1
As dores e os desencantos
têm dois destinos diversos:
- ou se dissolvem nos prantos,
- ou se desfazem nos versos.
2
Minha mágoa, quando é grande,
faz da trova confidente.
- Uma angústia que se expande
não sufoca a alma da gente.
3
As saudades nunca morrem,
tê-las sempre, é nosso fado;
- são farrapos de nossa alma
que ficaram no passado.
4
Das horas sempre ditosas,
muitas o tédio nos furta ...
A glória maior das rosas
é terem vida tão curta.
5
Olha o céu, contempla o mar,
mira a campina florida,
fita a estrela, goza o luar...
Por que só vês tua vida?
6
Não sei que mágoa mais funda
destas tristezas decorre:
- se da saudade que vive,
- se da esperança que morre.
7
Ao sonhar contigo, eu sinto
amor mais puro e profundo!
No sonho, as almas se encontram
fora da carne e do mundo...
8
Reparaste quanto é fácil
desculparmos os defeitos,
se a criatura, além de grácil,
tem seus dezoito já feitos?
9
Olhando a vida vivida,
esta pergunta passou:
- fui eu que fiz minha vida,
ou fez-me a vida o que sou?
10
Quão larga seria a messe
de surpresas, de tormentos,
se o simples olhar pudesse
devassar os pensamentos ...
11
O luar é tão triste e doce,
tem tal encanto e magia,
que acredito que assim fosse
o olhar da Virgem Maria.
12
No inicio da vida, o mundo
parece um reino encantado!
Não há erro mais profundo,
nem logro mais bem pregado.
13
É milagre dos mais puros,
como só os faz Jesus,
- pôr em teus olhos escuros
tanta treva e tanta luz!
14
A nossa alma se reparte
pelos filhos que nos vêm;
temos sempre nossa parte
nos destinos que eles têm.
15
E preciso pôr um cobro
ao lamento que enfraquece;
quem se queixa sofre o dobro
do tormento que padece.
16
O amor um milionário,
gaste os beijos que gastar,
tantos mais, o perdulário,
terá sempre para dar!
17
Nossa casa é qual um ninho
escondido num pomar;
dentro dela há um bercinho.
Que mais posso desejar?
18
Mais do que o próprio desdém,
nada nos deixa tão sós,
como saber que ninguém
sente saudades de nós...
19
Volta o sol... a chuva é mansa
sol e chuva, faz lembrar
o sorriso da criança
quando acaba de chorar.
20
Mãe não precisa de rima.
Nome de tal esplendor,
diz tudo, para que exprima,
sozinho, um poema de amor!
21
Música! Enlevo sublime,
sua magia dimana
do que existe de divino
no mistério da alma humana!
22
Coração, bate baixinho,
pois, a ouvir-te, ó desventura,
conto os passos do caminho
que conduz à sepultura ...
23
Há no mundo muita gente
que só maldades proclama;
é que os sapos, certamente,
só são felizes na lama.
24
Tesouro que, dividido,
vai crescendo, vai subindo,
- é amor de Mãe, repartido
pelos filhos que vêm vindo!
25
Tens um sinal junto à boca,
fonte de todo o meu mal:
ao beijá-lo, fui punido
por "avançar o sinal"...
26
Solidão que não tem par,
ausência cruel, atroz,
é viverem dois num lar
como se estivessem sós.
27
Não queiras muito da vida;
vê bem que a felicidade
muita vez é percebida
só depois de ser saudade...
28
Canta, canta as tuas mágoas,
que a trova nos traz conforto,
quando morre um sonho, a trova,
guarda a alma do sonho morto.
29
Senhor! Que sorte mesquinha
e digna de compaixão:
- termos o espírito livre
e os pés chumbados ao chão!
30
Mãe ... Olhando o teu retrato,
meus olhos fitos nos teus,
penso que estás a meu lado
por uma Graça de Deus!
31
Meus anseios ... tristes frades,
numa angústia indefinida,
vivem presos entre as grades
das clausuras desta vida ...
32
Velhos, distantes, embora,
não nos sentimos tão sós,
quando os amigos de outrora
inda se lembram de nós.
33
Mistérios de enternecer
a lei da vida contém:
- quanta vez nosso prazer
não custou a dor de alguém?
34
Se uma fada perguntasse
qual a ventura que almejo,
eu diria: - a que consiste
em não ter nenhum desejo.
