Chuva e sol
Junta ao pendor do abismo e suster-se sozinha;
quase a tombar no mal, lutar vencendo o mal,
é difícil, é belo! Eu vi exemplo igual
na ingênua candidez de linda criancinha.
Disse a mamãe, um dia, à loura Georgeana:
— Se até anoitecer, eu não te ouvir chorar,
nem dar gritos, prometo, amor, ir-te comprar
uma nenê gentil, d'olhos de porcelana.
Apenas isto ouviu, a bela pequenita
dança e salta a cantar, com tal sofreguidão,
que entontecendo, cai, ao comprido, no chão.
Esqueceu-lhe a promessa. Ei-la que chora e grita.
— Prantos? adeus boneca. Ouvindo esta ameaça,
ergue-se Georgeana e diz muito ligeira,
mudando o choro em riso, e com imensa graça.
— Chorei... por brincadeira…
––––––––––––––-
Dom Quixote
Paulo tinha seis anos incompletos;
tinha só quatro o louro e gentil Mário.
Foram à biblioteca, sorrateiros,
e ficaram instantes, mudos, quietos,
a espreitar se alguém vinha; então, ligeiros
como o vento, correram p'ra o armário,
que encerrava os volumes cobiçados:
eram dois grandes livros encarnados,
cheios de formosíssimas gravuras,
mas pesados, meu Deus!
0s pequeninos
porfiavam, cansados, vermelhitos,
por tirá-los da estante. Que torturas!
'Stavam tão apertados, os malditos!
Enfim, venceram não sem ter lutado...
Paulo entalou um dedo, o irmãozinho,
ao desprender os livros, coitadinho!
cambaleou, e foi cair... sentado.
Não choraram: beijaram-se contentes
e Paulo disse a Mário: Que bellote!
vamos ver à vontade o D. Quixote,
sem os ralhos ouvir, impertinentes,
da avó, que adormeceu. Oh! que ventura!
Mário, tu não te mexas, fica atento:
eu vou mostrar-te estampas bem pintadas
com uma condição: cada figura
há de trazer ao nosso pensamento
uma dessas partidas engraçadas,
que eu sei fazer. Serve-te assim?
— 'Stá dito.
Oh! que homenzinho magro! Que esquisito!
Quem é?
— É D. Quixote.
— o barrigudo
é dona Sancha, que a mamãe me disse.
— Dona Sancha é mulher. Oh! que tolice!
O nome que ele tem, bobo, é Pançudo.
— Que está fazendo o padre na cadeira,
a entregar tanto livro à rapariga?
— São livros maus, que vão para a fogueira.
— Quais são os livros maus?
— Não sei, mas penso
que devem ser os que não têm dourados
nem pinturas. Por mais que o papai diga
que o livro é sempre bom, não me convenço.
— Ouves? Chamam por ti, fomos pilhados!
— Meu Deus, como há de ser? Mário, depressa,
vamos arrumar isto; assim.
— Não cessa
De chamar-nos a avó!
— Pronto.
— Inda faltam
três livros.
— Já não cabem.
— Que canseira!
— Têm figuras?
— Não têm.
— Capas bonitas?
— Também não têm.
— Então são maus e saltam
pela janela: atira-os à fogueira.
Eram Sêneca, Eurico e Os jesuítas.
Escaparam do fogo os condenados,
ficando um tanto ou quanto amarrotados.
Salvou-os o papai, mas impiedoso,
fechou a biblioteca, e rigoroso
condenou os dois réus, feroz juiz!
A soletrar... os Contos Infantis
–––––––––––––––––––––––-
Meiguice
Deram à linda Clarisse
uma gatinha mimosa,
tão branca, tão carinhosa,
tão engraçada, tão mansa
que a encantadora criança
por nome lhe pôs — Meiguice.
Tinha bom leite ao almoço
e biscoitos e bolinhos;
dormia em sedas e armarinhos,
e ronronava fagueira
quando sentia a coleira
de fita azul, no pescoço.
Clarisse amava deveras
a bichinha cor de neve
e a gata, nervosa e leve,
adorava a pequenita;
e tinham graça infinita,
estas amigas sinceras!
Veio Raul, o mais louro
e traquinas dos rapazes,
forte e audaz entre os audazes,
fanfarrão e desordeiro;
correu a casa ligeiro
indo encontrar o tesouro,
a doce e branca Meiguice,
deitada comodamente
na cama fofinha e quente
da prima, e gritou: — Que vejo?
um bicho tão malfazejo,
sobre o leito de Clarisse!
