segunda-feira, 9 de junho de 2008

Leny Magalhães Mrech (A Criança e o Computador : Novas Formas de Pensar)

1. INTRODUÇÃO

Em todos os países, independentemente do seu grau de desenvolvimento, a Informática tem sido um dos campos que mais tem crescido atualmente. Este processo tem atingido sobretudo as áreas de Educação e Lazer. Em decorrência, constata-se que, no mundo todo, o computador tem entrado cada vez mais cedo na vida das crianças. Tornando-se, então, estratégico saber de que maneira ele pode determinar os novos rumos da construção do pensamento das crianças.

É interessante perceber que tem havido poucas pesquisas no estudo da interação entre as estruturas sócioeconômicas, as estruturas de pensamento da criança e o uso do computador. Na grande maioria das vezes elas se apresentam direcionadas apenas para um dos lados ou, no máximo, visando a interação entre dois aspectos. O que tem faltado é exatamente uma concepção dinâmica que estabeleça uma leitura múltipla direcionada para uma interação entre aqueles referenciais básicos. É o que este artigo se propõe a fazer identificando as relações dinâmicas entre as estruturas sociais, as estruturas do pensamento da criança e o uso dos computadores.

2. OS COMPUTADORES: UM NOVO PRODUTO E UMA NOVA FACE DA CULTURA

Tradicionalmente os computadores têm sido pensados apenas como meros instrumentos de transmissão rápida de informações. No entanto, sua capacidade efetiva ultrapassa bastante este plano redutor.

Os computadores são um novo tipo de produto social. Eles são chamados "produtos inteligentes" ; isto é, produtos com possibilidade de desencadear alterações nas relações entre as pessoas. Portanto, o que os caracteriza basicamente é que eles não são meros produtos para um consumo imediato, trazem acoplado novos rumos para aqueles que os utilizam.

" Estas máquinas inteligentes já estão começando a ser usadas para tudo, desde calcular os impostos da família e monitorar o uso de energia em casa, jogando jogos, conservando um arquivo de petiscos, lembrando seus donos de próximos compromissos e servindo como “datilógrafas espertas”. Isto, entretanto, oferece apenas um minúsculo vislumbre de seu potencial completo. (...) Viver num ambiente assim levanta questões filosóficas de arrepiar. As máquinas assumirão o controle? Poderão máquinas inteligentes, especialmente se entrelaçadas em redes de intercomunicação, ultrapassar a nossa habilidade de compreendê-las e controlá-las? (...) Até que ponto nos tornaremos dependentes do computador e do cartão? Na medida em que bombearmos mais e mais inteligência no ambiente material, atrofiar-se-ão as nossas próprias mentes?”

Há, geralmente, uma postura inicial que acompanha a todos aqueles que se iniciam na utilização de computadores : uma maneira preconceituosa de concebê-los. Primeiramente, os usuários partem da crença de que eles são máquinas que não pensam. Na verdade, eles são produtos de ponta de uma tecnologia inteligente, isto é, uma tecnologia que se desenvolve e se estrutura a partir de componentes oriundos da decodificação de processos cerebrais. São máquinas semânticas, utilizando formas de linguagem bastante sofisticadas, tais como : imagens, códigos de linguagem, processadores de texto e cálculo, etc.

Em segundo lugar, os computadores costumam ser vistos como máquinas frias que não possibilitam o contato humano. Contudo, este processo tem mudado rapidamente através das redes de computação. O que possibilitou a emergência de novas maneiras de conceber as relações sociais. Surgiram as chamadas relações virtuais. Elas são estabelecidas através dos microcomputadores conectados em rede. Em decorrência, seja através dos grandes bancos de dados, das trocas de mensagens por correio eletrônico ou dos chats (conversas online em pares ou grupos); o que acaba por se estruturar são novas formas de interação, onde as distâncias e o tempo se encurtam nos processos de comunicação entre as pessoas.

