domingo, 12 de abril de 2009

Bernardo Carvalho (Estante de Livros)



Os Bebados e os Sonâmbulos
Ao descobrir que tem um tumor no cérebro, que mudará progressivamente sua personalidade, fazendo-o perder a identidade e a memória, um militar homossexual decide sair em busca de sua origem. Sobrevivente, ainda criança, de um acidente aéreo em que morreram o pai e o irmão, ele parte à procura da mulher que o teria salvado e, conforme avança nessa viagem, correndo contra o tempo e também contra o avanço do tumor em sua cabeça, vai se embrenhando cada vez mais num intrigante mistério, uma história de traições e imposturas, para acabar diante de uma revelação para ele inimaginável.

Ao dar voz a um narrador cuja identidade é mutante, esse livro transforma a investigação e a busca de si mesmo num enigma policial, perseguindo, numa prosa perturbada e inquieta, sempre a um passo de perder a cabeça, uma brecha, um outro caminho para a narrativa hoje: uma prosa que se arrisca até os limites onde possam se esboçar as centelhas de um novo texto de ficção.

As Iniciais
Doze pessoas que sofreram (ou estão para sofrer) uma experiência muito próxima da morte se reúnem para jantar no antigo mosteiro abandonado de uma ilha, durante as férias de verão. Ao longo da noite cada um conta a sua história. A certa altura, o narrador recebe de outro convidado uma caixinha de madeira com quatro letras entalhadas na tampa, como um código, e dali em diante passa a viver a obsessão de decifrá-las.

Dez anos depois, do outro lado do Atlântico, durante um almoço na sede de uma fazenda, ele encontra um misterioso pintor ali exilado para se recuperar de uma crise psíquica. Esse homem, em quem ele supõe reconhecer um dos convidados do jantar no mosteiro, teria a chave do significado das iniciais. Ao tentar descobrir se o pintor é de fato quem ele imagina, o narrador se vê enredado num jogo labiríntico de identidades, no qual a própria realidade do mundo que o cerca será posta à prova.

Narrada em primeira pessoa por um escritor que é também jornalista, essa história ganha desde o início um ritmo intenso, o que se deve em parte à estranha congruência das situações descritas. Elas têm a verossimilhança do que chamamos de inacreditável na vida real (por oposição à vida representada literariamente) e com isso abrem no leitor uma curiosidade irresistível sobre os efeitos que produziram. Lemos essa história pelo mais simples dos motivos: o desejo de saber o que aconteceu.

Com sua oralidade culta, o narrador dissemina pelo texto traços de personalidade e estados de espírito. Sou ingênuo, ele nos diz, sou crédulo, não vejo o óbvio, me espanto com o mundo, me sinto desamparado, fico perplexo, não sei como agir. Mas ele diz também: não tenho mais ilusões. (Embora conte com a escrita para pôr um ponto final no tempo que passou.)

Nove Noites
Na noite de 2 de agosto de 1939, um jovem e promissor antropólogo americano, Buell Quain, se matou, aos 27 anos, de forma violenta, enquanto tentava voltar para a civilização, vindo de uma aldeia indígena no interior do Brasil. O caso se tornou um tabu para a antropologia brasileira, foi logo esquecido e permaneceu em grande parte desconhecido do público.

Sessenta e dois anos depois, ao tomar conhecimento da história por acaso, num artigo de jornal, o narrador deste livro é levado a investigar de maneira obsessiva e inexplicada as razões do suicídio do antropólogo. Em sua busca obstinada pelas cartas do morto ou pelo testamento de um engenheiro que ficara amigo do antropólogo nos seus últimos meses de vida, o narrador é guiado por razões pessoais que não serão reveladas até o final do romance, mas que dizem respeito à sua experiência de criança na selva, à história e à morte de seu próprio pai.

Nove noites narra a descida ao coração das trevas empreendida pelo jovem expoente da antropologia americana, colega de Lévi-Strauss e aluno dileto de Ruth Benedict, às vésperas da Segunda Guerra. A história é contada em dois tempos, na tribo dos índios krahô (interior do sertão brasileiro) e na combinação progressiva entre a busca pelo testamento do engenheiro e a pesquisa que o narrador vai fazendo em arquivos, atrás das cartas do antropólogo e dos que o conheceram na época.

Para escrever o livro, Bernardo Carvalho travou contato com os Krahô, no Estado do Tocantins, e foi aos Estados Unidos em busca de documentos e pessoas que pudessem saber algo sobre o antropólogo.

A história de Buell Quain revela as contradições e os desejos de um homem sozinho numa terra estranha, confrontado com os seus próprios limites e com a alteridade mais absoluta, numa narrativa que faz referências aos romances de Joseph Conrad e aos relatos do escritor inglês Bruce Chatwin.

O Sol se Põe em São Paulo
No Japão da Segunda Guerra, um triângulo amoroso envolve Michiyo, Jokichi e Masukichi - uma moça de boa família, um filho de industrial e um ator de kyogen, o teatro cômico japonês. À primeira vista, isso é tudo que Setsuko, a dona do restaurante japonês, tem a contar ao narrador de O sol se põe em São Paulo, novo romance de Bernardo Carvalho. Mas logo a trama se complica e se desdobra em outras mais, passadas e presentes, que desnorteiam o narrador involuntário, agora compelido a um verdadeiro trabalho de detetive para completar a história em que se viu enredado.

Pois o relato de Setsuko aponta para além do desejo, da humilhação e do ressentimento amorosos, e se vincula aos momentos mais terríveis da História contemporânea - tanto do Japão como do Brasil. Romance sem fronteiras, que une a Osaka de outrora à São Paulo de hoje, e esta à Tóquio do século XXI, o romance de Bernardo Carvalho entrelaça tempos e espaços que o leitor julgaria essencialmente separados - e nos quais a prosa de ficção brasileira não costuma se arriscar.

Caberá ao narrador de O sol se põe em São Paulo transitar de um pavilhão japonês no bairro do Paraíso a um cybercafé na Tóquio pós-moderna, das fazendas do interior de São Paulo aos campos de batalha da guerra no Pacífico. Tudo a fim de deslindar uma trama tortuosa, que envolve ainda um soldado raso, um primo do imperador e um escritor famoso (o romancista Junichiro Tanizaki) - também sua própria pessoa, sua própria identidade: pária ou escritor?

Fonte:
http://www.companhiadasletras.com.br/

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