domingo, 5 de abril de 2009

Aires da Mata Machado Filho (Vissungos)


Vissungo, em etnografia, se refere a música de caráter responsorial praticada por escravos africanos utilizados nas lavras de diamantes e ouro na região compreendida, entre outras, pelas periferias das cidades brasileiras de Diamantina, São João da Chapada e Serro, no estado de Minas Gerais.

Tal música era entoada raramente em português, prevalecendo línguas africanas, principalmente o kimbundo e o Nbundo (chamadas de língua benguela pela população local) e relacionadas a idiomas até hoje falados na atual República Popular de Angola.

Em férias, em 1929, o filólogo viajou para São João da Chapada, onde lhe chamaram a atenção "umas cantigas em língua africana ouvidas outrora nos serviços de mineração", conforme descreveu no livro O Negro e o Garimpo em Minas Gerais, obra publicada em 1943 pela editora José Olympio.

Mata Machado sustenta a importância dos vissungos, sua influência nos começos daquele arraial e mais "os vestígios da língua das cantigas na linguagem corrente, na onomástica e na toponímia" - os vestígios de um um dialeto banto num tempo em que se pensava que a língua dos negros trazidos como escravos para o Brasil resumia-se ao nagô.

Em 1982, a Gravadora Eldorado ousou seu lance mais arriscado, animada pelo sucesso (de crítica) das séries de Marcus Pereira. Editou o disco O Canto dos Escravos, reunindo canções recolhidas e anotadas pelo historiador mineiro Aires da Mata Machado Filho.


Canto da Tarde

Solo:
Oenda, auê, a a!
Ucumbi oenda, auê, a...
Oenda auê, a a!
Ucumbi oenda, auê, no calunga

Coro 1º:
Ucumbi oenda, ondoró onjó
Ucumbi oenda, ondoró onjó (bis)

Coro 2º:
Iô vou oendá, pu curima auê
Iô vou oendá, pu curima auê (bis)

— O sol está entrando, vamo-nos embora para o rancho.
— O sol entrou, vamos para o rancho — Eu vou entrar é para minha faisqueira.

É admirável a permanência da idéia de mar. Perguntados, todos os informantes traduziram por mar a palavra calunga.
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Ao Nascer do Dia

Purru! Acoêto? — Caveia?

Galo já cantou, rê rê
Cristo nasceu
Dia 'manheceu
Galo já cantou

Galo já cantou, rê rê
Cacariacô
Cristo no céu
Galo já cantou

O cantador mestre, chamando: Purru acoêto? (Olá, companheiros!)

A turma responde: Caveia? (Que é lá?)

Galo já cantou, rê rê
Cristo nasceu
Dia amanheceu
Galo já cantou

Galo já cantou, rê rê
Cacariacô
Cristo no céu
Galo já cantou
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A Jangada Secando Água

Solo:
Aua cu aua cangirê
Aua cu aua cangira auê
Aua cu aua cangirê, aua

Coro:
Ê aua
Tanto aua para que, aua
Tanto aua pra bebê, aua

(Refere-se à "jangada", aparelho de secar água nas catas e que é movido a água. A cantiga diz do processo interessante, de uma água trabalhando para extinguir outra água)

Fontes:
Machado Filho, Aires da Mata. O negro e o garimpo em Minas Gerais. 2. ed. RJ: Civilização Brasileira, 1964).
http://www.jangadabrasil.com.br/
http://afinadiamantina.blogspot.com/

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