" (Invadir) o cotidiano com a tecnologia eletrônica de massa e individual, visando à sua saturação com informações, diversões e serviços. Na Era da Informática, que é o tratamento computadorizado do conhecimento e da informação, lidamos mais com signos do que com coisas. Preferimos a imagem ao objeto, a cópia ao original, o simulacro (a reprodução técnica) ao real. PORQUE DESDE A PERSPECTIVA RENASCENTISTA ATÉ A TELEVISÃO, QUE PEGA O FATO AO VIVO, A CULTURA OCIDENTAL FOI UMA CORRIDA EM BUSCA DO SIMULACRO. SIMULAR POR IMAGENS COMO NA TV, QUE DÁ O MUNDO ACONTECENDO, SIGNIFICA APAGAR A DIFERENÇA ENTRE REAL E IMAGINÁRIO, SER E APARÊNCIA. Mas o simulacro, tal qual a fotografia a cores, embeleza, intensifica o real. Ele fabrica um hiper-real, espetacular, um real mais real e mais interessante que a própria realidade. O hiper-real simulado nos fascina porque é o real intensificado na cor, na forma, no tamanho, nas suas propriedades. (...) ELES NÃO NOS INFORMAM SOBRE O MUNDO; ELES O REFAZEM À SUA MANEIRA, HIPER-REALIZAM O MUNDO , TRANSFORMANDO-O NUM ESPETÁCULO." (GRIFO NOSSO)

Quando o aluno se volta para a sociedade atual, através da Informática, não está apenas frente a um novo instrumento de consumo ou brinquedo. O computador estrutura um novo recorte da realidade. Um recorte que possibilita ao usuário recriar uma parte da realidade. Este fato nunca antes tinha acontecido nas dimensõe atuais. O real ficava sempre como o último recurso da certeza do sujeito. Era no real que estava a concretude do pensamento. Era nele que o professor teria que se basear para estruturar o seu processo de ensino-aprendizagem. No momento atual, assinala Jair Ferreira dos Santos " (que) os filósofos estão chamando de desreferencialização do real e dessubstancialização do sujeito, ou seja, o referente (a realidade) se degrada em fantasmagoria e o sujeito (o indivíduo) perde a substância interior, sente-se vazio."

Com o processo de desreferencialização do real e dessubstancialização do sujeito como é que fica o processo de formação dos alunos? De que maneira o professor deverá agir para lidar com os alunos a partir desta nova realidade?

" Não é o saber ou o saber fazer o fulcro da ação educativa: é a criança, o adolescente, que devem ser preparados para viverem com os seus semelhantes, para dialogarem com eles, para participarem em sociedades gradualmente mais tirânicas, sem por isso deixarem de ser eles mesmos, sem serem dominados, avassalados por máquinas e burocracia de qualquer tipo".

Pode-se dizer que os computadores não são apenas os produtos mais comuns da nossa época. Eles são a metáfora do nosso tempo. Eles trazem em seu bojo as possíveis transformações que a sociedade do futuro terá. Uma sociedade que exige que os sujeitos sejam preparados para viver em realidades cada vez mais redefinidas e recortadas, onde o conceito de real e de realidade antigos não dão conta das indicações dos caminhos por onde ir. Os alunos precisam ser preparados para uma sociedade pós-moderna onde os parâmetros cognitivos serão continuamente redefinidos.

A questão básica passa a ser, em decorrência, o que a Educação pode fazer para auxiliar os alunos e professores neste processo. No passado partia-se do privilegiamento do plano da razão ou consciência.

3. O PROCESSO DE CONSTRUÇÃO DO CONHECIMENTO COM BASE NO EIXO DA RAZÃO

Durante muitos séculos o grande marco norteador da história do pensamento humano foi o chamado modelo consciencialista, baseado no modelo filosófico. Foi através dele que o ser humano se pensou e tem se pensado para encontrar o rumo da sua sociedade e de si próprio.

Neste nível, pode-se dizer que a história do pensamento filosófico durante muitos séculos foi também a história do processo educacional. Ou seja, os grandes filósofos foram, ao mesmo tempo, os grandes pensadores e educadores da humanidade. Foram eles que ajudaram a construir o conhecimento e a inteligência universais. Eles que determinaram o que deveria ser visto e pensado.

A partir daí, a consciência passou a ser vista como sinônimo do próprio processo de conhecimento e de desenvolvimento da inteligência. Uma pessoa inteligente era acima de tudo uma pessoa consciente, e uma pessoa consciente era uma pessoa sábia.

A razão tornou-se o instrumento indispensável de autodeterminação do ser humano. A crença era que, através da razão, o homem encontraria a medida e os elos de ligação entre o social e o individual, entre o estático e o dinâmico, entre o particular e o universal. Isto acabou por levar à uma concepção onde a consciência e a inteligência eram vistas como faces da mesma moeda.