35
Construímos nosso ninho,
mas é justo assinalar:
- fiz, apenas, uma casa
e dela fizeste um lar.
36
Teu sorriso é uma alvorada
que acende na tua face
o rubor que a madrugada
põe no céu, quando o Sol nasce!
37
Magoada flor da quaresma,
tens das saudades a cor;
- meu passado é todo um bosque
de quaresmeiras em flor.
38
Velhice não é tristeza
quando somos venerados;
o que dói é a certeza
de só sermos tolerados.
39
Águas de um rio não lavam
nem um pecado, somente;
lágrimas puras, sentidas,
lavam toda a alma da gente.
40
Há belas trovas ... mas creio,
nenhuma pode igualar
às lindas trovas que leio
no fundo do teu olhar!
41
Quando a ilusão me conduz
ao desengano tristonho,
faço da trova uma cruz
na sepultura do sonho.
42
Águas do lago, tão calmas ...
Olhando-as, fico a cismar:
- por quê, Senhor, há nas almas
essa inquietude do mar?
43
A árvore eterna da Fé,
no mundo a plantou Jesus;
foi regada com seu sangue,
teve a forma de uma cruz.
44
Quando a injustiça te doer,
ou quando alguém te magoar,
esquece, pois esquecer
é bem mais do que perdoar.
45
Da esperança malograda,
da ventura que findou,
guarda a trova, desolada,
a lembrança que ficou.
46
Quanto és bela, que grandeza,
cidade vista do alto!
Quanta dor, quanta baixeza,
ao nível do teu asfalto...
47
Gratidão, no ser humano,
em geral é raridade,
pois, sendo o orgulho um tirano,
não tolera essa humildade.
48
-Quem casa não se governa,
tenho, até, vergonha às vezes,
pois quem manda em minha casa
é um pirralho de três meses!
49
Essa figura risonha
que pouco tem de nascida,
é uma vida que inda sonha,
e sonho que se fez vida!
50
Quando parte um velho amigo
rumo às paragens sem fim,
sinto que um pouco da vida
morreu, também, dentro em mim.
51
Pode ser pura ilusão,
mas nunca a gente se cansa
de plantar no coração
a semente da esperança.
52
O mundo é um só, quem duvida?
Mas para as almas, no fundo,
há tantos mundos na vida,
quantas vidas há no mundo.
53
O orvalho frio das noites
vem do pranto de saudade
das tristes mães que deixaram
seus filhinhos na orfandade.
54
Teu amor é tão sincero,
que adivinhas o que almejo,
pois nunca te disse "eu quero
para ter o que desejo.
55
Desde que a sorte, Querida,
este lar nos concedeu,
vivo mais a tua vida
que a vida que Deus me deu.
56
Creio em alma feminina
- quem assim pensa, não peca -
quando vejo uma menina
a ninar uma boneca.
57
Homens egoístas, ouvi
este conceito fecundo:
- quem vive só para si,
vive sozinho no mundo.
58
Quando a aurora se incendeia,
toda a passarada, em festa,
ergue um hino à Natureza
na catedral da floresta!
59
Os detentos nos comovem ...
Há suplício parecido:
- ter-se uma alma sempre jovem
presa a um corpo envelhecido.
60
Deus, que uniu as nossas almas,
mais bondoso foi depois,
quando, para unir-nos mais,
pôs um filho entre nós dois.
61
Só as mães, ao filho enfermo,
embalam numa canção,
tendo o sorriso nos lábios
e um punhal no coração.
62
Para evitar, precavida,
qualquer infidelidade,
quando ela vai de partida,
deixa comigo a saudade.
63
A luz que o Sol irradia
é feita de sete cores.
- A alma de luz de Maria
formou-se de Sete Dores!
64
Nem sempre meu mal existe.
Querida, não te desoles,
às vezes finjo de triste
só para que me consoles.
65
Se em teu rosto resplandece
a aurora do teu sorriso,
é como se eu estivesse
pertinho do Paraíso!
66
Vida ... Perene esperança
de que, não se sabe bem...
Feliz de quem não se cansa
de esperar o que não vem.
67
Se mais na vida se avança,
maior angústia é sentida,
por ser tão longa a esperança
e ser tão curta esta vida.
68
Veio na noiva ditosa,
aos pés do altar, a sorrir,
uma esperança radiosa
interrogando o porvir. .
