quarta-feira, 13 de junho de 2018

Dorothy Jansson Moretti (Chá da Tarde) III


Acomodada a um banquinho,
o meu ranguinho é um banquete;
porque à luz do lampiãozinho,
meu ranchinho é um palacete.

A lua, em passo indeciso,
muda o andante da sonata,
pondo pausas de improviso,
no pentagrama de prata.

A luz, filtrando entre os galhos,
borda a estampa definida
de uma colcha de retalhos
que enfeita meu chão sem vida.

Apático à seca e à geada,
com suor regando o chão bruto,
lavrador, de um quase nada,
faz surgir belo e bom fruto.

Baixam as brumas na serra,
lençol de gaze sutil,
que o Sol, amante da Terra,
ergue e lhe beija o perfil.

Como aos badalos do sino,
resiste o bronze ao fragor,
que aos embates do destino,
respondeu com fé e amor!

Erguem-se mãos numa prece,
se débil raio fulgura,
e por instantes aquece
uma vida triste e escura.

Fazer castelo no ar...
Ilusão da mocidade...
Nele só quem vai morar
é o fantasma da saudade.

Inquilina indesejável,
Vaidade tão bem se instala,
que o Coração, vulnerável,
já nem pensa em despejá-la.

Mesmo em sombria refrega,
ansiosa por segurança,
minha alma frágil se apega
ao frágil fio da esperança.

Não chores essa derrota
que te faz sentir-se morto!
O mar que engole uma frota
é o mesmo que leva ao porto.

O laço que nos estreita
já ficou tão apertado,
que nenhum de nós se ajeita,
sem ter o outro abraçado.

Paixão, fina taça cheia
de champanhe borbulhante;
fascínio que nos tonteia,
e se esvai no mesmo instante.

Palmos de terra em conflito,
conflito entre as religiões...
 e da paz mundial o grito
sufoca-se entre os trovões.

"Paz na Terra!"... E no entretanto,
o mundo, em afãs insanos,
há muito esqueceu o canto
que se ouviu há dois mil anos!

Persuasiva e eloquente,
saudade fala de afeto,
com sete letras, somente,
que valem todo o alfabeto.

Poeta enfrenta o destino,
sendo a alma repartida
entre badalos de sino
e desenganos da vida.

Por agradáveis caminhos,
quantos trilharam, comigo!
Mas na esteira dos espinhos
descobri: não tinha amigo!

Seja o mar agreste ou manso,
eu peço ao vento que deixe
regressar sempre ao remanso,
minha jangada e o bom peixe.

Tufões, motins, calmaria...
Intrépida, inflando a vela,
da gávea, enfim, ela ouvia:
" Terra à vista, Caravela!"

Fonte:
Dorothy Jansson Moretti. Chá da tarde: trovas.
Itu/SP: Ottoni Editora, 2006.

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