Entretanto, com o desenvolvimento das sociedades e das transformações tecnológicas tudo isto se altera. As produções gradativamente se tornaram mais sofisticadas intelectualmente.

Atualmente é possível comprar produtos mais elaborados do ponto de vista cultural: um texto denso de um escritor de vanguarda, um computador de última geração, uma música inovadora, um livro que aborde a última teoria de ciências, etc. O capitalismo criou um novo modelo de saber, onde a tecnologia assume uma dinâmica cada vez maior. As Artes e a Literatura também se densificaram e se estruturaram de outra forma. Os produtos atuais não usam apenas uma mídia como no passado, mas várias. Por exemplo, o músico Jean-Michel Jarre em seus trabalhos usa dos recursos multi-midia que incluem dança, parte cênica ( iluminação e o cenário), cinema e tv ( exibição de vídeos e filmes), ao mesmo tempo em que ele e o seus músicos tocam a sua última produção artística ( a música contemporânea - o jazz- fusion).

Em suma, o modelo capitalista de produção, distribuição e consumo instituiu novas formas de se pensar a cultura, a própria sociedade e o indivíduo. Em síntese, do ponto de vista da história do conhecimento humano, a ciência contemporânea trouxe uma mudança bastante radical em relação aos paradigmas de saber anteriores. A própria concepção de pensamento e inteligência humana foi alterada.

" As grandes teorias sociais construíram o seu paradigma sob a influência da crença no triunfo inexorável da razão e do progresso, numa história civilizatória da humanidade. As Ciências Sociais (às quais à Filosofia e à Educação estão estreitamente ligadas) tiveram, até agora como premissa que a vida social está condicionada por uma lógica, que vai da tradição à modernidade, da fé à razão, da reprodução à produção, da comunidade à sociedade (SADER,1988). Forjou-se, assim, um modelo geral de análise de caráter macroscópico, que privilegia a apreensão das regularidades sociais, a partir dos movimentos que gravitam no plano institucional e nas estruturas sociais. Contudo, todas essas teorias e suas premissas, que orientavam a pesquisa social, foram-se mostrando progressivamente insuficientes e incapazes de explicar os fenômenos sociais nas sociedades contemporâneas. Emergiram, com força crescente, novas dimensões da realidade que, até então, eram insuficientes, surpreendendo os cientistas sociais."

Quando se pensa nas estruturas de pensamento das crianças, as pesquisas se voltam para o desenvolvimento da inteligência. Isto quer dizer que aquilo que interessa aos psicólogos, professores, psicopedagogos e psicanalistas são as formas de pensar mais eficazes, aquelas que possibilitam o crescimento maior dos sujeitos. Porém, esta não é uma tarefa fácil de ser executada, porque a Psicologia e a Psicanálise constataram que os sujeitos não se direcionam apenas para o seu bem, mas também para a sua destruição. Isto quer dizer que, através da utilização da razão, os seres humanos ainda não conseguiram deter as fontes de sua própria destruição. Eles apenas conseguiram mapeá-las ligeiramente. É o que Freud designa como pulsão de morte, isto é, o que leva o sujeito a sempre escolher o pior, aquilo que leva à sua destruição.

Este aspecto torna-se um elemento fundamental nas discussões porque tem sido feita uma ligação muito grande entre as possilidades de mau uso dos computadores e a destruição dos sujeitos ou da humanidade.

Como se, através do mau uso dos computadores, emergisse uma dinâmica destrutiva não constatada anteriormente. No entanto, a questão não é bem esta. Na história da humanidade sempre houve guerras e os seres humanos continuamente se destruiram. Nos dois últimos séculos chegamos a duas guerras mundiais. Mas por que isto acontece? As razões para os processos destrutivos nos seres humanos não se encontram nos computadores, mas nos próprios sujeitos e nos seus processos culturais. Além disso, do ponto de vista dos computadores, acredito que haja aqui um enorme descompasso. Normalmente os sujeitos lidam com eles como se fossem objetos produzidos da mesma forma que os demais produtos da cultura. Mas será que isto é verdadeiro?

Em primeiro lugar, os computadores fazem parte de uma linhagem nova de produtos: aqueles que são a concretização de formas de pensamento concebidas através da linguagem. Este processo começou a ser identificado com mais clareza a partir do século passado com a emergência da Linguística e da Antropologia. A linguagem remete-nos à uma instância que é fundamentalmente de orientação social. Ela seria o elemento maior de ligação entre o social e o individual.

