TEMPO E CIRCUNSTÂNCIA
Um vale dentro de mim
conta a mesma história.
O grito sobre os muros,
a saudade dentro dos nervos.
Sempre e só uma história
de quem percorre o silêncio,
mundo de amores breves.
Pedaços de escória,
onde a saudade se esconde,
nicho de asperezas.
De mim,
o que surge é morno.
Triste o passar do tempo...
E essa tristeza infinda.
CANÇÃO SOLITÁRIA NO GUARUJÁ
“... Solidão é bicho arredio que só come na mão do dono.”
Márcia Peltier
A olhos vivos luze a noite:
uma vírgula de prata
surfa sobre nuvens.
Em cada recanto do mar
o sopro de Netuno
concentra navega/dores.
O canto é uma casca de noz
de um único rema/dor
que se adentra em direção
ao sol fundeado.
Afoga-se a nau
cuspindo ondas,
em vômito...
Sob o olhar complacente dos morros
sobre/vive a casca de nós.
Horizonte de eterno rema/dor.
A PROPÓSITO DE GIRASSÓIS E CHUVAS
Chega a tarde
com seus guarda-sóis de silêncios
em meio à chuva
molhando os girassóis
– suas corolas gigantes
longos pescoços verdes.
Detrás dos óculos baços
mareados pela chuva
sinto o beijo que ficou e
a indiscreta mão
contornando os quadris
– gata perdida num cipoal
de desejos.
Saudoso lembro que essa tarde
seria muito mais bela
se aqui estivesses
enlace esperança
ficaste em mim como um cipó
– um sino de safiras azuis
incrustado nas retinas.
Retirante de lembranças
bocejo sobre os girassóis
dobrando o torso cansado
– alhures a tarde vai fugindo
arrastando o véu e o buquê de noiva.
COMUNIDADE DE SOLITÁRIOS
Egoístas passageiros
desse século de agonias
somos solitários.
Inconsistentes rumores
codificados vagidos da fala humana:
amor e ódio, fio de linha
que navega o barco da vida
sob os desígnios da morte.
Sílaba sonora, solitária pluma
que me conduzes pelas alamedas da alma,
em que calçadas perdi-me?
Ajuntem-me rituais e contemplações:
concha que se assume abrindo mandíbulas
como a querer engolir o sonho.
Ajuntem-se contemplados rituais
em que me assumo: maresia e sustos.
Assomem de tudo, da boquiaberta concha,
as palmas, mãos vazias, compostas
– rito do amor –
passagem breve que fecha
para não dizer o verbo.
E contemplo,
como se de longe me visse,
a emoção sumindo
de contemplações e esperas.
A CABEÇA MAL DORMIDA
Silhuetas de casais através dos vidros
escancaram sombras
nas paredes do bar...
O real da ausência,
e a porta do boteco,
doida sobre os batentes,
a cada vulto que espreita,
fustigado pelo fog da invernia.
O insone mergulho na imagem
da amada
faz o sangue da uva tão precioso.
Cachos de sol na calçada, o dia moreno.
Na boca o sal ardente.
Somente o áspero cabernet sauvignon...
A cabeça mal dormida
e, agridoce,
a esperança indormida
na memória da língua...
Fontes:
– Joaquim Moncks. Força Centrífuga.
Porto Alegre: Livraria e Editora P. Alegre, 2ª ed., 1979.
– Joaquim Moncks. O Poço das Almas.
Pelotas: Universidade Federal, 2000.
– Joaquim Moncks. Bula de Remédio.
Porto Alegre:Caravelas, 2009.
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