Dedico este poema a mim mesmo
Quando fores dormir, ó bela tenebrosa,
Em teu negro e marmóreo mausoléu, e não
Tiveres por alcova e refúgio senão
Uma cova deserta e uma tumba chuvosa;
Quando a pedra, a oprimir tua carne medrosa
E teus flancos sensuais de lânguida exaustão,
Impedir de querer e arfar teu coração,
E teus pés de correr por trilha aventurosa,
O túmulo, no qual em sonho me abandono
— Porque o túmulo há sempre de entender o poeta —,
Nessas noites sem fim em que nos foge o sono,
Dir-te-á: “De que valeu cortesã indiscreta,
Ao pé dos mortos ignorar o seu lamento?”
— E o verme te roerá como um remorso lento.
O Possesso
Cobriu-se o sol de negro véu. Como ele, ó Lua
De minha vida, veste o luto de agonia;
Dorme ou fuma a vontade; sê muda e sombria,
E no abismo do Tédio esplêndida flutua;
Eu te amo assim! Se agora queres, todavia,
Como um astro a emergir da penumbra que o acua,
Pavonear-te no palco onde a Loucura atua,
Pois bem! Punhal sutil em teu estojo esfria!
Acende essa pupila no halo dos clarões!
Acende a cupidez no olhar dos grosseirões!
Em ti tudo é prazer, morboso ou petulante;
Seja o que for, escura noite ou rubra aurora;
Uma por uma, as fibras do meu corpo arfante
Gritam: Ó Belzebu, meu coração te adora!
Destruição
Sem cessar a meu lado o Demônio se agita,
E nada ao meu redor como um ar impalpável;
Eu o levo aos meus pulmões, onde ele arde e crepita,
Inflando-os de um desejo eterno e condenável.
Às vezes, ao saber do amor que a arte me inspira,
Assume a forma da mulher que eu vejo em sonhos,
E, qual tartufo afeito às tramas da mentira,
Acostuma-me a boca aos seus filtros medonhos.
Ele assim me conduz, alquebrado e ofegante,
Já aos olhos de Deus afinal tão distante,
Às planícies do Tédio, infindas e desertas,
E lança-me ao olhar imerso em confusão
Trajes imundos e feridas entreabertas
— O aparato sangrento e atroz da Destruição!
O Fim da Jornada
Sob uma luz trêmula e baça,
Se agita, brinca e dança ao léu
A Vida, ululante e devassa.
Assim também, quando no céu
A noite voluptuosa sonha,
Tudo acalmando, mesmo a fome,
Tudo apagando, até a vergonha,
Diz o Poeta que a dor consome:
“Afinal, minha alma e meus ossos
Finalmente imploram por sossego;
O coração feito em destroços,
Procuro em meu leito aconchego
E às vossas cortinas me apego,
Ó treva oferta aos corpos nossos”
Tristezas da Lua
Divaga em meio à noite a lua preguiçosa;
Como uma bela, entre coxins e devaneios,
Que afaga com a mão discreta e vaporosa,
Antes de adormecer, o contorno dos seios.
No dorso de cetim das tenras avalanchas,
Morrendo, ela se entrega a longos estertores,
E os olhos vai pousando sobre as níveas manchas
Que no azul desabrocham como estranhas flores.
Se às vezes neste globo, ébria de ócio e prazer,
Deixa ela uma furtiva lágrima escorrer
Um poeta caridoso, ao sono pouco afeito,
No côncavo das mãos torna essa gota rala,
De irisados reflexos como um grão de opala,
E bem longe do sol a acolhe no peito.
A Alma do Outro Mundo
Como os anjos de ruivo olhar,
À tua alcova hei de voltar
E junto a ti, silente vulto,
Deslizarei na sombra oculto;
Dar-te-ei na pele escura e nua
Beijos mais frios que a lua
E qual serpente em náusea fossa
Te afagarei o quanto possa.
Ao despontar o dia incerto,
O meu lugar verás deserto,
E em tudo o frio há de se pôr.
Como os demais pela virtude,
Em tua vida e juventude
Quero reinar pelo pavor.
O Amor À Mentira
Quando te vejo andar, minha bela indolente,
Em meio aos sons da orquestra que se perdem no ar,
Movendo os passos harmoniosa e lentamente,
E passeando esse tédio de teu fundo olhar;
Quando contemplo, sob a luz do gás que a cora,
Tua pálida fronte em mórbido recato,
Onde as flamas da noite acendem uma aurora,
Ou teus olhos iguais aos olhos de um retrato,
Digo-me: Como é bela! E que frescor tão puro!
O diadema maciço, halo de áureo esplendor,
E o coração, tal como um pêssego maduro,
Impõe, como seu corpo, a sabia arte do amor.
És o fruto do outono entre dentes vorazes?
És urna fúnebre a implorar prantos e dores,
Perfume que nos faz sonhar longínquos oásis,
Almofada sensual ou corbelha de flores?
Eu sei que há olhos cheios de melancolia,
Que nada escondem por debaixo de seus véus;
Belos escrínios, mas sem jóias de valia,
Mais fundos e vazios do que vós, ó Céus!
Mas basta seres esta dádiva aparente
Para alegrar quem vive apenas na incerteza.
Que me importa se és tola ou se és indiferente?
Máscara, ornato, salve! Amo a tua beleza!