Um dos autores que mais estudou este processo foi Lev Vygotsky. Ele partia da perspectiva de que a linguagem é socialmente formada e que, aos poucos, a criança a incorpora atraves daquilo que vivencia na família.

Dessa forma, o processo de construção da realidade social é um dos principais fatores do processo de construção da inteligência humana. Há um vínculo estreito entre a estruturação das chamadas funções psíquicas superiores dos sujeitos e o processo de construção da linguagem e da fala.

" Essa nova abordagem para a psicologia fica explícita em três idéias centrais que podemos considerar como sendo os "pilares" básicos do pensamento de Vygotsky: *as funções psicológicas têm um suporte biológico pois são produtos da atividade cerebral; *o funcionamento psicológico fundamenta-se nas relações sociais entre o indivíduo e o mundo exterior,as quais desenvolvem-se num processo histórico; *a relação homem/mundo é uma relação mediada por sistemas simbólicos."

Tradicionalmente a construção da inteligência humana tem sido pensada apenas como se fosse um mero produto biológico decorrente da combinação de gens humanos ou um produto social. O modelo de Vygotsky incorpora estes dois aspectos, privilegiando tanto um corpo genéticamente construído quanto à sua vinculação com o social no desenvolvimento das potencialidades do sujeito. Consequentemente, a concepção torna-se dialética, onde a interação entre as variáveis biológicas e sociais é constantemente referida a um processo contínuo de mudança.

Não há apenas o cérebro genéticamente dado, mas um cérebro que, após o nascimento, se estrutura e transforma a partir de conteúdos oriundos do ambiente social do sujeito.

4. AS ONDAS SOCIAIS E O PROCESSO DE CONSTRUÇÃO DA INTELIGÊNCIA HUMANA: AS INTERAÇÕES ENTRE O SOCIAL E O INDIVIDUAL

Os historiadores contemporâneos estudando a sociedade atual delineam três períodos na história da humanidade. No campo da Informática e Educação, uma das leituras mais divulgadas, neste sentido, tem sido aquela proposta pelo futurólogo Alvin Tofler. Seus trabalhos se iniciaram na década de 60.
O seu livro de maior impacto foi A Terceira Onda, lançado em 1983, onde é feito um relato das três “ondas” sucessivas de civilização humana. A metáfora da onda é usada para designar um fluir da sociedade que não vai em uma direção só, mas que apresenta fluxos e refluxos contínuos, tal como a água do mar, em seus aspectos superficiais e profundos de dinamização.

A primeira onda surgiu no início dos tempos e vigorou até finais do século XVII. A sociedade neste período se caracterizava por ser essencialmente agrícola. As pessoas viviam em bandos isolados, produzindo alimentos para o seu próprio consumo. Os antropólogos nomearam este tipo de civilização de sociedade primitiva.

A segunda onda surgiu após o século XVII e se caracterizou por apresentar um enorme desenvolvimento industrial. Houve a própria transformação das relações agrárias, através da produção de quantidades cada vez maiores de alimentos. Com isso, tornou-se possível a saída das pessoas do campo na direção das cidades. O que acabou por levar as indústrias a incorporarem cada vez mais mão de obra.

A sociedade da segunda onda introduziu uma nova forma de pensar e se relacionar, distinta daquela apresentada pelo modelo da primeira onda. Enquanto na primeira onda as pessoas eram tanto produtores quanto consumidores, na segunda onda tornou-se patente a emergência de um novo modelo social onde a produção e o consumo foram drásticamente dissociados. Ou seja, na segunda onda, as pessoas não produziam mais os seus produtos. Elas consumiam os produtos previamente preparados pelos produtores.

Um outro aspecto a ser assinalado, ao longo da segunda onda, é que a própria civilização tornou-se um produto de consumo. A própria cultura passou a ser industrializada. Houve a produção, distribuição e massificação das informações. A estrutura de pensamento passou a se direcionar para o consumo de maiores quantidades de informações, produtos,etc.

Atualmente, nos países de primeiro mundo, nós já chegamos à chamada terceira onda de civilização, onde os produtos passam a ser personalizados e direcionados para um consumo interativo entre os sujeitos.

