Tão logo souberam que estas terras eram ricas em ouro e diamantes, diversos homens ousados e ambiciosos vieram para cá, na esperança de enriquecer. Nem todos alcançaram seu objetivo. Uns ficaram mais pobres do que eram, outros conseguiram remediar-se e alguns poucos ficaram realmente ricos.
Estes eram, de fato, poderosos e sua vontade era lei. Entre estes últimos estava o pai de Dalva. Ele possuía importantes garimpos de ouro e diamantes, de onde inúmeros escravos extraíam a riqueza necessária para seu amo viver luxuosamente.
A moça era filha única e seu pai lhe dava o que havia de melhor: roupas trazidas do estrangeiro especialmente para ela, jóias que fariam inveja a uma rainha, perfumes finíssimos...
O mal era que o orgulho dele escravizava a filha de tal modo que, muitas vezes, ela desejou ser pobre, mas viver com mais liberdade.
- Por que não posso ser como as outras moças? Por que hei de sair sempre com o rosto coberto, como se estivesse escondendo-me de alguém? – perguntou ela, um dia.
- Ora, será que você não compreende? – resmungava ele. Você é a filha do homem mais rico deste lugar?!
- E o que tem isso?
- Não é qualquer um que tem o direito de ver seu rosto! Essa gente não merece tal privilégio!
A moça não tinha outro recurso, senão continuar a sair com o rosto coberto.
Às vezes, um moço menos avisado aproximava-se da casa do ricaço, movido pela curiosidade de conhecer a bela Dalva. Pobre dele! Se o homem percebia, mandava alguns de seus escravos mais fortes fazer-lhe uns carinhos com chicotes e porretes...
Um dia, Dalva quis saber:
- Por que o senhor faz isso, meu pai?
- Ora, por quê?! Não vê? São uns aventureiros. Pretendem casar-se com você para ficar com o meu dinheiro, Mas podem desistir. Não vai ser fácil, não. Pelo menos, enquanto eu estiver vivo...
- O senhor não deveria preocupar-se com isso. Sabe que nem tomo conhecimento da presença deles. Não há necessidade de maltratá-los tanto.
- Como não? Eles precisam aprender.
Os escravos já estavam cansados de tanto surrar os rapazes que tentavam conhecer Dalva.
Certa ocasião, quando ela saiu a passeio pelo campo com algumas escravas, resolveu tirar o véu, com o qual sempre cobria o rosto.
- Olhe, Sinhá, seu pai não vai gostar disso. Pode fuçar bravo, disse uma das mucamas.
A moça achou graça:
- Ele não quer que os estranhos vejam meu rosto. Mas quem é que vai encontrar-me neste lugar? Só se forem as aves, os bichos.
- Sabe como o patrão é, tornou a mucama, quando dá uma ordem, é para ser cumprida.
- Não tenho medo, afirmou a moça. A ordem que ele deu é para a cidade. No campo, não tem valor.
As escravas acabaram por concordar com a argumentação da moça.
Dalva e as mucamas sentaram-se na relva e começaram a conversar sobre os mais variados assuntos. Uma das escravas era muito engraçada e sabia contar anedotas como ninguém. Dalva e as outras riam até não poder mais.
Estavam assim, distraídas, quando surgiu um cavaleiro. Vinha devagar e seu cavalo aparentava cansaço. Aproximou-se das moças, tirou o chapéu e perguntou-lhes diversas coisas sobre a região. Enquanto falava não conseguia tirar os olhos de Dalva. Nem ela nem as escravas lembraram-se da ordem de seu pai.
O cavaleiro ficou encantado com Dalva e ela, por sua vez, não deixou de se impressionar com o porte do forasteiro: forte, decidido, desenvolto, porém de uma simplicidade encantadora.
Contou-lhe que era um garimpeiro à procura de fortuna.
Antes de ir embora, o moço perguntou onde era a casa de Dalva. Ela deu a informação, diante dos olhos surpresos das mucamas.
Uma das escravas não resistiu:
- Sinhá! Se ele se aproximar da casa será espancado por ordem de seu pai!
- Eu ia avisá-lo! – respondeu a moça. E contou ao jovem como era seu pai.
O estranho ficou horrorizado e disse que dinheiro nenhum pagava aquele sofrimento.
