AQUELE MEU BALÃO...
Levei o dia todo, a minha tarde inteira,
não joguei futebol e até nem quis brincar
de soldado e ladrão...
Ajoelhado na sala, a minha brincadeira
foi cortar os papéis de cores, e os juntar
fazendo o meu balão...
Só tarde, quando o céu, lá na altura se encheu
de outros muitos balões - eu o levei para a rua
entre grande escarcéu...
Nem sei como o fizera - era mais alto que eu!...
- havia de passar bem juntinho da lua
até tocar no céu!...
Olhando-o não cabia em mim minha alegria,
e a todos, um a um, apontava contente:
- vê? Fui eu que fiz...
Depois... Eu o acendi... Que bola ele fazia!...
- Foi inchando... crescendo... encheu completamente!...
Como fiquei feliz!...
Afinal... vendo-o cheio a vacilar... Soltamos!...
E ele ergueu-se no espaço... e em coro a garotada
gritou numa explosão:
Vai subir !... Vai subir !... Mas, logo nos calamos...
Na noite de luar, na noite enluarada
- pegou fogo o balão !...
.........
Hoje, às vezes, me lembro do balão queimado
e choro ao reviver as coisas do passado
que o tempo sepultou...
- É que eu fiz, outra vez, depois daquela idade,
um balão bem maior: - o da Felicidade
que a vida incendiou !...
ASSIM...
Assim foi nosso amor... um sonho que viveu
de um sonho, e despertou na realidade um dia...
Um pouco de quimera ao léu da fantasia...
Um flor que brotou e num botão morreu...
Embora sendo nosso, este amor foi só meu,
porque o teu, não foi mais que pura hipocrisia,
- no fundo, há muito tempo, a minha alma sentia
este fim que o destino afinal já lhe deu...
Não podes, bem o sei - sendo mulher como és,
saber quanto sofri, vendo esta flor desfeita
e as pétalas no chão, pisadas por teus pés...
Que importa ? Hás de sofrer mais tarde - a vida é assim...
Esse mesmo sorrir que agora te deleita
é o mesmo que depois há de amargar teu fim !...
AURORA SERTANEJA
Há silêncio na sombra, e o choro das ramadas
é a música da noite em plena solidão...
A lua se desmancha em luz na escuridão,
prateando a areia branca e fina das estradas...
As matas, raramente, aqui e ali, rasgadas
pelos raios do luar - deixam ver pelo chão,
- ora um curso de riacho em suave lentidão,
ora as cinzas e os paus no claro das queimadas
Na frescura do espaço há místicos perfumes,
e na noite sensual, como estrelas errantes,
cintilam, sem parar, milhões de vaga-lumes...
E em meio à natureza encantada e pagã,
no estojo azul do céu, bordado de brilhantes,
multicor vai se abrindo o leque da manhã!…
BAZAR DE RITMOS...
Nas vitrinas há luz!... Está em festa o bazar
de ritmos, de sons, estranhos e diversos,
- onde canta a minha alma dentro dos meus versos
como num búzio canta e ecoa a voz do mar!
Quantos versos compus!... E que diversidade
de momentos... de estado de alma... nos meus sons!
- traduz bem um bazar, a minha mocidade
na confusão febril das suas sensações...
Sensações que são minhas, por meu Ser sentidas,
mesmo aquelas talvez mais rubras... mais bizarras...
- sinfonia de uma alma onde há notas perdidas
de violinos, pardais, pandeiros e cigarras!
Violinos, - nos meus poemas vagos, doloridos...
pardais, - nos meus trinados de alegria e amor...
pandeiros, - na cadencia ruim de meus sentidos,
e cigarras, nos versos cheios de calor!
BAZAR DE RITMOS!
Há dentro do bazar a estranha sinfonia
que escrevi para o mundo em toda orquestração,
- é a música da vida, um ser de cada dia
a desdobrar os "eus" da minha multidão...
Há ritmos que riem! Ritmos que gritam!
- vibrações como guizos finos e estridentes...
- emoções como sinos brônzeos e soturnos...
E, assim, nessa alternância, no meu Ser se agitam
- pedaços de rapsódias vivas e contentes...
- trechos emocionais e tristes de noturnos!...
Nas vitrinas há luz!... Está em festa o bazar!
Há sonhos... ilusões... lembranças... e segredos...
Tudo isto para a vida criança vir comprar,
e insensível destruir meus últimos brinquedos!
BONECAS ... BONECOS ...
Uma vez, apanhei a boneca mais rica,
a boneca mais rica e mais graciosa
que a minha prima tinha...
Na Corte, só formada de bonecas,
minha prima a julgava a mais formosa
e a elegera a rainha...
Foi certa vez - ainda me lembro bem,
era um garoto assim pelos seis anos
e por ouvir falar em coração,
quis ver se na boneca tão bonita
existiria um coração também.
E se isso quis saber
e se eu assim pensava,
era porque essa prima me mostrava
um boneco vestido de palhaço,
alegre e folgazão,
por quem - dizia ela muitas vezes -
tinha a boneca um grande amor oculto
e uma grande paixão.
Um dia, apanhei a boneca, e escondido
rasguei o seu vestido
e furando-a no peito com a tesoura,
vi, com surpresa, em vez de sangue humano
só pedaços de pano...
Não achei no seu corpo o que queria
e vendo que a boneca era vazia
e o boneco também,
o que senti na minha alma de criança
explicar já não sei,
- lembro-me apenas, e isso com certeza.
- tenho bem vivo ainda na lembrança -
que não achando os corações no peito
dos bonecos...
- chorei...
II
Hoje. .. vai bem distante esse episódio
nos sem-fins da memória,
e por certo talvez o esqueceria
se você não entrasse em minha vida
transformando o episódio numa história...
Em meu viver, você representou
o papel da boneca;
- eu, simplesmente,
fiz a criança de novo, e ingenuamente
mais uma vez a vida me enganou . . .
Ao descobrir, no entanto, o meu engano
vendo-a tão fútil
linda, mas vazia,
- já não chorei minha desilusão...
Mas fiz - com que tristeza !... - esta poesia,
invejando o destino dos bonecos
que nascem sem coração !
Fonte:
J. G. de Araújo Jorge. Os Mais Belos Poemas Que O Amor Inspirou. vol. 1. SP: Ed. Theor, 1965.
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