domingo, 5 de abril de 2009

Aires da Mata Machado Filho (Crenças e crendices sobre as almas)



Durante o mês de novembro, que afinal é mesmo delas, vagueiam as almas por toda a parte, pedindo orações, assombrando a gente. O que Pereira da Costa divulgou no seu Folclore pernambucano (Rio de Janeiro, Livraria J. Leite, 1908), encontra réplica nos mais diversos lugares, aqui no Brasil e por este mundo afora.

Quando morremos, o espírito se evola imediatamente, mas não vai para o seu destino, o céu ou o inferno, segundo suas obras praticadas neste mundo; e, enquanto o cadáver não baixa à sepultura, permanece junto ao mesmo. Os nossos, índios, porém, acreditavam que o espírito só se apartava do corpo depois de seu completo estado de decomposição; e enquanto não ia para a lua, lugar destinado à sua morada e descanso eterno, percorria as florestas, assistia as suas conversas, as suas danças, e era testemunha, enfim, de todas as suas ações.

Para outras tribos, apesar de originárias todas de um mesmo tronco, o tupi — a vida remuneradora dos justos era passada em localidades encantadoras, que se afiguravam no reverso das "Montanhas Azuis", a serra geral que percorre a vasta extensão da costa austral do Brasil, e cujas montanhas viam a uma certa distância; mas os espíritos infiéis e pusilânimes eram proscritos dessa mansão, como anatematizados e votados a miséria e privações, erravam por desertos estéreis e se acolhiam aos covis das feras.

Segundo a crendice popular para verificar-se o destino final dos espíritos, é preciso um julgamento prévio.

O espírito, apenas desprendido da matéria, comparece perante o arcanjo São Miguel, e tomando ele a sua balança, coloca em uma concha as obras boas e na outra as obras más, e profere o seu julgamento em face da superioridade do peso de umas sobre as outras.

Quando absolutamente não se nota o concurso de obras más, o espírito vai imediatamente para o céu; quando são elas insignificantes, vai purificar-se no purgatório; e quando não tem em seu favor uma obra sequer, vai irremissivelmente para o inferno, donde só sairá quando se der o julgamento final, no "dia do juízo", seguindo-se então a ressurreição da carne.

A morte dos justos e bons que atravessam a sua passagem por este mundo, sem pecado, assiste um anjo, invisivelmente, empunhando uma espada flamejante para os defender de satanás, que ainda mesmo nesse extremo momento da vida, comparece junto ao leito para arrebatar-lhes a alma: e São Pedro, na sua qualidade de porteiro do céu, espera-os nos seus umbrais para dar-lhe ingresso no Paraíso.

Fontes
Machado Filho, Aires da Mata. Crenças e crendices sobre as almas. Diário de Minas. Belo Horizonte, 10 de novembro de 1964.
Figura = http:// www.espada.eti.br

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