Quando fores dormir, ó bela tenebrosa,
Em teu negro e marmóreo mausoléu, e não
Tiveres por alcova e refúgio senão
Uma cova deserta e uma tumba chuvosa;
Quando a pedra, a oprimir tua carne medrosa
E teus flancos sensuais de lânguida exaustão,
Impedir de querer e arfar teu coração,
E teus pés de correr por trilha aventurosa,
O túmulo, no qual em sonho me abandono
— Porque o túmulo há sempre de entender o poeta —,
Nessas noites sem fim em que nos foge o sono,
Dir-te-á: “De que valeu cortesã indiscreta,
Ao pé dos mortos ignorar o seu lamento?”
— E o verme te roerá como um remorso lento.
O Possesso
Cobriu-se o sol de negro véu. Como ele, ó Lua
De minha vida, veste o luto de agonia;
Dorme ou fuma a vontade; sê muda e sombria,
E no abismo do Tédio esplêndida flutua;
Eu te amo assim! Se agora queres, todavia,
Como um astro a emergir da penumbra que o acua,
Pavonear-te no palco onde a Loucura atua,
Pois bem! Punhal sutil em teu estojo esfria!
Acende essa pupila no halo dos clarões!
Acende a cupidez no olhar dos grosseirões!
Em ti tudo é prazer, morboso ou petulante;
Seja o que for, escura noite ou rubra aurora;
Uma por uma, as fibras do meu corpo arfante
Gritam: Ó Belzebu, meu coração te adora!
Destruição
Sem cessar a meu lado o Demônio se agita,
E nada ao meu redor como um ar impalpável;
Eu o levo aos meus pulmões, onde ele arde e crepita,
Inflando-os de um desejo eterno e condenável.
Às vezes, ao saber do amor que a arte me inspira,
Assume a forma da mulher que eu vejo em sonhos,
E, qual tartufo afeito às tramas da mentira,
Acostuma-me a boca aos seus filtros medonhos.
Ele assim me conduz, alquebrado e ofegante,
Já aos olhos de Deus afinal tão distante,
Às planícies do Tédio, infindas e desertas,
E lança-me ao olhar imerso em confusão
Trajes imundos e feridas entreabertas
— O aparato sangrento e atroz da Destruição!
O Fim da Jornada
Sob uma luz trêmula e baça,
Se agita, brinca e dança ao léu
A Vida, ululante e devassa.
Assim também, quando no céu
A noite voluptuosa sonha,
Tudo acalmando, mesmo a fome,
Tudo apagando, até a vergonha,
Diz o Poeta que a dor consome:
“Afinal, minha alma e meus ossos
Finalmente imploram por sossego;
O coração feito em destroços,
Procuro em meu leito aconchego
E às vossas cortinas me apego,
Ó treva oferta aos corpos nossos”
Tristezas da Lua
Divaga em meio à noite a lua preguiçosa;
Como uma bela, entre coxins e devaneios,
Que afaga com a mão discreta e vaporosa,
Antes de adormecer, o contorno dos seios.
No dorso de cetim das tenras avalanchas,
Morrendo, ela se entrega a longos estertores,
E os olhos vai pousando sobre as níveas manchas
Que no azul desabrocham como estranhas flores.
Se às vezes neste globo, ébria de ócio e prazer,
Deixa ela uma furtiva lágrima escorrer
Um poeta caridoso, ao sono pouco afeito,
No côncavo das mãos torna essa gota rala,
De irisados reflexos como um grão de opala,
E bem longe do sol a acolhe no peito.
A Alma do Outro Mundo
Como os anjos de ruivo olhar,
À tua alcova hei de voltar
E junto a ti, silente vulto,
Deslizarei na sombra oculto;
Dar-te-ei na pele escura e nua
Beijos mais frios que a lua
E qual serpente em náusea fossa
Te afagarei o quanto possa.
Ao despontar o dia incerto,
O meu lugar verás deserto,
E em tudo o frio há de se pôr.
Como os demais pela virtude,
Em tua vida e juventude
Quero reinar pelo pavor.
O Amor À Mentira
Quando te vejo andar, minha bela indolente,
Em meio aos sons da orquestra que se perdem no ar,
Movendo os passos harmoniosa e lentamente,
E passeando esse tédio de teu fundo olhar;
Quando contemplo, sob a luz do gás que a cora,
Tua pálida fronte em mórbido recato,
Onde as flamas da noite acendem uma aurora,
Ou teus olhos iguais aos olhos de um retrato,
Digo-me: Como é bela! E que frescor tão puro!
O diadema maciço, halo de áureo esplendor,
E o coração, tal como um pêssego maduro,
Impõe, como seu corpo, a sabia arte do amor.
És o fruto do outono entre dentes vorazes?
És urna fúnebre a implorar prantos e dores,
Perfume que nos faz sonhar longínquos oásis,
Almofada sensual ou corbelha de flores?
Eu sei que há olhos cheios de melancolia,
Que nada escondem por debaixo de seus véus;
Belos escrínios, mas sem jóias de valia,
Mais fundos e vazios do que vós, ó Céus!
Mas basta seres esta dádiva aparente
Para alegrar quem vive apenas na incerteza.
Que me importa se és tola ou se és indiferente?
Máscara, ornato, salve! Amo a tua beleza!
Fonte:
Biblioteca Eletrônica. vol. III. Magister (CD-ROM).
Biblioteca Eletrônica. vol. III. Magister (CD-ROM).
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