E... zás, suspendeu a gata
pela coleira de fita,
atirou a pobrezita,
ao jardim e, satisfeito,
à priminha o heróico feito
foi contar como bravata.
Debatia-se Meiguice,
no lago, fria, transida,
a morrer.
O gaticida
sentiu remorso pungente
ao ver o pranto tremente
no olhar azul de Clarisse.
E... correndo, denodado,
deitou-se ao lago profundo,
(dois palmos d'água); do fundo
tirou Meiguice, e ofegante
disse em tom dilacerante:
— Salvei-a!
— Estou perdoado?
–––––––––––––––––––––-
O ramo verde
Frederico era estouvado,
não aceitava conselhos;
ria e zombava, coitado!
das sábias lições dos velhos.
Sofia, meiga criança,
era o contraste perfeito
do irmão, uma pomba mansa
sem o mais leve defeito.
Dera o papai aos pequenos
dois canteiros bem plantados,
em tudo iguais; mas em menos
de um mês estavam mudados.
O de Sofia, que encantos!
Tinha fartura de rosas,
cravos, baunilha, agapantos,
e violetas perfumosas.
No outro havia mamona,
urzes, trifólios, urtigas
e uns restos de manjerona
já roída das formigas.
Foram à tarde a passeio
no jardim os dois; Sofia
colhia rosas; em meio
disse ao irmão: — que alegria!
Vou dar à mamãe um ramo
das minhas amadas flores!
a sua alcova embalsamo
e alcanço beijos e amores!
— Dás-me esta rosa encarnada,
Sofia, p'ra o seu cabelo?
— Dou, mas não levas mais nada;
corrige o teu desmazelo.
Trabalha, meu preguiçoso!
Ouro é o tempo que se perde
não deves ser ocioso,
nem pôr pé em ramo verde.
Só assim terás emenda!
— Tens graça, linda agoireira;
vais ver, minha doce prenda,
se a sentença é verdadeira.
Disse, e subiu apressado
a verde acácia frondosa,
e lá, de um ramo delgado,
gritou à irmã receosa:
— Não vês o ramo... sensata?
o pisá-lo não me aterra...
Mal acabara a bravata,
partiu-se o ramo, ei-lo em terra.
Na queda quebrou um braço,
Sofia teve um fanico...
Mas deixou de ser madraço
o pequeno Frederico.
----------
Junta ao pendor do abismo e suster-se sozinha;
quase a tombar no mal, lutar vencendo o mal,
é difícil, é belo! Eu vi exemplo igual
na ingênua candidez de linda criancinha.
Disse a mamãe, um dia, à loura Georgeana:
— Se até anoitecer, eu não te ouvir chorar,
nem dar gritos, prometo, amor, ir-te comprar
uma nenê gentil, d'olhos de porcelana.
Apenas isto ouviu, a bela pequenita
dança e salta a cantar, com tal sofreguidão,
que entontecendo, cai, ao comprido, no chão.
Esqueceu-lhe a promessa. Ei-la que chora e grita.
— Prantos? adeus boneca. Ouvindo esta ameaça,
ergue-se Georgeana e diz muito ligeira,
mudando o choro em riso, e com imensa graça.
— Chorei... por brincadeira…
––––––––––––––-
Dom Quixote
Paulo tinha seis anos incompletos;
tinha só quatro o louro e gentil Mário.
Foram à biblioteca, sorrateiros,
e ficaram instantes, mudos, quietos,
a espreitar se alguém vinha; então, ligeiros
como o vento, correram p'ra o armário,
que encerrava os volumes cobiçados:
eram dois grandes livros encarnados,
cheios de formosíssimas gravuras,
mas pesados, meu Deus!
0s pequeninos
porfiavam, cansados, vermelhitos,
por tirá-los da estante. Que torturas!
'Stavam tão apertados, os malditos!
Enfim, venceram não sem ter lutado...
Paulo entalou um dedo, o irmãozinho,
ao desprender os livros, coitadinho!
cambaleou, e foi cair... sentado.
Não choraram: beijaram-se contentes
e Paulo disse a Mário: Que bellote!
vamos ver à vontade o D. Quixote,
sem os ralhos ouvir, impertinentes,
da avó, que adormeceu. Oh! que ventura!
Mário, tu não te mexas, fica atento:
eu vou mostrar-te estampas bem pintadas
com uma condição: cada figura
há de trazer ao nosso pensamento
uma dessas partidas engraçadas,
que eu sei fazer. Serve-te assim?
— 'Stá dito.
Oh! que homenzinho magro! Que esquisito!
Quem é?
— É D. Quixote.
— o barrigudo
é dona Sancha, que a mamãe me disse.