69
Não só o aroma, também
o gosto lembra o que é bom:
- estou saudoso, meu bem,
do "gosto do teu batom"
70
Saudade e rio corrente
ligam dois pontos distantes:
- o rio leva à nascente,
a saudade, ao que era dantes. .
71
Agora, não sei por quê,
meu relógio faz maldades.
Numa hora sem você,
marca sessenta saudades!
72
Desta feliz ignorância
decorre grande ventura:
- não sabermos que distância
vai do berço à sepultura.
73
Bem pouca gente procura
aceitar esta verdade:
- antes ser bom sem ventura,
que ser feliz sem bondade.
74
Feliz daquele que alcança
o lenitivo que quer,
- num sorriso de criança
- num carinho de mulher,
75
O beijo é moeda de amor
que tem um câmbio engraçado:
- dado só, baixa o valor,
vale mais, se for trocado!
76
Tem qualquer coisa de heróico
quem, pela vida a lutar,
sabe, com ânimo estóico,
sofrer, sorrir... e calar.
77
Que se diga afortunado
aquele que não tiver,
como nuvem, no passado,
uma sombra de mulher.
78
Guardo esta amarga impressão:
depois de tanto viver,
só hoje sinto a extensão
do que deixei de fazer...
79
Mãe feliz! É tão novinho,
e teu seio já reclama!
Dois corações tens agora:
um que pulsa, outro que mama
80
Nós vogamos, coração,
numa perene ansiedade,
entre a esperança e a ilusão,
entre a ventura e a saudade
81
Tuas cartas... que saudade!
Quando as tenho em minha mão,
olho as linhas... e em verdade,
quem as lê é o coração.
82
Como dói a gente ver,
sem conseguir consolar,
uma criança a sofrer,
uma velhinha a chorar...
83
Foi um dia, o Beneficio,
se casou co'a Precisão;
por diabólico artifício,
quem nasceu? A Ingratidão!
84
Já vivemos outras vidas,
e, se digo isto é porque
às vezes tenho sentidas
saudades ... não sei de que !
85
Há saudades que nos falam
de maneiras desiguais:
umas dizem: "pode ser" ...
muitas outras: "nunca mais"
86
Quando me fitas, morena,
com teus olhares maganos,
tenho pena, imensa pena,
de não ter vinte e dois anos.
87
Eu te explico o acontecido:
- se roubei teu beijo, amada,
foi por ter-me parecido
que querias ser roubada...
88
Dar aquilo que nos sobra,
não tem grande validade;
repartir o que mal chega,
isto, sim, é caridade.
89
Na tua face entrevejo
transformação milagrosa:
- da semente do meu beijo,
nasce o rubor de uma rosa!
90
Creio que o poeta é tristonho
porque sua alma se encerra,
perenemente, num sonho
que não se vive na terra.
91
A trova parece espelho
miraculoso, porque
reflete as coisas do mundo,
e mais o que não se vê.
92
Costureirinha adorável,
sem que tua alma degrades,
tens virtude mais louvável
que a da freira, atrás das grades.
93
Guardo um remorso comigo,
que mortifica minha alma:
- quando estive a sós contigo,
fui duma calma ... uma calma
94
Muita gente é infeliz
mas será por culpa alheia?
Cada qual, como se diz,
colhe aquilo que semeia.
95
Dizes que gostas de mim,
se gostas, nunca senti;
teu gosto é outro, isto sim,
gostas que eu goste de ti.
96
Dá adeus quem parte e se vai ...
- que expressiva afinidade! -
com estas letras se escreve
o que nos fica: saudade!
97
A trova é canto dorido?
A trova é prece de amor;
reflete o mundo sentido
pela alma do trovador.
98
Faz-me temer a partida
esta ironia da sorte:
- teus olhos, que me dão vida,
chorarem por minha morte.
99
O prazer que a gente goza
guarda, em si, melancolia,
pois a hora que é ditosa,
há de ser saudade um dia.
100
Vida ... mistério celeste
que acorrenta uma alma escrava...
Nada pedi, mas me deste
muito mais do que esperava!
G G G G G G G G
As dores e os desencantos
têm dois destinos diversos:
- ou se dissolvem nos prantos,
- ou se desfazem nos versos.
2
Minha mágoa, quando é grande,
faz da trova confidente.