Ele partiu, prometendo escrever-lhe.
E, assim começou a troca de bilhetes. Uma das mucamas, a mais amiga de Dalva, foi escolhida para ser a recadeira. Os bilhetes iam e vinham cada vez em maior quantidade e o namoro foi ficando cada vez mais firme.
Como para todo segredo existe um traidor, uma das mucamas incumbidas de fazer companhia à Dalva conclui que, se falasse ao pai da moça sobre o namoro, por certo seria recompensada.
O pai de Dalva ficou furioso e tomou todas as providências para castigar o audacioso garimpeiro. Colocou escravos espiões atrás do moço, para que ele fosse surpreendido no momento de enviar algum bilhete. Mandou que os escravos acompanhassem a mucama e lhes disse:
- Procurem ter certeza de que ele é o homem. Depois, fiquem atrás dele, até surgir uma boa oportunidade. Aí... já sabem o que fazer, não é mesmo? – e fez um gesto significativo.
Por outro lado, avisado pela escrava traidora, surpreenderia a mucama recadeira, para lhe dar o castigo que achava merecido.
Guiados pela escrava, não demorou muito para que vissem a mucama de confiança de Dalva receber um bilhete de um moço. Então, era aquele! Trataram de ir atrás do namorado. Ele saiu a cavalo e os escravos, também.
Enquanto isto, a mucama foi entregar o bilhete à sua patroa. No momento exato, o pai de Dalva apareceu:
- Muito bem, disse ele, quer dizer que você esqueceu as minhas ordens?! Pois nunca mais esquecerá nada, pode ficar sossegada!
Imediatamente, ele chamou alguns escravos e mandou que levassem a mucama para o castigo.
De nada valeram os gritos da infeliz. Dalva implorou ao pai que não castigasse a escrava, pois a culpa era sua e de mais ninguém. Ele não quis saber de nada. Mandou que a filha fosse para o quarto e de lá não saísse até segunda ordem. Depois, foi assistir ao castigo da mucama.
Mandou que a amarrassem a um poste de madeira e ordenou aos escravos que batesse, até que ela não queixasse mais.
A coitada não resistiu às chicotadas e morreu ali mesmo.
Um pouco mais distante, os escravos, que estavam seguindo o namorado de Dalva, encontraram a esperada oportunidade. O garimpeiro apeou perto da lagoa, conhecida por Lagoa Azul, para dar de beber ao seu cavalo. Um escravo apontou-lhe a espingarda e atirou.
Foi enterrado ali, na beira da lagoa.
O pai de Dalva ficou muito satisfeito com o resultado. Resolveu dar pessoalmente à sua filha o que ele considerava uma boa notícia.
- Pois é, minha filha, disse ele, com uma expressão de alegria, posso afirmar-lhe que a mucama recadeira não fará mais o que fez. Creio que ela ganhava dinheiro daquele malandro, que só queria a minha riqueza. Agora, ele não tem mais quem lhe traga os recados. Sabe por que? Porque ela está morta. E também, ele não precisaria mais dela, já que não poderá escrever mais.
A moça, percebendo que algo de ruim tinha acontecido ao namorado, perguntou, aflita:
- Por que? O que aconteceu a ele?
O ricaço deu uma gargalhada e respondeu bem devagar:
- A esta hora, ele está descansando, para sempre, perto da Lagoa Azul.
Dalva, completamente transtornada, correu para fora da casa, montou um cavalo e partiu para a lagoa, em cujas águas se atirou.
Em sua perseguição, vinham o pai e diversos escravos, mas, com a força do desespero, ela corria mais depressa que o vento e eles não conseguiram alcançá-la.
Dalva nunca mais foi encontrada.
Os garimpeiros têm muito medo de chegar perto deste lugar. Alguns afirmam já ter visto a pobre moça, chorando na beira da lagoa, em noites de luar.
Como até hoje ela tem esperanças de encontrar o seu namorado, costuma atrair, com seus olhos lindos e luminosos como diamantes, o garimpeiro que se aproxima, levando-o para o fundo das águas. Ela quer ver, de perto, se ele não é o seu amado...
