O Gato Vaidoso
Moravam na mesma casa dois gatos iguaizinhos no pêlo mas desiguais na sorte. Um, amimado pela dona, dormia em almofadões. Outro, no borralho. Um passava a leite e comia em colo. O outro, por feliz, se dava com as espinhas de peixe do lixo.
Certa vez, cruzaram-se no telhado e o bichano de luxo arrepiou-se todo, dizendo:
- Passa ao largo, vagabundo! Não vês que és pobre e eu sou rico? Que és gato de cozinha e eu sou gato de salão? Respeita-me, pois, e passa ao largo…
- Alto lá, senhor orgulhoso! Lembra-te de que somos irmãos, criados no mesmo ninho.
- Sou nobre. Sou mais que tu!
- Em quê? Não mias como eu?
- Mio.
- Não tens rabo como eu?
- Tenho.
- Não caças ratos como eu?
- Caço.
- Não comes rato como eu?
- Como.
- Logo, não passas dum simples gato igual a mim. Abaixa, pois a crista desse orgulho e lembra-te que mais nobreza do que eu não tens - o que tens é apenas um bocado mais de sorte…
––––––––––––––––
Os Animais e a Peste
Em certo ano terrível de peste entre os animais, o leão, mais apreensivo, consultou um macaco de barbas brancas.
- Esta peste é um castigo do céu - respondeu o macaco - e o remédio é aplacarmos a cólera divina sacrificando aos deuses um de nós.
- Qual? - perguntou o leão.
- O mais carregado de crimes.
O leão fechou os olhos, concentrou-se e, depois duma pausa, disse aos súditos reunidos em redor:
- Amigos! É fora de dúvida que quem deve sacrificar-se sou eu. Cometi grandes crimes, matei centenas de veados, devorei inúmeras ovelhas e até vários pastores. Ofereço-me, pois, para o acrifício necessário ao bem comum.
A raposa adiantou-se e disse:
- Acho conveniente ouvir a confissão das outras feras. Porque, para mim, nada do que Vossa Majestade alegou constitui crime. São coisas que até que honram o nosso virtuosíssimo rei Leão.
Grandes aplausos abafaram as últimas palavras da bajuladora e o leão foi posto de lado como impróprio para o sacrifício.
Apresentou-se em seguida o tigre e repete-se a cena. Acusa-se de mil crimes, mas a raposa mostra que também ele era um anjo de inocência.
E o mesmo aconteceu com todas as outras feras.
Nisto chega a vez do burro. Adianta-se o pobre animal e diz:
- A consciência só me acusa de haver comido uma folha de couve da horta do senhor vigário.
Os animais entreolharam-se. Era muito sério aquilo. A raposa toma a palavra:
- Eis amigos, o grande criminoso! Tão horrível o que ele nos conta, que é inútil prosseguirmos na investigação. A vítima a sacrificar-se aos deuses não pode ser outra porque não pode haver crime maior do que furtar a sacratíssima couve do senhor vigário.
Toda a bicharada concordou e o triste burro foi unanimamente eleito para o sacrifício.
Moral da Estória:
Aos poderosos, tudo se desculpa…
Aos miseráveis, nada se perdoa.
––––––––––––––––––-
As Duas Panelas
Duas panelas, uma de ferro, orgulhosa, outra de barro, humilde, moravam na mesma cozinha; e como estivessem vazias, a bocejarem de vadiação, disse a graúda:
- Bela tarde para um giro pela horta! A cozinheira não está e até que venha, teremos tempo de dizer adeus à alface e fazer uma visita aos repolhos. Queres ir?
- Com todo o prazer! - respondeu a panela de barro lisonjeadíssima de honrosa companhia.
- Dá-me o braço então, e vamo-nos depressa antes que “ela” venha.
Assim fizeram, e lá se foram as duas desajeitadonas gingando os corpos ventrudos, cheias de amabilidade para com as hortaliças.
- Bom dia, dona Couve! Comendador Repolho, como passas! Coentrinho, adeus!
No melhor da festa, porém, a panela de ferro falseou o pé e esbarrou na amiga.
- Ai que me trincas! exclamou esta.
- Não foi nada, não foi nada…
Uns passos a mais e novo choque.
- Ai que desbeiças, amiga!
- Em casa arruma-se, não é nada…
Minutos depois terceiro esbarrão, esse formidável.
- Ai! Ai! Ai! Ai! Fizeste-me em pedaços, ingrata!
E a mísera panela de barro caiu por terra a gemer, reduzida a cacos.
