TEMPESTADE E BONANÇA
Soprava rijamente o vento Norte
E caía um terrível aguaceiro;
Enorme escuridão, lembrava a morte...
Mas não descria o rude marinheiro!
Rugia o mar e ao sofrer o corte
Da proa revoltava-se altaneiro,
Varria o tombadilho. Sempre forte
Ia o vapor correndo audaz, ligeiro.
Ecoava o trovão. Mas de repente
Ao vendaval sucede-se a bonança,
O nevoeiro esvai-se lentamente,
A chuva para, o oceano amansa;
O sol mostra seu disco reluzente,
Nos rostos pairam os sorrires d'esp'rança.
AS ESTRELAS
Da minha alegre janela
Vejo uma nesga do céu;
É noite serena, bela,
Espaireço o olhar meu,
A contemplar as estrelas
Que cintilam diamantinas,
Recorda-me sempre ao vê-las
Tuas graças peregrinas.
Que queres, pois se te não vejo,
Como outrora, na varanda
Trocando frases amantes?
Por isso mando-te um beijo
Na briza suave, branda,
Fitando os astros brilhantes.
CEMITÉRIO
No cemitério alvejam mausoléus
De pedras rendilhadas e custosas;
Elegantes, guindados coruchos;
Epitáfios, legendas caprichosas.
Ali jazem os ricos. Nas pomposas
Inscrições se vai ler os nomes seus.
Em outras campas só se veem rosas,
Goivos, martírios, contemplando os céus.
A jazida dos pobres. Trabalhando
Morreram e ali estão alimentando
A terra onde essas flores se vão nutrir.
Em quanto os outros distraídos, fúteis,
Viveram ociosos, sempre inúteis,
E nem sequer d'estrume vão servir!
A PROSTITUTA
A rua é miserável, suja, estreita,
Como um terrível antro criminoso,
E duma porta a prostituta espreita
O transeunte lubrico, cioso.
É repelente, quanto mais enfeita
O cabelo postiço e untuoso.
Teve ilusões, quem sabe, hoje desfeita,
A graça desse rosto alvar oleoso,
Veio cair naquele lodaçal
Onde se espoja torpe, embriagada,
Até ir decompor-se no hospital
Se o amante que tem a desgraçada
Não lhe der caridoso, bestial,
O descanso pra sempre á navalhada.
AMOROSO
Eu amo-te, amo-te tanto
Talvez não saibas o quanto
Meu coração fazes pulsar;
Talvez não saibas, ó linda,
Como a tua graça infinda
Me faz viver para amar.
Amo-te a face formosa,
Amo-te a boca de rosa,
Amo-te o negro cabelo,
Amo-te o gesto mavioso,
O sorrir casto e bondoso,
O olhar gracioso e belo.
Adoro-te a singeleza
Que é engaste da beleza,
Amo-te o lindo rubor
Com que te purpurizaste,
Quando tremula escutaste
As juras do nosso amor.
Encontrei-te, o meu coração
Satisfez a aspiração
E tenho um novo viver.
Acho mais belos os prados,
Os tons do sol mais dourados,
Em tudo o amor julgo ver.
Oh! se o teu amor assim
For tão ardente por mim,
Não haverá nada igual
Á pura felicidade
Dos dias da mocidade,
Ao meu risonho ideal.
A CARIDADE
I
Caridade, quem és! Quem te inventou?
Para que serves, quais os meios teus,
A tua agencia, assim, quem t'a arranjou,
Para que vens falar-nos sempre em Deus!
Em Deus! Quando o universo ele criou
Legou a alguém riquezas ou troféus!
Quais foram os brasões, que bens doou?
Venderia indulgencias lá dos ceos?
Mentes, que nunca fez separações,
Nem fez a fome nem as privações,
O mundo concedeu á humanidade.
Mas como é que ha então ricos e pobres?
Como é que existem os plebeus e os nobres?
Que significas pois, ó caridade?
II
Rebanhos a pastarem nas campinas,
As aves a cruzarem-se no ar,
O serpear das águas argentinas,
Os frutos a dourarem no pomar;
A pureza das auras matutinas,
Os dias que o bom sol nos vem dourar,
As flores acetinadas, purpurinas,
As poéticas noites de luar;
Os campos no sorrir da primavera,
A selva, as fragas onde vive a fera,
O universo em toda a imensidade,
Nunca foi concedido por herança.
Era pra humanidade a esperança
De um dia conquistar a felicidade.
III
Os maus, porém, puderam com presteza
Empolgar o que a todos pertencia.
O sangue era direito a uns -Nobreza -
E aos d'hoje o dinheiro - A burguesia -
E foi assim que os bens da natureza,
Que o criador a todos concedia,
Se viram disputados com fereza,
Se viram empolgar com ousadia.
E apareceu a fome. Então aos pobres
Os ricos atirando com uns cobres
Inventaram um Deus de caridade.
Mas haverem lutar, embora custe,
Depor de todo a Caridade-embuste.
Hastear a bandeira da Igualdade!
Fonte:
Faustino da Fonseca Júnior. Lyra da mocidade Primeiros versos.
Angra do Heroísmo/Portugal, 1892
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