
Um autor, cujo livro teve cobertura completa nos canais de comunicação, sofre porque certo jornalista não o citou em sua coluna. De repente, por essa omissão talvez involuntária, sua alegria se perde e ele se sente vencido, sem a mínima vontade de escrever.
Um ser com os nervos à flor da pele, assim é o escritor. E uma pele fina, tão fina que qualquer palavra mais áspera a rompe. Muitas vezes, não precisa haver nem a palavra. Basta um silêncio. E ei-lo todo esfolado diante de sua imperdoável consciência.
Com o lançamento de Chove sobre minha infância, recebi, de vários leitores que adoraram o romance, restrições quanto a este ou àquele capítulo. No começo, pensei em cortar os capítulos na segunda edição, pois queria agradar o interlocutor tão sincero que tinha corrido risco ao me alertar para as fraquezas do livro. Mas como as opiniões continuaram — e, felizmente, continuam — chegando, fui percebendo que o que parecia, para certa pessoa, um trecho menor era o melhor para outra. Não havia consenso entre elas, cada uma projetando seus conceitos e preconceitos na escolha dos melhores e dos piores momentos do romance.
Esta diversidade de opinião aumentou com Hóspede secreto, minha primeira coletânea de contos. Não prevalece a menor coerência nas escolhas — feitas em jornais, revistas, cartas e verbalmente — dos bons contos do livro. Cada um escolhe o seu, pois se trata de uma antologia, elegendo-o por motivos os mais diversos. A multiplicidade de razões de meus leitores me fez perceber que todos os 13 contos eram o melhor conto do livro — sob pontos de vista antagônicos. E isso me pacificou, definitivamente, com o volume, que não sofrerá maiores mudanças.
Digamos que tal fato me tornou invulnerável às restrições, permitindo-me um amor mais pleno pelo livro. Posso, portanto, continuar produzindo minha literatura, que ao mesmo tempo contentará e descontentará quem, amorosa ou rancorosamente, se dedicar a ela.
Com os anos, depois de muito sofrimento, o escritor vai desenvolvendo esta autodefesa. Como o mundo o nega, e o negará sempre, uma vez que inexiste a desejada unanimidade, ele passa a se valorizar mais e mais, criando uma atitude autista, de exílio em seu mundo, a ponto de nada mais atingi-lo. Só assim, isolado em sua vocação, consegue força para escrever.
É aí, então, que ele se torna um ser desagradável, pois a soberba anula o outro, visto como um irritante desmancha-prazeres, sem direito a exercer um gosto literário, necessariamente seletivo.
Como escrever é carência, estratégia para preencher vazios, o autor sempre quer a aprovação amorosa de seu trabalho, mas é preciso que seu amor-próprio, inflado ao máximo, passe pela calibragem destes leitores mais críticos, que na maioria das vezes — e falo com a experiência de quem atua nas duas frentes — não está disposto a usar palavras acolchoadas, preferindo as que ferem fundo.
Como escrever é carência, estratégia para preencher vazios, o autor sempre quer a aprovação amorosa de seu trabalho.
O autor sempre quer.
Fonte:
http://www.miguelsanches.com.br/
Nenhum comentário:
Postar um comentário