— Dona Sancha é mulher. Oh! que tolice!
O nome que ele tem, bobo, é Pançudo.
— Que está fazendo o padre na cadeira,
a entregar tanto livro à rapariga?
— São livros maus, que vão para a fogueira.
— Quais são os livros maus?
— Não sei, mas penso
que devem ser os que não têm dourados
nem pinturas. Por mais que o papai diga
que o livro é sempre bom, não me convenço.
— Ouves? Chamam por ti, fomos pilhados!
— Meu Deus, como há de ser? Mário, depressa,
vamos arrumar isto; assim.
— Não cessa
De chamar-nos a avó!
— Pronto.
— Inda faltam
três livros.
— Já não cabem.
— Que canseira!
— Têm figuras?
— Não têm.
— Capas bonitas?
— Também não têm.
— Então são maus e saltam
pela janela: atira-os à fogueira.
Eram Sêneca, Eurico e Os jesuítas.
Escaparam do fogo os condenados,
ficando um tanto ou quanto amarrotados.
Salvou-os o papai, mas impiedoso,
fechou a biblioteca, e rigoroso
condenou os dois réus, feroz juiz!
A soletrar... os Contos Infantis
–––––––––––––––––––––––-
Meiguice
Deram à linda Clarisse
uma gatinha mimosa,
tão branca, tão carinhosa,
tão engraçada, tão mansa
que a encantadora criança
por nome lhe pôs — Meiguice.
Tinha bom leite ao almoço
e biscoitos e bolinhos;
dormia em sedas e armarinhos,
e ronronava fagueira
quando sentia a coleira
de fita azul, no pescoço.
Clarisse amava deveras
a bichinha cor de neve
e a gata, nervosa e leve,
adorava a pequenita;
e tinham graça infinita,
estas amigas sinceras!
Veio Raul, o mais louro
e traquinas dos rapazes,
forte e audaz entre os audazes,
fanfarrão e desordeiro;
correu a casa ligeiro
indo encontrar o tesouro,
a doce e branca Meiguice,
deitada comodamente
na cama fofinha e quente
da prima, e gritou: — Que vejo?
um bicho tão malfazejo,
sobre o leito de Clarisse!
E... zás, suspendeu a gata
pela coleira de fita,
atirou a pobrezita,
ao jardim e, satisfeito,
à priminha o heróico feito
foi contar como bravata.
Debatia-se Meiguice,
no lago, fria, transida,
a morrer.
O gaticida
sentiu remorso pungente
ao ver o pranto tremente
no olhar azul de Clarisse.
E... correndo, denodado,
deitou-se ao lago profundo,
(dois palmos d'água); do fundo
tirou Meiguice, e ofegante
disse em tom dilacerante:
— Salvei-a!
— Estou perdoado?
–––––––––––––––––––––-
O ramo verde
Frederico era estouvado,
não aceitava conselhos;
ria e zombava, coitado!
das sábias lições dos velhos.
Sofia, meiga criança,
era o contraste perfeito
do irmão, uma pomba mansa
sem o mais leve defeito.
Dera o papai aos pequenos
dois canteiros bem plantados,
em tudo iguais; mas em menos
de um mês estavam mudados.
O de Sofia, que encantos!
Tinha fartura de rosas,
cravos, baunilha, agapantos,
e violetas perfumosas.
No outro havia mamona,
urzes, trifólios, urtigas
e uns restos de manjerona
já roída das formigas.
Foram à tarde a passeio
no jardim os dois; Sofia
colhia rosas; em meio
disse ao irmão: — que alegria!
Vou dar à mamãe um ramo
das minhas amadas flores!
a sua alcova embalsamo
e alcanço beijos e amores!
— Dás-me esta rosa encarnada,
Sofia, p'ra o seu cabelo?
— Dou, mas não levas mais nada;
corrige o teu desmazelo.
Trabalha, meu preguiçoso!
Ouro é o tempo que se perde
não deves ser ocioso,
nem pôr pé em ramo verde.
Só assim terás emenda!
— Tens graça, linda agoireira;
vais ver, minha doce prenda,
se a sentença é verdadeira.
Disse, e subiu apressado
a verde acácia frondosa,
e lá, de um ramo delgado,
gritou à irmã receosa:
— Não vês o ramo... sensata?
o pisá-lo não me aterra...
Mal acabara a bravata,
partiu-se o ramo, ei-lo em terra.
Na queda quebrou um braço,
Sofia teve um fanico...
Mas deixou de ser madraço
o pequeno Frederico.
----------
Nenhum comentário:
Postar um comentário