segunda-feira, 25 de março de 2019

J. G. de Araújo Jorge (Inspirações de Amor) II



A VIDA QUE EU SONHEI... 

Eu sonhei para mim, uma vida discreta
num lugar bem distante, a sós, tendo-te ao lado
- num castelo que fiz lá num reino encantado,
nesse reino que eu chamo o coração de um poeta…

Sonhei... Vi-me feliz na solidão de  asceta,
bem longe deste mundo, a rir, despreocupado…
- acordando a escutar no arvoredo o trinado
das aves, e a dormir fitando a lua inquieta…

Vivia na ilusão daquele que ainda crê,
na vida, e o meu amor, eu o tinha idealizado
no romance de um lar coberto de sapê…

- Mentiras que eu sonhei!... No entanto hoje me ponho
muita vez a pensar no tal reino encantado
e sinto uma saudade imensa do meu sonho!…

A VOZ DA CONSCIÊNCIA

Não pares, caminheiro!... É longa esta jornada!...
Avante! Avante sempre! - e hás de vencer um dia.
A estrada onde hoje vais é a estrada da agonia
da vida, e vai findar na imensidão do nada...

Que importa, porém, morrer... (Já me esquecia
de que devo exortar-te apenas à avançar...)
Anda! Segue a cantar! Não deixes que, cansada,
tua alma, da descrença, habite a moradia...

Avante!... Hás de trazer no peito a flor da glória,
flor de espinhos, talvez, do teu Calvário
cujo ponto final vai terminar na história...

Conquista teu viver... embora de um segundo!...
O segundo que tens, é o direito usuário
que o destino te deu de visitar o mundo!.…

ADIVINHA-SE
Quando tu passas, sob o teu vestido
na ousadia das formas
adivinha-se
- o desejo incontido,
- essa vontade,       
da carne que se sente prisioneira
e que arrogantemente se rebela
em ânsias de liberdade....

Adivinha-se o desejo
da carne que não tarda a ser mulher...
- da semente que quer romper o chão...
- da flor que abre a corola ao sol          
a esperança  
do louro pólen da fecundação!…

ADORAÇÃO SUPREMA

Quando cerro os meus olhos, na minha grande noite
eternamente vejo a tua imagem,
tua doce figura
como uma silhueta de luz a recordas a sombra...

Se eu cerrasse os meus olhos neste instante a derradeira vez,
na última tarde da vida
e mandassem revelar depois minhas retinas,
veriam tua imagem refletida...

Por que eu hei de levar comigo essa imagem de luz
que ilumina a minha alma triste e enche o meu pensamento
quando cerro os meus olhos e medito...

Hei de levar-te dentro dos meus olhos tristes
quando a morte os vidrar,
e eles serão talvez para a tua imagem adorada e querida
o caixão de vidro da Branca de Neve morta, entre os anões da lenda,
que moram muito longe, muito alto,
num longínquo planalto,
num bosque encantado e feliz sobre uma rocha imensa de granito...

Hei de levar-te comigo, para que possas guiar meus passos
por entre as sombras que despencarão sobre as nossas cabeças
para além do infinito!

AMARGURA

Só podes me ofertar o silêncio  e a amargura,
- meu pobre amor de ti só espera a indiferença...
Perdoa o meu amor... perdoa-me a loucura
que quem tem, como eu tenho, um coração, não pensa...

Há muito pela vida eu seguia à procura
de alguém que viesse encher de luz minha descrença...
Foi então que te vi... e julguei que a ventura
pudesse ainda encontrar nesta jornada imensa...

E foi assim que um dia eu fui sentimental...
Acreditei no amor... E, talvez por castigo
fizeste-me sofrer - mas não te quero mal...

Quem amou, fui eu só... Eu nunca fui amado!...
Mereço a minha dor, e este sofrer bendigo
na amargura cruel de me julgar culpado!

AMEAÇA…

Os teus olhos estão cheios de umidade
meus olhos sentem frio quando encontram os teus...

Se aperto tua mão, sinto-a muda, distraída
como se estivesse sozinha,
-ah! Nunca pudeste compreender
a íntima razão por que os meus dedos trêmulos
procuram demorá-la um pouco mais na minha!

Os teus lábios me falam de amor
como se tratassem
de algum tema banal sem emoção, nem cor...
Por isso, não compreendes que os meus lábios tratem
de um tema banal qualquer
te falando de amor!

As vezes, receio
que a tua indiferença mate o meu orgulho
e a paixão que domino a custo, se liberte
louca!
-e eu te tome em meus braços como alucinado
e deixando o amor-próprio ferido de lado
numa febre cruel machuque a tua boca!

Não importa, depois, que te revoltes
e até me esbofeteies!
Prefiro esse ódio, sim, eu quero que me odeies!
Quero que ao me encontrares, os teus olhos brilhem
mais, ardendo contra mim
de indignação!

Quero tudo de ti! Não quero indiferença
que me castiga assim, e é martírio
e é doença
e faz da minha angústia uma alucinação

E guarda o que te digo
neste instante:
– eu nasci para ser teu inimigo
ou teu amante
mas nunca um teu amigo
ou teu irmão!

Está, pois, como vês, nas tuas mãos
escolher
o que queres que eu seja
ou o que terei de ser!

AMO!

     Amo a terra! Amo o sol! Amo o céu! Amo o mar!
Amo a vida! Amo a luz! Amo as árvores! Amo
a poesia que escrevo e entusiasta declamo
aos que sentem como eu a alegria de amar!

Amo a noite! Amo a antiga palidez do luar!
A flor presa aos cabelos soltos de algum ramo!
Uma folha que cai! Um perfume no ar
onde um desejo extinto sem querer inflamo!

Amo os rios! E a estranha solidão em festa,
dessa alma que possuo multiforme e inquieta
como a alma multiforme e inquieta da floresta!

Amo a cor que há nos sons! Amo os sons que há na cor!
E em mim mesmo - amo a glória de sentir-me um Poeta
e amar imensamente o meu imenso amor!.

AQUARELA

  Pelo jardim ( será o jardim dos poetas ?)
andam sombras aos pares enlaçadas,
- no alto, trançam-se todas as ramadas
cheias de flores, de botões repletas...

Ainda se ouvem das aves atrasadas
um ruflar de asas trêmulas e inquietas,
- andam faunos e ninfas nas estradas
à procura das sombras mais discretas...

Vivem beijos pelo ar: morrem suspiros !
e a criança, pés descalços, corre o vento
na quietude amorosa dos retiros...

Todos se amam, meu Deus ! E eu só, sozinho !
Quem me dera afinal neste momento
vê-la cruzar adiante em meu caminho !

Fonte:
J. G. de Araújo Jorge. Os Mais Belos Poemas Que O Amor Inspirou. vol. 1. SP: Ed. Theor, 1965.

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