sábado, 18 de abril de 2009

Monteiro Lobato (Fábulas)



O Gato Vaidoso

Moravam na mesma casa dois gatos iguaizinhos no pêlo mas desiguais na sorte. Um, amimado pela dona, dormia em almofadões. Outro, no borralho. Um passava a leite e comia em colo. O outro, por feliz, se dava com as espinhas de peixe do lixo.

Certa vez, cruzaram-se no telhado e o bichano de luxo arrepiou-se todo, dizendo:

- Passa ao largo, vagabundo! Não vês que és pobre e eu sou rico? Que és gato de cozinha e eu sou gato de salão? Respeita-me, pois, e passa ao largo…

- Alto lá, senhor orgulhoso! Lembra-te de que somos irmãos, criados no mesmo ninho.

- Sou nobre. Sou mais que tu!

- Em quê? Não mias como eu?

- Mio.

- Não tens rabo como eu?

- Tenho.

- Não caças ratos como eu?

- Caço.

- Não comes rato como eu?

- Como.

- Logo, não passas dum simples gato igual a mim. Abaixa, pois a crista desse orgulho e lembra-te que mais nobreza do que eu não tens - o que tens é apenas um bocado mais de sorte…
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Os Animais e a Peste

Em certo ano terrível de peste entre os animais, o leão, mais apreensivo, consultou um macaco de barbas brancas.

- Esta peste é um castigo do céu - respondeu o macaco - e o remédio é aplacarmos a cólera divina sacrificando aos deuses um de nós.

- Qual? - perguntou o leão.

- O mais carregado de crimes.

O leão fechou os olhos, concentrou-se e, depois duma pausa, disse aos súditos reunidos em redor:

- Amigos! É fora de dúvida que quem deve sacrificar-se sou eu. Cometi grandes crimes, matei centenas de veados, devorei inúmeras ovelhas e até vários pastores. Ofereço-me, pois, para o acrifício necessário ao bem comum.

A raposa adiantou-se e disse:

- Acho conveniente ouvir a confissão das outras feras. Porque, para mim, nada do que Vossa Majestade alegou constitui crime. São coisas que até que honram o nosso virtuosíssimo rei Leão.

Grandes aplausos abafaram as últimas palavras da bajuladora e o leão foi posto de lado como impróprio para o sacrifício.

Apresentou-se em seguida o tigre e repete-se a cena. Acusa-se de mil crimes, mas a raposa mostra que também ele era um anjo de inocência.

E o mesmo aconteceu com todas as outras feras.

Nisto chega a vez do burro. Adianta-se o pobre animal e diz:

- A consciência só me acusa de haver comido uma folha de couve da horta do senhor vigário.

Os animais entreolharam-se. Era muito sério aquilo. A raposa toma a palavra:

- Eis amigos, o grande criminoso! Tão horrível o que ele nos conta, que é inútil prosseguirmos na investigação. A vítima a sacrificar-se aos deuses não pode ser outra porque não pode haver crime maior do que furtar a sacratíssima couve do senhor vigário.

Toda a bicharada concordou e o triste burro foi unanimamente eleito para o sacrifício.

Moral da Estória:
Aos poderosos, tudo se desculpa…
Aos miseráveis, nada se perdoa.
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As Duas Panelas

Duas panelas, uma de ferro, orgulhosa, outra de barro, humilde, moravam na mesma cozinha; e como estivessem vazias, a bocejarem de vadiação, disse a graúda:

- Bela tarde para um giro pela horta! A cozinheira não está e até que venha, teremos tempo de dizer adeus à alface e fazer uma visita aos repolhos. Queres ir?

- Com todo o prazer! - respondeu a panela de barro lisonjeadíssima de honrosa companhia.

- Dá-me o braço então, e vamo-nos depressa antes que “ela” venha.

Assim fizeram, e lá se foram as duas desajeitadonas gingando os corpos ventrudos, cheias de amabilidade para com as hortaliças.

- Bom dia, dona Couve! Comendador Repolho, como passas! Coentrinho, adeus!

No melhor da festa, porém, a panela de ferro falseou o pé e esbarrou na amiga.

- Ai que me trincas! exclamou esta.

- Não foi nada, não foi nada…

Uns passos a mais e novo choque.

- Ai que desbeiças, amiga!

- Em casa arruma-se, não é nada…

Minutos depois terceiro esbarrão, esse formidável.

- Ai! Ai! Ai! Ai! Fizeste-me em pedaços, ingrata!

E a mísera panela de barro caiu por terra a gemer, reduzida a cacos.

Fontes:
http://it.geocities.com/universodasfabulasmonteirolobato/frame_jose_bento_monteiro_lobato.html

Imagem = http://www.gifmania.com.pt/

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