5. O PROCESSO DE CONSTRUÇÃO DA INTELIGÊNCIA HUMANA: OS DIVERSOS EM CONFRONTO

Normalmente quando as pessoas analisam as sociedades, elas o fazem através de uma leitura redutora do social, como se este fosse apenas o delineamento de uma tendência. O modelo tradicionalmente predominante é aquele onde o social é apreendido como se fosse uma totalidade. Na realidade, o modelo de Toffler revela que a sociedade é uma realidade multifacetada, em constante processo de transformação, a partir de um entrejogo de várias tendências e perspectivas estruturantes.

Para começar, muitas das mudanças da atualidade não são independentes umas das outras. Nem são fortuitas. (...) Enquanto as considerarmos mudanças isoladas e nos escapar esta significação maior, não poderemos idear uma resposta coerente e eficaz para elas. Como indivíduos, nossas decisões pessoais ficam sem objetivo ou autoneutralizadas. Como governos, caminhamos aos trancos de crises para programas de emergência, entrando pelo futuro adentro sem plano, sem esperança e sem visão.”

Neste sentido, cumpre assinalar que, da mesma forma que o social é reduzido à uma única vertente, o processo educacional também. Com isso, a realidade educacional perde seu entrejogo do diverso, diluindo-se em captações imaginárias semelhantes. Ou seja, apreende-se as semelhanças entre as várias instituições escolares a partir de seus contextos sociais e exclui-se tudo aquilo que aparece de diferente nelas. A proposta de Alvin Toffler resgata este encaminhamento multifacetado e interativo entre o social e o educacional. Ela captura tanto o aspecto macrossocial quanto microssocial. O social e o sujeito. As instituições e o grupo. Em suma, ela incorpora tanto o processo social mais abrangente, o microssocial e a própria interação entre eles, em uma construção com múltiplas formas e vários caminhos possíveis. Como conseqüência imediata, o próprio processo de construção da inteligência da criança é apreendido de maneira mais complexa. Não sendo reduzido à uma vertente social e educacional única, mas capturado em um entrejogo de possibilidades, que fogem muitas vezes da própria percepção mais direta do aluno, do professor e de especialistas.

Um dos aspectos principais das colocações de Alvin Toffler diz respeito a convivência, ao mesmo tempo, dos determinantes das três ondas civilizatórias. Eles sobrevivem no mundo todo e em cada país. Quando os partidários de uma das tendências se encontra com os demais, há a emergência de situações de brigas e confronto de idéias.

" Personalizo às vezes a própria civilização, argumentando que a civilização da Primeira Onda ou da Segunda Onda “fez” isto ou aquilo. Naturalmente, eu sei, e os leitores sabem, que as civilizações não fazem nada; as pessoas é que o fazem. Mas, atribuindo isto ou aquilo, de vez em quando, a uma civilização , poupa-se tempo e fôlego. (...) A Terceira Onda descreve a civilização de uma “tecnosfera”, uma “sociosfera”, uma “infosfera” e “poderesfera”; depois dispõe-se a mostrar como cada uma destas está sofrendo mudança revolucionária no mundo atual; tenta mostrar as relações destas partes de uma com a outra, bem como com a “biosfera” e a “psicosfera” - esta estrutura de relações psicológicas e pessoais através da qual mudanças ocorridas no mundo exterior afetam as nossas vidas mais íntimas”.

Os sociólogos, antropólogos e psicólogos têm percebido gradativamente a importância de uma concepção que privilegia a chamada superestrutura. É através dela onde se jogam os rumos da construção do pensamento dos sujeitos. Toffler chama este processo, emergido a partir da segunda onda, de indust-realidade.

“ A Segunda Onda criou não só uma nova realidade para milhões, mas também um novo modo de pensar a realidade.

Chocando-se em mil pontos com os valores, os conceitos, os mitos e os costumes da sociedade agrícola, a Segunda Onda trouxe consigo uma redefinição de Deus ... de justiça ... de amor... de poder ... de beleza. Despertou novas idéias, atitudes e analogias. Subverteu e suplantou pressuposições antigas a respeito do tempo, do espaço , da matéria e da causalidade. Emergiu uma visão de um mundo poderoso, coerente, que não só explicava, mas também justificava a realidade da Segunda Onda. Esta visão da sociedade industrial do mundo não tem um nome. Poderia ser designada “indust-realidade”.