Fontes:
Histórias e Lendas do Brasil (adaptado do texto original de Gonçalves Ribeiro). - São Paulo: APEL Editora
http://www.terrabrasileira.net/folclore/regioes/sudeste/contosude.html
Estes eram, de fato, poderosos e sua vontade era lei. Entre estes últimos estava o pai de Dalva. Ele possuía importantes garimpos de ouro e diamantes, de onde inúmeros escravos extraíam a riqueza necessária para seu amo viver luxuosamente.
A moça era filha única e seu pai lhe dava o que havia de melhor: roupas trazidas do estrangeiro especialmente para ela, jóias que fariam inveja a uma rainha, perfumes finíssimos...
O mal era que o orgulho dele escravizava a filha de tal modo que, muitas vezes, ela desejou ser pobre, mas viver com mais liberdade.
- Por que não posso ser como as outras moças? Por que hei de sair sempre com o rosto coberto, como se estivesse escondendo-me de alguém? – perguntou ela, um dia.
- Ora, será que você não compreende? – resmungava ele. Você é a filha do homem mais rico deste lugar?!
- E o que tem isso?
- Não é qualquer um que tem o direito de ver seu rosto! Essa gente não merece tal privilégio!
A moça não tinha outro recurso, senão continuar a sair com o rosto coberto.
Às vezes, um moço menos avisado aproximava-se da casa do ricaço, movido pela curiosidade de conhecer a bela Dalva. Pobre dele! Se o homem percebia, mandava alguns de seus escravos mais fortes fazer-lhe uns carinhos com chicotes e porretes...
Um dia, Dalva quis saber:
- Por que o senhor faz isso, meu pai?
- Ora, por quê?! Não vê? São uns aventureiros. Pretendem casar-se com você para ficar com o meu dinheiro, Mas podem desistir. Não vai ser fácil, não. Pelo menos, enquanto eu estiver vivo...
- O senhor não deveria preocupar-se com isso. Sabe que nem tomo conhecimento da presença deles. Não há necessidade de maltratá-los tanto.
- Como não? Eles precisam aprender.
Os escravos já estavam cansados de tanto surrar os rapazes que tentavam conhecer Dalva.
Certa ocasião, quando ela saiu a passeio pelo campo com algumas escravas, resolveu tirar o véu, com o qual sempre cobria o rosto.
- Olhe, Sinhá, seu pai não vai gostar disso. Pode fuçar bravo, disse uma das mucamas.
A moça achou graça:
- Ele não quer que os estranhos vejam meu rosto. Mas quem é que vai encontrar-me neste lugar? Só se forem as aves, os bichos.
- Sabe como o patrão é, tornou a mucama, quando dá uma ordem, é para ser cumprida.
- Não tenho medo, afirmou a moça. A ordem que ele deu é para a cidade. No campo, não tem valor.
As escravas acabaram por concordar com a argumentação da moça.
Dalva e as mucamas sentaram-se na relva e começaram a conversar sobre os mais variados assuntos. Uma das escravas era muito engraçada e sabia contar anedotas como ninguém. Dalva e as outras riam até não poder mais.
Estavam assim, distraídas, quando surgiu um cavaleiro. Vinha devagar e seu cavalo aparentava cansaço. Aproximou-se das moças, tirou o chapéu e perguntou-lhes diversas coisas sobre a região. Enquanto falava não conseguia tirar os olhos de Dalva. Nem ela nem as escravas lembraram-se da ordem de seu pai.
O cavaleiro ficou encantado com Dalva e ela, por sua vez, não deixou de se impressionar com o porte do forasteiro: forte, decidido, desenvolto, porém de uma simplicidade encantadora.
Contou-lhe que era um garimpeiro à procura de fortuna.
Antes de ir embora, o moço perguntou onde era a casa de Dalva. Ela deu a informação, diante dos olhos surpresos das mucamas.
Uma das escravas não resistiu:
- Sinhá! Se ele se aproximar da casa será espancado por ordem de seu pai!
- Eu ia avisá-lo! – respondeu a moça. E contou ao jovem como era seu pai.
O estranho ficou horrorizado e disse que dinheiro nenhum pagava aquele sofrimento.
Ele partiu, prometendo escrever-lhe.