- Uma angústia que se expande
não sufoca a alma da gente.
3
As saudades nunca morrem,
tê-las sempre, é nosso fado;
- são farrapos de nossa alma
que ficaram no passado.
4
Das horas sempre ditosas,
muitas o tédio nos furta ...
A glória maior das rosas
é terem vida tão curta.
5
Olha o céu, contempla o mar,
mira a campina florida,
fita a estrela, goza o luar...
Por que só vês tua vida?
6
Não sei que mágoa mais funda
destas tristezas decorre:
- se da saudade que vive,
- se da esperança que morre.
7
Ao sonhar contigo, eu sinto
amor mais puro e profundo!
No sonho, as almas se encontram
fora da carne e do mundo...
8
Reparaste quanto é fácil
desculparmos os defeitos,
se a criatura, além de grácil,
tem seus dezoito já feitos?
9
Olhando a vida vivida,
esta pergunta passou:
- fui eu que fiz minha vida,
ou fez-me a vida o que sou?
10
Quão larga seria a messe
de surpresas, de tormentos,
se o simples olhar pudesse
devassar os pensamentos ...
11
O luar é tão triste e doce,
tem tal encanto e magia,
que acredito que assim fosse
o olhar da Virgem Maria.
12
No inicio da vida, o mundo
parece um reino encantado!
Não há erro mais profundo,
nem logro mais bem pregado.
13
É milagre dos mais puros,
como só os faz Jesus,
- pôr em teus olhos escuros
tanta treva e tanta luz!
14
A nossa alma se reparte
pelos filhos que nos vêm;
temos sempre nossa parte
nos destinos que eles têm.
15
E preciso pôr um cobro
ao lamento que enfraquece;
quem se queixa sofre o dobro
do tormento que padece.
16
O amor um milionário,
gaste os beijos que gastar,
tantos mais, o perdulário,
terá sempre para dar!
17
Nossa casa é qual um ninho
escondido num pomar;
dentro dela há um bercinho.
Que mais posso desejar?
18
Mais do que o próprio desdém,
nada nos deixa tão sós,
como saber que ninguém
sente saudades de nós...
19
Volta o sol... a chuva é mansa
sol e chuva, faz lembrar
o sorriso da criança
quando acaba de chorar.
20
Mãe não precisa de rima.
Nome de tal esplendor,
diz tudo, para que exprima,
sozinho, um poema de amor!
21
Música! Enlevo sublime,
sua magia dimana
do que existe de divino
no mistério da alma humana!
22
Coração, bate baixinho,
pois, a ouvir-te, ó desventura,
conto os passos do caminho
que conduz à sepultura ...
23
Há no mundo muita gente
que só maldades proclama;
é que os sapos, certamente,
só são felizes na lama.
24
Tesouro que, dividido,
vai crescendo, vai subindo,
- é amor de Mãe, repartido
pelos filhos que vêm vindo!
25
Tens um sinal junto à boca,
fonte de todo o meu mal:
ao beijá-lo, fui punido
por "avançar o sinal"...
26
Solidão que não tem par,
ausência cruel, atroz,
é viverem dois num lar
como se estivessem sós.
27
Não queiras muito da vida;
vê bem que a felicidade
muita vez é percebida
só depois de ser saudade...
28
Canta, canta as tuas mágoas,
que a trova nos traz conforto,
quando morre um sonho, a trova,
guarda a alma do sonho morto.
29
Senhor! Que sorte mesquinha
e digna de compaixão:
- termos o espírito livre
e os pés chumbados ao chão!
30
Mãe ... Olhando o teu retrato,
meus olhos fitos nos teus,
penso que estás a meu lado
por uma Graça de Deus!
31
Meus anseios ... tristes frades,
numa angústia indefinida,
vivem presos entre as grades
das clausuras desta vida ...
32
Velhos, distantes, embora,
não nos sentimos tão sós,
quando os amigos de outrora
inda se lembram de nós.
33
Mistérios de enternecer
a lei da vida contém:
- quanta vez nosso prazer
não custou a dor de alguém?
34
Se uma fada perguntasse
qual a ventura que almejo,
eu diria: - a que consiste
em não ter nenhum desejo.
35
Construímos nosso ninho,
mas é justo assinalar:
- fiz, apenas, uma casa
e dela fizeste um lar.
36
Teu sorriso é uma alvorada
que acende na tua face
o rubor que a madrugada
põe no céu, quando o Sol nasce!