Um dos aspectos da “indus-realidade” é que ela traz em seu bojo uma forma bastante abrangente de compreensão do mundo.

“Cada um de nós cria em seu cérebro um modelo mental da realidade - um armazém de imagens. Algumas destas são visuais, outras auditivas, mesmo palpáveis. Algumas são apenas “ perceptos” - vestígios de informaçõe sobre o nosso meio, como um vislumbre do céu azul visto pelo rabo de um olho. Outras são “ligações” que definem relações, como as duas palavras “mãe” e “filho”. Algumas são simples, outras complexas e conceptuais, como a idéias de que a “inflação é causada pelo aumento dos salários”. Juntas, tais imagens formam a nossa imagem de mundo, localizando-nos no tempo, no espaço e na rede de relações pessoais em volta de nós.”

Durante a primeira onda os “perceptos” foram estabelecidos basicamente através das relações pessoais familiares ou grupais. Eram os parentes próximos, os mais velhos, as autoridades políticas e religiosas, etc ; que propiciavam ao sujeito as informações básicas e necessárias. Grande parte da humanidade, nesta época, jamais saiu do seu local de nascimento. Vivia-se com as informações que eram transmitidas através das gerações passadas.

Com a segunda onda tudo isso começa a mudar. A ampliação do mercado, devido à quantidade enorme de produtos produzidos pelas indústrias e pelo campo, levou à exploração de novos mercados. Os limites das aldeias, cidades e países foram ultrapassados. Os contatos comerciais se tornaram determinantes na busca de novos locais onde achar um mercado comprador ainda virgem.

“A segunda Onda multiplicou o número de canais de que o indivíduo tirava a imagem da realidade. A criança não mais recebia apenas imagens da natureza ou das pessoas, mas também as recebia dos jornais, das revistas de massa, do rádio e, mais tarde, da televisão.

Pela maior parte, a igreja, o estado, o lar e a escola continuaram a falar em uníssono, reforçando-se uns aos outros. (...) Certas imagens visuais, por exemplo, foram tão amplamente distribuídas em massa e foram implantadas em tantos milhões de memórias particulares que, com efeito, se transformaram em ícones. A imagem de Lenin, o queixo projetado para a frente em triunfo sob uma esvoaçante bandeira vermelha, assim se tornou tão icônica para milhões de pessoas como a imagem de Jesus Cristo na cruz. A imagem de Charlie Chaplin, com chapéu- coco e bengala, ou Hitler esbravejando em Nuremberg, a imagem de corpos empilhados em Buchenwald, de Churchill fazendo o sinal do V ou Roosevelt usando uma capa preta, de Marilyn Monroe com a saia levantada pelo vento, de centenas de estrelas de propaganda e milhares de diferentes produtos comerciais universalmente reconhecíveis - a barra do sabão Ivory nos Estados Unidos, o chocolate Morinaga no Japão, a garrafa de Perrier na França - todas figuras se tornaram peças padronizadas de um arquivo universal de imagens.

Estas fantasias produzidas centralmente, injetadas na “mente da massa” pelos meios de comunicação de massa, ajudaram a produzir a padronização do comportamento exigida pelo sistema de produção industrial.”

Ao longo da segunda onda emergiu um novo modelo social onde a moral, os costumes, as idéias foram pré-fabricadas. Este processo instituiu uma padronização das formas de pensar, através da chamada indústria cultural. Cada produto era simplificado ao máximo para poder ser consumido por todos. Isto acabou por criar uma cultura de aparência, onde as informações eram minimamente capturadas.

Na terceira onda tudo isto mudou. Com a criação da rede de computadores, e principalmente da Internet, não basta apenas o sujeito aprender a lidar com as informações mais gerais. É preciso aprofundá-las, decodificando-as em toda a sua complexidade. Isto porque agora o sujeito está sozinho frente ao processo de transmissão e produção/reprodução das informações. Cada vez mais elas tendem a crescer e apresentar um fluxo contínuo avassalador. O sujeito precisa saber lidar com as informações, selecionando-as , agrupando-as , reordenando-as.

“ O que na superfície parece ser uma série de eventos desconexos resulta ser uma onda de mudanças intimamente correlatas, rodando através do horizonte dos meios comunicação, dos jornais e rádio num extremo, às revistas e televisão no outro. Os meios de comunicação de massas estão sob ataque. Novos veículos de comunicação desmassificados estão proliferando, desafiando - e algumas vezes mesmo substituindo - os meios de comunicação em massa que foram dominantes em todas as sociedades da Segunda Onda.

