sexta-feira, 13 de junho de 2008

Felipe Conrado (As cartas de Lobato para Cesídio Ambrogi)

Escritos íntimos de Monteiro Lobato que estudiosos sabiam existir, mas que permaneciam guardados a sete chaves vão vir à tona em breve. O pesquisador Pedro Henrique Rubim e os jornalistas Vladimir Sacchetta e Márcia Camargos vão utilizar 57 cartas de Lobato enviadas ao escritor Cesídio Ambrogi entre 1919 e 1945 para revelar fatos desconhecidos e a relação de Lobato com Taubaté.

Após conseguirem convencer a viúva de Ambrogi, Lygia, que tinha as cartas e recusou inúmeros pedidos de estudiosos anteriormente para cedê-las, o grupo partiu para a confecção de um livro, que está sendo negociado com editoras e está previsto para ser lançado no segundo semestre deste ano, em que são comemorados os 120 anos do nascimento do taubateano.

O projeto '120 Anos de Monteiro Lobato', que também conta com uma exposição, tem cartas escritas entre 1919 a 1924, e de 1942 a 1945, tidas como os únicos textos inéditos do escritor por sua filha Martha.

Nelas, o escritor fala sobre tudo e, sem papas na língua, destila sua irreverência (leia trechos nesta página). "As cartas esclarecem pontos de vista de Lobato sobre a cidade. Achavam que ele odiava Taubaté em certo momento", disse Rubim.

Segundo ele, as cartas trazem informações curiosas sobre o início da carreira. "A primeira crítica de arte de Lobato foi sobre a namorada Georgina Andrade, que depois se tornou a pintora Georgina Albuquerque, que teve grande sucesso", afirmou.

A partir das cartas, os autores iniciaram uma pesquisa aprofundada sobre as origens e infância de Lobato, mostrando desde a vida de seu avô, o Visconde de Tremembé até a amizade com os três jacarés (Gentil de Camargo, Urbano Pereira e Cesídio Ambrogi), passando pelo início de sua carreira e até os métodos de conquista utilizados por ele na juventude.

ORIGENS - Para Vladimir Saccheta, que foi um dos autores do livro 'Monteiro Lobato -Furacão da Botocúndia', as cartas possibilitam uma melhor compreensão de determinadas posições tomadas por Lobato.
"Descobrimos que o interesse e preocupação com o petróleo teve origem nas pesquisas com xisto betuminoso feitas em Taubaté. As cartas também mostram bastidores da política taubateana. É uma material que vai surpreender", afirmou.

Segundo ele, os 57 textos devem representar cerca de 20% das cartas entre os escritores, mas provavelmente não é o único material inédito sobre Lobato. "Ele é uma fonte inesgotável, sempre há algo novo sobre Lobato. Como a memória cultural do país, o material sobre ele está disperso", completou.
MUDANÇA DE IDÉIA - A viúva de Cesídio Ambrogi, Lygia Fumagalli Ambrogi, de 87 anos, disse que mudou de idéia em relação à publicação das cartas há pouco tempo, incentivada pelos pesquisadores.

"Meu marido não admitia a possibilidade de publicar as cartas. Elas são íntimas, revelam detalhes da vida de Lobato e ele respeitava a Dona Purezinha (mulher de Lobato). Mas essas cartas estavam se perdendo e podem completar o Lobato. Não custa mostrá-las agora", afirmou.

Segundo ela, as cartas ficaram intocadas durante décadas e muitas se perderam quando sua casa teve problemas estruturais, nos anos 90, quando o material foi perdido.

Lygia disse que Lobato e Cesídio costumavam passar tardes inteiras em sua casa falando sobre política e literatura. "Lobato era um homem de muita fé no Brasil, irreverente e franco", afirmou.

Além das cartas entre os dois, Lygia também guarda correspondências do marido com personalidades como Adhemar de Barros, Luís Carlos Prestes, Paulo Setúbal, Plínio Salgado e Cassiano Ricardo. Mas isso é assunto para outro livro.

Trechos das cartas de Lobato para Ambrogi

"E a verdade é que a Argentina prospera progressivamente, vai subindo como um balão, e o nosso pobre Brasil desce, rola por uma ladeira, empurrado pelas duas maiores forças da estupidez humana: o militarismo e o clericalismo. E como essas duas forças, na sua atuação, no Brasil, são incoercíveis e incontratáveis, o nosso destino está escrito na parede de Baltazar: Bancarrota, desastre, miséria cada vez maior, penúria do povo, hospital, hospício."
Buenos Aires, 15 de fevereiro de 1947

"Essa história do Prêmio Nobel só serve para uma coisa: botar contra mim todos os literatos do Brasil. A inveja é um fato, meu caro. O ano passado tive prova disso no Jurandir Campos (pintor, casado com a filha do escritor, Martha Lobato). Como é um pintor que vende todos os quadros que pinta, na exposição do ano passado os pintores que não vendem ou vendem mal, concentraram no rabo dele os raios da inveja- e em plena exposição produziram-lhe uma hemorróide terrível. O coitado teve de deixar o salão e ir a um sanatório operar-se. (...) Meu rabo ainda está virgem de hemorróides; mas se você e outros insistem tal Prêmio Nobel, não dou nada para essa virgindade."
Buenos Aires, 15 de fevereiro de 1947

"Hoje dizem que criança é tudo, falam em s.m. da criança- mas falam só. A não ser na Rússia e nos EUA, a criança não passa dum tema para belas dissertações em salas de conferências elegantes. E entre nós ninguém quer saber das crianças, ou então tornam-na como 'material político'... A nossa ordem social é uma coisa tão suja e sórdida que meu consolo hoje é um só: saber que vou morre e afastar-me ab aeternitate da sujeira. Quando meus filhos morreram senti uma grande satisfação íntima que nem aqui em casa compreenderam. É que os vi livres da Sordície Reinante. E invejo-os, e anseio para que também me chegue a hora de escapar deste imenso campo de concentração de Estupidez Dominante aqui e em toda parte."
São Paulo, 20 de dezembro de 1943

"Mas o grande prazer da literatura está justamente no contrário: ser lido pelo maior número de pessoas e ser entendido por crianças, velhos, sábios, e imbecis. E para isso meu caro, o remédio é escrever vitaminadamente, com tintas vivas, vivíssimas- e não empastar. Não sobrecarregar. Nunca dizer demais. Nunca, nunca dizer tudo. Já fiz está grande descoberta. As coisas mais belas que um leitor encontra num livro não são os pomos nele- são a que está dentro do leitor e nós apenas sugerimos.
São Paulo, 1943

Fonte:
http://jornal.valeparaibano.com.br/

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