O menino tinha apenas uns dez anos de vida. Não sei ao certo, pois eu não morava na Cidade. Era um forasteiro que, de quando em quando, passava por ali. Mas o rosto do moleque não me saía da lembrança, pois se parecia muito com o rosto do filho que tive e que Nosso Senhor tão cedinho levou... Que saudade! A mesma que eu matava toda vez que chegava à cidadezinha em que morava o menino que era filho do dono da venda, o pequeno José.
José adorava quermesse. Seus olhinhos de quem ainda não viu quase nada faiscavam quando viam as faíscas da fogueira que o povão aprontava no terreno baldio, detrás da igreja. Quanta vontade de fazer como a galera mais velha e sair pisando a brasa, para a prova de que o fogo só queima os mais lentos! Sentia outro fogo em si mesmo, em sua alma infantil, sempre envolta em traquinagens com o amiguinho João. Eu, que nem morava lá, via tudo isso.
No dia de São João, José e seu amiguinho corriam soltos pela praça quando eu, que arrastava asa para uma bela morena, caso antigo, em pleno revival, topei com os dois, que derrubaram toda a pipoca no chão. “Minha pipoca!”, disse José, todo choroso. João, mais conformado, ofereceu uns trocos ao pobre e, quando já se iam embora, deixei a dona de lado e, num gesto de coragem, falei com José: “Deixa que eu pago a pipoca dos dois”, que, no início, não queriam aceitar, mas, depois de pensarem por exatos cinco segundos, aceitaram o agrado. “Espera, amor, que já volto!...”, falei para a bela que me dava bola e bebia um quentão.
Assim, na barraca de pipoca e milho verde quentinho, paguei pipoca e leite quente para os dois, que me agradeceram muito e, de posse dos mimos, lá se foram para a festa, ao som de modas de Luiz Gonzaga, Dominguinhos, Elba e Companhia Ilimitada, pessoal do Norte e Nordeste que tanto canta a tradição popular brasileira, sobretudo a junina. Nem olharam para trás, mas, ao dar pipoca e leite para o José, dava um pouco de alegria para o meu filho.
“Olha pro céu, meu amor / Vê como ele está lindo / Olha pra aquele balão multicor / Como no céu vai sumindo”... E a bela da noite, doidinha por mim, notou uma lágrima junina em meus olhos, que, ainda hoje, diz que foi por ela...
Fonte: O Autor
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