A Terceira Onda começa assim uma verdadeira nova era: a idade dos veículos de comunicação desmassificados. Uma nova infosfera está emergindo juntamente com a nova tecnosfera. E esta terá um impacto de longo alcance nessa esfera, a mais importante de todas , a que está dentro dos nosso cérebros. Pois, tomandas em conjunto, estas mudanças revolucionarão a nossa imagem do mundo e a nossa habilidade para lhe encontrar sentido.”

O sujeito na terceira onda adquiriu um novo status no campo do conhecimento. De um mero recebedor de informações como na segunda onda, ele precisa tornar-se um produconsumidor, isto é, o que Alvin Toffler designa como um produtor/consumidor de informações. Não basta apenas ele consumir as informações, ele tem de criá-las também. Sob este aspecto pode-se dizer que a cultura na Terceira Onda acabou por se personalizar. Ela não é mais um produto de massa.

“ A desmassificação dos meios de comunicação de massa desmassifica igualmente as nossas mentes. Durante a era da Segunda Onda o martelar contínuo das imagens padronizadas expelidas pela propaganda criou o que os críticos chamaram uma “mentalidade de massa”. Hoje, em vez de massas de pessoas recebendo todas as mesmas mensagens, grupos desmassificados menores recebem e enviam grandes quantidades de suas próprias imagens de uns para os outros. Enquanto a sociedade inteira se desloca para a diversidade da Terceira Onda, os novos meios de comunicação refletem e aceleram o processo. (...) O consenso de despedaça. Num nível pessoal, são todos cercados e assaltados por fragmentos de fantasia, contraditória e desconexa, que abala as nossas velhas idéias e chega até nós sob a forma de blips quebrados ou desencarnados. Nós vivemos, de fato, numa “ cultura do blip”.

Com isto, há uma diferença básica entre a vivência dos sujeitos da Segunda Onda e da Terceira Onda: a criação de uma autonomia maior. O que leva os indivíduos presos aos valores da Segunda Onda a se sentirem ameaçados pelos valores e propostas da Terceira Onda.

“ As pessoas da Segunda Onda, ansiosas pela moral pronta para uso e as certezas ideológicas do passado, estão incomodadas e desorientadas pela blitz de informação. Sentem nostalgia dos programas de rádio da década de 30 ou dos filmes da década de 40. Sentem-se excluídos do ambiente dos novos meios de comunicação, não apenas porque muito do que ouvem é ameaçador ou perturbador, mas porque as próprias embalagens em que chega a informação são estranhas.”

Face à um novo mundo que cobra posições pessoais, o sujeito se sente muitas vezes, a partir de suas vivências anteriores, incapaz de dar uma resposta. São principalmente aqueles que aprenderam a pensar através de processos simplificados préviamente estabelecidos. Ao fazê-lo no circuito atual sentem-se impotentes, sem os parâmetros necessários de avaliação. Por outro lado, frente à geração passada, a geração atual criada dentro do contexto da Terceira Onda se vê com grandes vantagens..

“Em vez de recebermos longas e relacionadas “enfiadas” de idéias, organizadas e sintetizadas para nós, estamos cada vez mais a breves e modelares blips de informação - anúncios, pedidos, teorias, fiapos de notícias, fragmentos truncados que se recusam a encaixar-se perfeitamente nos nossos arquivos mentais preexistentes. As novas fantasias resistem à classificação, em parte porque freqüentemente caem fora das velhas categorias conceituais, mas também porque vêm em embalagens demasiado estranhas de forma, transitórias e desconexas. Assaltadas pelo que elas percebem como o tumulto da cultura blip, as pessoas da Segunda Onda sentem uma raiva reprimida contra os meios de comunicação.