Fontes:
http://it.geocities.com/universodasfabulasmonteirolobato/frame_jose_bento_monteiro_lobato.html
Imagem = http://www.gifmania.com.pt/
Moravam na mesma casa dois gatos iguaizinhos no pêlo mas desiguais na sorte. Um, amimado pela dona, dormia em almofadões. Outro, no borralho. Um passava a leite e comia em colo. O outro, por feliz, se dava com as espinhas de peixe do lixo.
Certa vez, cruzaram-se no telhado e o bichano de luxo arrepiou-se todo, dizendo:
- Passa ao largo, vagabundo! Não vês que és pobre e eu sou rico? Que és gato de cozinha e eu sou gato de salão? Respeita-me, pois, e passa ao largo…
- Alto lá, senhor orgulhoso! Lembra-te de que somos irmãos, criados no mesmo ninho.
- Sou nobre. Sou mais que tu!
- Em quê? Não mias como eu?
- Mio.
- Não tens rabo como eu?
- Tenho.
- Não caças ratos como eu?
- Caço.
- Não comes rato como eu?
- Como.
- Logo, não passas dum simples gato igual a mim. Abaixa, pois a crista desse orgulho e lembra-te que mais nobreza do que eu não tens - o que tens é apenas um bocado mais de sorte…
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Os Animais e a Peste
Em certo ano terrível de peste entre os animais, o leão, mais apreensivo, consultou um macaco de barbas brancas.
- Esta peste é um castigo do céu - respondeu o macaco - e o remédio é aplacarmos a cólera divina sacrificando aos deuses um de nós.
- Qual? - perguntou o leão.
- O mais carregado de crimes.
O leão fechou os olhos, concentrou-se e, depois duma pausa, disse aos súditos reunidos em redor:
- Amigos! É fora de dúvida que quem deve sacrificar-se sou eu. Cometi grandes crimes, matei centenas de veados, devorei inúmeras ovelhas e até vários pastores. Ofereço-me, pois, para o acrifício necessário ao bem comum.
A raposa adiantou-se e disse:
- Acho conveniente ouvir a confissão das outras feras. Porque, para mim, nada do que Vossa Majestade alegou constitui crime. São coisas que até que honram o nosso virtuosíssimo rei Leão.
Grandes aplausos abafaram as últimas palavras da bajuladora e o leão foi posto de lado como impróprio para o sacrifício.
Apresentou-se em seguida o tigre e repete-se a cena. Acusa-se de mil crimes, mas a raposa mostra que também ele era um anjo de inocência.
E o mesmo aconteceu com todas as outras feras.
Nisto chega a vez do burro. Adianta-se o pobre animal e diz:
- A consciência só me acusa de haver comido uma folha de couve da horta do senhor vigário.
Os animais entreolharam-se. Era muito sério aquilo. A raposa toma a palavra:
- Eis amigos, o grande criminoso! Tão horrível o que ele nos conta, que é inútil prosseguirmos na investigação. A vítima a sacrificar-se aos deuses não pode ser outra porque não pode haver crime maior do que furtar a sacratíssima couve do senhor vigário.
Toda a bicharada concordou e o triste burro foi unanimamente eleito para o sacrifício.
Moral da Estória:
Aos poderosos, tudo se desculpa…
Aos miseráveis, nada se perdoa.
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As Duas Panelas
Duas panelas, uma de ferro, orgulhosa, outra de barro, humilde, moravam na mesma cozinha; e como estivessem vazias, a bocejarem de vadiação, disse a graúda:
- Bela tarde para um giro pela horta! A cozinheira não está e até que venha, teremos tempo de dizer adeus à alface e fazer uma visita aos repolhos. Queres ir?
- Com todo o prazer! - respondeu a panela de barro lisonjeadíssima de honrosa companhia.
- Dá-me o braço então, e vamo-nos depressa antes que “ela” venha.
Assim fizeram, e lá se foram as duas desajeitadonas gingando os corpos ventrudos, cheias de amabilidade para com as hortaliças.
- Bom dia, dona Couve! Comendador Repolho, como passas! Coentrinho, adeus!
No melhor da festa, porém, a panela de ferro falseou o pé e esbarrou na amiga.
- Ai que me trincas! exclamou esta.
- Não foi nada, não foi nada…
Uns passos a mais e novo choque.
- Ai que desbeiças, amiga!
- Em casa arruma-se, não é nada…
Minutos depois terceiro esbarrão, esse formidável.
- Ai! Ai! Ai! Ai! Fizeste-me em pedaços, ingrata!
E a mísera panela de barro caiu por terra a gemer, reduzida a cacos.
Fontes:
http://it.geocities.com/universodasfabulasmonteirolobato/frame_jose_bento_monteiro_lobato.html
Imagem = http://www.gifmania.com.pt/
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