domingo, 10 de junho de 2018

Caldeirão Poético 7


Meus oito anos

Oh! que saudades que tenho
Da aurora da minha vida,
Da minha infância querida
Que os anos não trazem mais!
Que amor, que sonhos, que flores,
Naquelas tardes fagueiras
À sombra das bananeiras,
Debaixo dos laranjais!

Como são belos os dias
Do despontar da existência!
– Respira a alma inocência
Como perfumes a flor;
O mar é – lago sereno,
O céu – um manto azulado,
O mundo – um sonho dourado,
A vida – um hino de amor!

Que aurora, que sol, que vida,
Que noites de melodia
Naquela doce alegria,
Naquele ingênuo folgar!
O céu bordado de estrelas,
A terra de aromas cheia
As ondas beijando a areia
E a lua beijando o mar!

Oh! dias da minha infância!
Oh! meu céu de primavera!
Que doce a vida não era
Nessa risonha manhã!
Em vez das mágoas de agora,
Eu tinha nessas delícias
De minha mãe as carícias
E beijos de minhã irmã!

Livre filho das montanhas,
Eu ia bem satisfeito,
Da camisa aberta o peito,
– Pés descalços, braços nus –
Correndo pelas campinas
A roda das cachoeiras,
Atrás das asas ligeiras
Das borboletas azuis!

Naqueles tempos ditosos
Ia colher as pitangas,
Trepava a tirar as mangas,
Brincava à beira do mar;
Rezava às Ave-Marias,
Achava o céu sempre lindo.
Adormecia sorrindo
E despertava a cantar!

Oh! que saudades que tenho
Da aurora da minha vida,
Da minha infância querida
Que os anos não trazem mais!
– Que amor, que sonhos, que flores,
Naquelas tardes fagueiras
A sombra das bananeiras
Debaixo dos laranjais!


O Remédio

A Amelinha está doente, 
Chora, tem febre, delira; 
Em casa, está toda gente 
Aflita, e geme, e suspira. 

Chega o médico e a examina. 
Tocando a fronte abrasada, 
E o pulso da pequenina, 
Diz alegre: “Não é nada! 

Vou lhe dar uma receita. 
Amanhã, o mais tardar, 
Já de saúde perfeita 
Há de sorrir e brincar.” 

Vem o remédio. Amelinha 
grita, faz manha, esperneia: 
– “Não quero!” O pai se avizinha, 
Mostrando-lhe a colher cheia: 

“Toma o remédio, querida! 
Dar-te-hei como recompensa, 
uma boneca vestida 
De seda e rendas, imensa…” 

– “Não quero!” Chega a titia: 
“Amélia é boa, não é? 
Se fosse boa, teria 
Toda uma arca de Noé…” 

– “Não quero!” Prometem tudo: 
Livros de figuras cheios, 
Um vestido de veludo, 
Brinquedos, jóias, passeios… 

Teima Amelinha. faz manha. 
E diz o pai, já com tédio: 
-” Menina! você apanha, 
Se não toma este remédio!” 

E nada! a menina grita, 
Sem querer obedecer. 
Mas nisto, a mamãe aflita, 
Põe-se a chorar e gemer. 

Logo Amelinha, calada, 
Mansa, a colher segurando, 
Sem já se queixar de nada, 
Vai o remédio tomando. 

– “Então? mau gosto sentiste?” 
Diz o pai… E ela, apressada: 
– “Para não ver mamãe triste, 
Não sinto mau gosto em nada!”


A Órfã na Costura

Ela lhe ensinou a levantar suas mãos puras  e inocentes para o céu, a dirigir seus primeiros  olhares a seu Criador. 
Flechier

Minha mãe era bonita, 
Era toda a minha dita, 
Era todo o meu amor. 
Seu cabelo era tão louro, 
Que nem uma fita de ouro 
Tinha tamanho esplendor.

Suas madeixas lúcidas 
Lhe caíam tão compridas, 
Que vinham-lhe os pés beijar. 
Quando ouvia as minhas queixas, 
Em suas áureas madeixas 
Ela vinha me embrulhar.

Também quando toda fria 
A minha alma estremecia, 
Quando ausente estava o sol, 
Os seus cabelos compridos, 
Como fios aquecidos, 
Serviam-me de lençol.

Minha mãe era bonita, 
Era toda a minha dita, 
Era todo o meu amor. 
Seus olhos eram suaves, 
Como o gorjeio das aves 
Sobre a choça do pastor.

Minha mãe era mui bela, 
— Eu me lembro tanto dela, 
De tudo quanto era seu! 
Tenho em meu peito guardadas 
Suas palavras sagradas 
Co'os risos que ela me deu.

Os meus passos vacilantes 
Foram por largos instantes, 
Ensinados pêlos seus. 
Os meus lábios mudos, quedos 
Abertos pêlos seus dedos, 
Pronunciaram-me: — Deus!

Mais tarde — quando acordava 
Quando a aurora despontava, 
Erguia-me sua mão. 
Falando pela voz dela, 
Eu repetia singela 
Uma formosa oração.

Minha mãe era mui bela, 
— Eu me lembro tanto dela, 
De tudo quanto era seu l 
Minha mãe era bonita, 
Era toda a minha dita, 
Era tudo e tudo meu.

Este pontos que eu imprimo, 
Estas quadrinhas que eu rimo, 
Foi ela que me ensinou. 
As vozes que eu pronuncio, 
Os cantos que eu balbucio, 
Foi ela quem mos formou.

Minha mãe'. — diz-me esta vida, 
Diz-me também esta lida, 
Este retroz, esta lã. 
Minha mãe! — diz-me este canto, 
Minha mãel — diz-me este pranto, 
— Tudo me diz: — minha mãe! —

Minha mãe era mui bela, 
— Eu me lembro tanto dela, 
De tudo quanto era seu! 
Minha mãe era bonita, 
Era toda a minha dita, 
Era tudo e tudo meu

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