As pessoas da Terceira Onda, ao contrário, estão mais à vontade no meio deste bombardeio de blips - a intersecção de recortes de notícias (devido) a um comercial de 30 segundos, um fragmento de canção e letra, um cabeçalho, um cartoon, uma montagem, um item de panfleto, um print-out de computador. Leitores insaciáveis de livros de bolso de ler e jogar fora e de revistas de interesse especial engolem enormes quantidades de informação em pequenos bocados. Mas também estão de olho naqueles novos conceitos ou metáforas que reúnem ou organizam blips em totalidades maiores. Em vez de tentarem atulhar com os novos dados modulares as categorias ou estruturas padronizadas da Segunda Onda, aprendem a fazer as suas, a formar as suas próprias “enfiadas” do material “blipado” disparado sobre eles pelos novos meios de propaganda. “

Em decorrência, são introduzidas formas diferentes de pensar a partir dos dois tipos de civilização : a Segunda e a Terceira Onda. Na Segunda Onda o aluno vai estar pedindo modelos prontos, enquanto que aqueles que vivenciaram os valores da Terceira Onda estarão pedindo mais liberdade para pensar individualmente.

Em vez de apenas recebermos o nosso modelo mental de realidade, nós agora somos impelidos a inventá-lo e continuamente a reinventá-lo. Isto coloca um enorme fardo sobre nós. Mas também conduz à maior individualidade, à desmassificação da personalidade, assim como da cultura. Alguns de nós rebetam sob a nova pressão ou se recolhem à apatia ou à raiva. Outros emergem como indivíduos bem formados, crescendo continuamente, competentes, capazes de operar, por assim dizer, num nível mais alto. ( Num ou noutro caso, quer a tensão se revele grande demais ou não, o resultado está muito longe dos robôs uniformes, padronizados, facilmente arregimentados, previstos por tantos sociólogos e escritores da ficção científica da era da Segunda Onda).

Acima de tudo isto, a desmassificação da civilização, que reflete e intensifica os meios de comunicação, traz com ela um enorme salto na quantidade de informação que todos trocaremos uns com os outros. E é este aumento que explica por que estamos nos tornando uma “sociedade de informação”. “

6. CONCLUSÃO: O NOVO PAPEL DA EDUCAÇÃO

O que isso tem a ver com as necessidades básicas do professor em seu processo de formação e posterior prática pedagógica? Acreditamos que a Terceira Onda introduza uma posição inédita na cultura humana: por um lado, o professor é um elemento altamente estratégico e, por outro, pode ser facilmente dispensável. No primeiro caso, ele pode auxiliar os alunos a aprender a selecionar melhor as suas alternativas e recursos de acesso à informação. Em segundo lugar, o professor precisará estar constantemente atualizado para não se tornar um elemento descartável.

Uma outra variável que não pode ser esquecida : tal como o professor o aluno precisará de reciclagens constantes. A diferença é que ele necessitará de um professor com um alto nível técnico de formação e informação.

Isto introduz uma alteração significativa no quadro de professores. A atualização de conhecimentos torna-se um processo estratégico. Alguns serão facilmente dispensáveis; aqueles não se atualizam. Para os demais, haverá sempre um novo campo de trabalho a ser tecido e estruturado, a partir da própria demanda dos alunos.

Em decorrência, pode-se dizer que a própria escola muda. Enquanto na Segunda Onda as informações básicas vinham através dela, na Terceira Onda os computadores parecem deter este lugar estratégico. A base de informações maiores não virá dos professores, mas dos próprios computadores que poderão ser acionados nos lares, nas bibliotecas ou na própria escola. O professor se tornará então um orientador de formas de estudo mais adaptadas às necessidades dos alunos. Assim, por exemplo, em vez de uma aula de história tradicional, um cd-room elaborado com os mais recentes recursos de multimídia propiciará ao aluno um contato mais aprofundado com a matéria. Ele poderá receber, além de um relato sobre os fatos mais importantes do evento histórico, outras informações complementares. Saber como se constituia a terra naquela época, como era o clima, o céu, a saúde dos sujeitos, etc. Ou seja, estamos saindo de uma história monocromática para uma hipercromática e de recursos de multimídia.

Cabe aos professores, se quiserem participar deste processo de transformação social, uma constante reciclagem. Para que eles não se tornem - como já ouvimos de muitos professores - o "lixo" descartável desta nova era. Um professor atualizado é aquele que tem olhos no futuro e a ação no presente, para não perder as possibilidades que o momento atual continuamente lhe apresenta. Porém, isto não é alguma coisa que o sistema educacional possa obrigar os professores a fazerem. A Informática é ainda uma opção, uma decisão do professor frente aos seus novos rumos de trabalho.

Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo

Fonte:
http://www.educacaoonline.pro.br/

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