37
Magoada flor da quaresma,
tens das saudades a cor;
- meu passado é todo um bosque
de quaresmeiras em flor.
38
Velhice não é tristeza
quando somos venerados;
o que dói é a certeza
de só sermos tolerados.
39
Águas de um rio não lavam
nem um pecado, somente;
lágrimas puras, sentidas,
lavam toda a alma da gente.
40
Há belas trovas ... mas creio,
nenhuma pode igualar
às lindas trovas que leio
no fundo do teu olhar!
41
Quando a ilusão me conduz
ao desengano tristonho,
faço da trova uma cruz
na sepultura do sonho.
42
Águas do lago, tão calmas ...
Olhando-as, fico a cismar:
- por quê, Senhor, há nas almas
essa inquietude do mar?
43
A árvore eterna da Fé,
no mundo a plantou Jesus;
foi regada com seu sangue,
teve a forma de uma cruz.
44
Quando a injustiça te doer,
ou quando alguém te magoar,
esquece, pois esquecer
é bem mais do que perdoar.
45
Da esperança malograda,
da ventura que findou,
guarda a trova, desolada,
a lembrança que ficou.
46
Quanto és bela, que grandeza,
cidade vista do alto!
Quanta dor, quanta baixeza,
ao nível do teu asfalto...
47
Gratidão, no ser humano,
em geral é raridade,
pois, sendo o orgulho um tirano,
não tolera essa humildade.
48
-Quem casa não se governa,
tenho, até, vergonha às vezes,
pois quem manda em minha casa
é um pirralho de três meses!
49
Essa figura risonha
que pouco tem de nascida,
é uma vida que inda sonha,
e sonho que se fez vida!
50
Quando parte um velho amigo
rumo às paragens sem fim,
sinto que um pouco da vida
morreu, também, dentro em mim.
51
Pode ser pura ilusão,
mas nunca a gente se cansa
de plantar no coração
a semente da esperança.
52
O mundo é um só, quem duvida?
Mas para as almas, no fundo,
há tantos mundos na vida,
quantas vidas há no mundo.
53
O orvalho frio das noites
vem do pranto de saudade
das tristes mães que deixaram
seus filhinhos na orfandade.
54
Teu amor é tão sincero,
que adivinhas o que almejo,
pois nunca te disse "eu quero
para ter o que desejo.
55
Desde que a sorte, Querida,
este lar nos concedeu,
vivo mais a tua vida
que a vida que Deus me deu.
56
Creio em alma feminina
- quem assim pensa, não peca -
quando vejo uma menina
a ninar uma boneca.
57
Homens egoístas, ouvi
este conceito fecundo:
- quem vive só para si,
vive sozinho no mundo.
58
Quando a aurora se incendeia,
toda a passarada, em festa,
ergue um hino à Natureza
na catedral da floresta!
59
Os detentos nos comovem ...
Há suplício parecido:
- ter-se uma alma sempre jovem
presa a um corpo envelhecido.
60
Deus, que uniu as nossas almas,
mais bondoso foi depois,
quando, para unir-nos mais,
pôs um filho entre nós dois.
61
Só as mães, ao filho enfermo,
embalam numa canção,
tendo o sorriso nos lábios
e um punhal no coração.
62
Para evitar, precavida,
qualquer infidelidade,
quando ela vai de partida,
deixa comigo a saudade.
63
A luz que o Sol irradia
é feita de sete cores.
- A alma de luz de Maria
formou-se de Sete Dores!
64
Nem sempre meu mal existe.
Querida, não te desoles,
às vezes finjo de triste
só para que me consoles.
65
Se em teu rosto resplandece
a aurora do teu sorriso,
é como se eu estivesse
pertinho do Paraíso!
66
Vida ... Perene esperança
de que, não se sabe bem...
Feliz de quem não se cansa
de esperar o que não vem.
67
Se mais na vida se avança,
maior angústia é sentida,
por ser tão longa a esperança
e ser tão curta esta vida.
68
Veio na noiva ditosa,
aos pés do altar, a sorrir,
uma esperança radiosa
interrogando o porvir. .
69
Não só o aroma, também
o gosto lembra o que é bom:
- estou saudoso, meu bem,
do "gosto do teu batom"
70
Saudade e rio corrente
ligam dois pontos distantes:
- o rio leva à nascente,
a saudade, ao que era dantes. .
