que hoje é o Estado de Nova York e a Região dos Grandes Lagos. Compunha-se de seis tribos de antes da colonização europeia da América. Mesmo não sendo iroquês, o povo hurón entrava no mesmo grupo linguístico e compartilhava economia com os iroqueses.
Fontes:
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