terça-feira, 23 de março de 2010

Rita Elisa Seda (Garimpagem Literária)



Hoje peguei uma linda caixa que normalmente só abro uma vez por mês, ou melhor... algumas vezes por ano (poucas). Ela é toda de madeira texturizada em ocre e na tampa há uma roseta de gesso. Coloquei-a devagar em cima da cama, removi a tampa e vislumbrei os envelopes, de todas as cores, vários tamanhos e selos diversos. Uma alegria. Foi como puxar um fio condutor que nos leva direto ao passado. Tenho uma amiga que diz que sou muito organizada... olhando para aquela montoeira de cartas eliminei essa idéia – não sou assim, tão organizada! Os envelopes deveriam, pelo menos, estarem empilhados cronologicamente. Ainda bem que estavam fora de tempo e num espaço restrito.

Meu Deus! quantas lembranças içadas, várias sensações relembradas, muitas tristezas choradas, inúmeras alegrias conquistadas e o melhor foi reconhecer a evolução das amizades. Li algumas, escondi outras, mas não rasguei alguma. Sei que tudo tem seu momento e que um dia vou querer reler as que deixei de lado.
Foi quando já conseguia ver o fundo da caixa, tirando um enorme envelope pardo, vi a famigerada, a mal-amada, a terrorista das letras, a devoradora de idéias: a senhora dona traça! Lembrei-me do primeiro conselho que recebi quando comecei a escrever – os dois maiores inimigos de uma escritora são: sua morte e a traça. Sendo que a traça leva alguns anos para devorar um livro, mas o viúvo acaba com tudo em 1 minuto. Voltemos à traça! Ela estava gordinha, escura, serelepe se escondeu embaixo da ultima carta. Fui lá, sem dó nem piedade, e zás, esmaguei-a. Adeus corpinho movido por celulose e tinta. Olhei para o lado, encostada na parede, sob a janela, minha mala goiana. E, se nela também estivessem traças? Ainda pior... nos meus baús?! Afinal são vários espalhados em toda casa e dentro deles vários livros, vários é pouco... muitos livros. Verdadeiras preciosidades.

Nessa ciranda onde uma coisa puxa a outra, vieram algumas soluções, coisas simples para serem colocadas nas malas, caixas e baús: laranja sachê espetada de cravos da índia, velas de citronela (apagadas, é claro!), spray mata tudo (apelação) e o golpe final – naftalina. Quem é que agüenta um cheiro desse? Eu, não! mas sei que acaba com a traça, tão sensível, tão culta, com tanta informação em seu corpo, tanta que em sua veia não corre sangue, correm letras. Se duvida, mate uma traça para ver, ou melhor – ler. Decidi apelar, os sprays atuais são ecologicamente corretos; a não ser pelo fato de matar insetos. Chiiiiiiiiiiiiii, por todo canto. E, para que eu não morresse, também, precisei sair de casa.

Aproveitei para ficar no banco Roma, dando nó na ponta dessa ciranda. Como foi que Fernando Pessoa conseguiu eliminar as traças de seu baú? Sim... em Portugal também há traças. A Sônia Gabriel tem uma enorme mala Sheherazade onde podemos ficar mil e uma noites lendo seus contos. Será que por lá apareceu alguma traça? Melhor daqui por diante praticar o que era do feitio de Cora Coralina, a melhor maneira de se guardar livros é... colocando-os na geladeira! Isso mesmo, sempre, a vida toda, a geladeira da poeta era repleta de livros. Uma bela alternativa, economizo luz e tenho uma biblioteca na cozinha. Só sei que a hora que eu puder retornar à minha casa, quando lá o ar estiver respirável novamente, vou fazer algumas mudanças significativas... para as traças!

Fonte:
http://www.entrementes.com.br

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