E, assim começou a troca de bilhetes. Uma das mucamas, a mais amiga de Dalva, foi escolhida para ser a recadeira. Os bilhetes iam e vinham cada vez em maior quantidade e o namoro foi ficando cada vez mais firme.
Como para todo segredo existe um traidor, uma das mucamas incumbidas de fazer companhia à Dalva conclui que, se falasse ao pai da moça sobre o namoro, por certo seria recompensada.
O pai de Dalva ficou furioso e tomou todas as providências para castigar o audacioso garimpeiro. Colocou escravos espiões atrás do moço, para que ele fosse surpreendido no momento de enviar algum bilhete. Mandou que os escravos acompanhassem a mucama e lhes disse:
- Procurem ter certeza de que ele é o homem. Depois, fiquem atrás dele, até surgir uma boa oportunidade. Aí... já sabem o que fazer, não é mesmo? – e fez um gesto significativo.
Por outro lado, avisado pela escrava traidora, surpreenderia a mucama recadeira, para lhe dar o castigo que achava merecido.
Guiados pela escrava, não demorou muito para que vissem a mucama de confiança de Dalva receber um bilhete de um moço. Então, era aquele! Trataram de ir atrás do namorado. Ele saiu a cavalo e os escravos, também.
Enquanto isto, a mucama foi entregar o bilhete à sua patroa. No momento exato, o pai de Dalva apareceu:
- Muito bem, disse ele, quer dizer que você esqueceu as minhas ordens?! Pois nunca mais esquecerá nada, pode ficar sossegada!
Imediatamente, ele chamou alguns escravos e mandou que levassem a mucama para o castigo.
De nada valeram os gritos da infeliz. Dalva implorou ao pai que não castigasse a escrava, pois a culpa era sua e de mais ninguém. Ele não quis saber de nada. Mandou que a filha fosse para o quarto e de lá não saísse até segunda ordem. Depois, foi assistir ao castigo da mucama.
Mandou que a amarrassem a um poste de madeira e ordenou aos escravos que batesse, até que ela não queixasse mais.
A coitada não resistiu às chicotadas e morreu ali mesmo.
Um pouco mais distante, os escravos, que estavam seguindo o namorado de Dalva, encontraram a esperada oportunidade. O garimpeiro apeou perto da lagoa, conhecida por Lagoa Azul, para dar de beber ao seu cavalo. Um escravo apontou-lhe a espingarda e atirou.
Foi enterrado ali, na beira da lagoa.
O pai de Dalva ficou muito satisfeito com o resultado. Resolveu dar pessoalmente à sua filha o que ele considerava uma boa notícia.
- Pois é, minha filha, disse ele, com uma expressão de alegria, posso afirmar-lhe que a mucama recadeira não fará mais o que fez. Creio que ela ganhava dinheiro daquele malandro, que só queria a minha riqueza. Agora, ele não tem mais quem lhe traga os recados. Sabe por que? Porque ela está morta. E também, ele não precisaria mais dela, já que não poderá escrever mais.
A moça, percebendo que algo de ruim tinha acontecido ao namorado, perguntou, aflita:
- Por que? O que aconteceu a ele?
O ricaço deu uma gargalhada e respondeu bem devagar:
- A esta hora, ele está descansando, para sempre, perto da Lagoa Azul.
Dalva, completamente transtornada, correu para fora da casa, montou um cavalo e partiu para a lagoa, em cujas águas se atirou.
Em sua perseguição, vinham o pai e diversos escravos, mas, com a força do desespero, ela corria mais depressa que o vento e eles não conseguiram alcançá-la.
Dalva nunca mais foi encontrada.
Os garimpeiros têm muito medo de chegar perto deste lugar. Alguns afirmam já ter visto a pobre moça, chorando na beira da lagoa, em noites de luar.
Como até hoje ela tem esperanças de encontrar o seu namorado, costuma atrair, com seus olhos lindos e luminosos como diamantes, o garimpeiro que se aproxima, levando-o para o fundo das águas. Ela quer ver, de perto, se ele não é o seu amado...
Fontes:
Histórias e Lendas do Brasil (adaptado do texto original de Gonçalves Ribeiro). - São Paulo: APEL Editora
http://www.terrabrasileira.net/folclore/regioes/sudeste/contosude.html
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