71
Agora, não sei por quê,
meu relógio faz maldades.
Numa hora sem você,
marca sessenta saudades!
72
Desta feliz ignorância
decorre grande ventura:
- não sabermos que distância
vai do berço à sepultura.
73
Bem pouca gente procura
aceitar esta verdade:
- antes ser bom sem ventura,
que ser feliz sem bondade.
74
Feliz daquele que alcança
o lenitivo que quer,
- num sorriso de criança
- num carinho de mulher,
75
O beijo é moeda de amor
que tem um câmbio engraçado:
- dado só, baixa o valor,
vale mais, se for trocado!
76
Tem qualquer coisa de heróico
quem, pela vida a lutar,
sabe, com ânimo estóico,
sofrer, sorrir... e calar.
77
Que se diga afortunado
aquele que não tiver,
como nuvem, no passado,
uma sombra de mulher.
78
Guardo esta amarga impressão:
depois de tanto viver,
só hoje sinto a extensão
do que deixei de fazer...
79
Mãe feliz! É tão novinho,
e teu seio já reclama!
Dois corações tens agora:
um que pulsa, outro que mama
80
Nós vogamos, coração,
numa perene ansiedade,
entre a esperança e a ilusão,
entre a ventura e a saudade
81
Tuas cartas... que saudade!
Quando as tenho em minha mão,
olho as linhas... e em verdade,
quem as lê é o coração.
82
Como dói a gente ver,
sem conseguir consolar,
uma criança a sofrer,
uma velhinha a chorar...
83
Foi um dia, o Beneficio,
se casou co'a Precisão;
por diabólico artifício,
quem nasceu? A Ingratidão!
84
Já vivemos outras vidas,
e, se digo isto é porque
às vezes tenho sentidas
saudades ... não sei de que !
85
Há saudades que nos falam
de maneiras desiguais:
umas dizem: "pode ser" ...
muitas outras: "nunca mais"
86
Quando me fitas, morena,
com teus olhares maganos,
tenho pena, imensa pena,
de não ter vinte e dois anos.
87
Eu te explico o acontecido:
- se roubei teu beijo, amada,
foi por ter-me parecido
que querias ser roubada...
88
Dar aquilo que nos sobra,
não tem grande validade;
repartir o que mal chega,
isto, sim, é caridade.
89
Na tua face entrevejo
transformação milagrosa:
- da semente do meu beijo,
nasce o rubor de uma rosa!
90
Creio que o poeta é tristonho
porque sua alma se encerra,
perenemente, num sonho
que não se vive na terra.
91
A trova parece espelho
miraculoso, porque
reflete as coisas do mundo,
e mais o que não se vê.
92
Costureirinha adorável,
sem que tua alma degrades,
tens virtude mais louvável
que a da freira, atrás das grades.
93
Guardo um remorso comigo,
que mortifica minha alma:
- quando estive a sós contigo,
fui duma calma ... uma calma
94
Muita gente é infeliz
mas será por culpa alheia?
Cada qual, como se diz,
colhe aquilo que semeia.
95
Dizes que gostas de mim,
se gostas, nunca senti;
teu gosto é outro, isto sim,
gostas que eu goste de ti.
96
Dá adeus quem parte e se vai ...
- que expressiva afinidade! -
com estas letras se escreve
o que nos fica: saudade!
97
A trova é canto dorido?
A trova é prece de amor;
reflete o mundo sentido
pela alma do trovador.
98
Faz-me temer a partida
esta ironia da sorte:
- teus olhos, que me dão vida,
chorarem por minha morte.
99
O prazer que a gente goza
guarda, em si, melancolia,
pois a hora que é ditosa,
há de ser saudade um dia.
100
Vida ... mistério celeste
que acorrenta uma alma escrava...
Nada pedi, mas me deste
muito mais do que esperava!
G G G G G G G G
Fonte:
J. G. de Araujo Jorge e Luiz Otávio. 100 trovas de Baptista Nunes. Coleção Trovadores Brasileiros vol. 3. RJ: Editora Vecchi – 1959.
J. G. de Araujo Jorge e Luiz Otávio. 100 trovas de Baptista Nunes. Coleção Trovadores Brasileiros vol. 3. RJ: Editora Vecchi – 1959.
Nenhum comentário:
Postar um comentário