terça-feira, 24 de junho de 2008

David Pontes (Como se Ensina o Prazer da Leitura)

Baciadas de livrinhos coloridos e dúzias de CD-ROM educativos não fazem a criançada gostar de ler. Quase sempre é por aí que vão os pais quando percebem o baixo rendimento dos filhos nas aulas de Português, sua dificuldade de compreender um texto, a inapetência para as letras e - portanto - a pobreza na comunicação com o mundo, mas chapá-los ou diverti-los com sopinhas alfabéticas não resolve a parada. No máximo, os pequenos acabam se acostumando a mais esta atividade. Ter prazer na leitura é que funciona como vitamina, e o segredo para aplicá-la é: escolher um bom conto de fadas, empostar a voz e ler para eles.

Parece pouco, mas é um acontecimento grandioso. Ouvir uma história contada ao vivo, pelos pais ou por alguém conhecido, é uma experiência que marca para sempre. Aí se juntam elementos fundamentais no desenvolvimento. A presença e a dedicação do adulto naquele instante, sua entonação e semblante, seu estado de espírito e o conteúdo da narrativa, tudo isso se junta e se mistura aos sentimentos e à imaginação das crianças. É um raro momento de integração profunda, que gera energia de crescimento. E o prazer desta hora se liga ao texto. Assim se inscreve a leitura na memória das coisas boas, e assim se abrem as portas para uma criativa busca do conhecimento.

Bastam 10 minutos por dia, ou a cada dois dias, três ou só no fim-de-semana... Não precisa - e nem pode - ser nada penoso ou complicado. Apenas um momento reservado regularmente para um adulto afetivo se sentar, abrir um bom livro e ler em voz alta. Para os pequenos, é um momento para ouvir, sentir e fantasiar, como quiserem e puderem. Por isso, não vale cobrar nada deles. Sem essa de "vamos ler, agora fique quietinho". Crianças ouvem historinhas cantarolando, andando, falando, mexendo e se mexendo, e às vezes até vão para outros cômodos da casa sem pedir pausa na leitura. Não importa. Sua maneira de prestar atenção, seu ritmo, tudo é diferente. O que importa é a voz que conta o conto, que repete infinitas vezes um trecho a pedido do ouvinte, que responde às perguntas sem reclamar da "interrupção".

Quando "atrapalham" a leitura dos grandes, os pequenos estão apenas se aproximando do texto. Não é este o objetivo? Então é indispensável deixar que toquem o livro, virem a página para ver a ilustração seguinte, sintam a textura do papel e a harmonia das letras... Vale até atiçar a curiosidade e sua vontade de ver a história escrita. É bom lembrar: esta é uma experiência que os adultos oferecem às crianças, de graça, sem exigir nada em troca, sem policiar nem chatear. Quem não tem disposição e paciência para isso, melhor fazer só cinco minutinhos, ou dois, para que não se torne uma experiência desagradável - e acabe produzindo o efeito contrário. É necessário, aliás, que estes momentos não estorvem a rotina. A leitura não pode ocupar o tempo de brincar, de fazer lição ou de comer. Já o tempo da TV e do videogame...

Desligar as telinhas para contar histórias seria um grande presente. Trocar o estímulo unidirecional, com imagens chocantes que cavam espaços estáticos na memória, pela integração afetiva, que fortalece e desenvolve, é um negócio irrecusável. Claro que o conteúdo do texto é fundamental. O que potencializa esta grande usina criativa são as narrativas que têm situações do imaginário da criança, repleto de antíteses: bom-mau, bem-mal, certo-errado, bonito-feio, grande-pequeno, alegre-triste... Ou seja, são os contos de fadas mais antigos, com personagens maus e cruéis, que valem como combustível na ebulição dos sentimentos. Não servem as versões moderninhas, açucaradas e politicamente corretas. Sentindo que a leitura alimenta e fortifica o coração, a molecada pode então gostar dela.

Mais ainda se estes momentos forem marcados pela presença dos pais - que é sempre especial - e pela sua própria satisfação em ler. Ensinar o prazer da leitura é também se apresentar às crianças como alguém que gosta de ler, e que ganha com isso. Quem se sente bem com um livro nas mãos deve se exibir orgulhosamente aos pequenos. Aos menos habituados cabe um esforço, que não é tão grande assim. Afinal, quem não pôde se apaixonar pela literatura na infância tem agora a chance de mergulhar na fantasia por alguns minutos, enquanto a filharada escuta, se encanta e começa a preparar sua própria história.

Fonte:
http://www.moderna.com.br

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