quinta-feira, 4 de março de 2010

Aparecido Raimundo de Souza (O Homem Só)


Como um fantasma que se refugia
Na solidão da natureza morta,
Por trás dos ermos túmulos, um dia,
Eu fui refugiar-me à tua porta!

Fazia frio e o frio que fazia
Não era esse que a carne nos conforta...
Cortava assim como em carniçaria
O aço das facas incisivas corta!

Mas tu não vieste ver minha Desgraça!
E eu saí, como quem tudo repele,
- Velho caixão a carregar destroços -

Levando apenas na tumbal carcaça
O pergaminho singular da pele
E o chocalho fatídico dos ossos!
(Augusto dos Anjos)
–––––––––––-
O homem
anda,
procura, procura,
indaga...

E ninguém sabe dizer onde encontrar a mulher dos seus sonhos. Todos negam com a cabeça. Uns nem respondem. Outros viram-lhe o rosto em sinal de pouco caso. Alguns posicionam-se indiferentes e alheios à sua presença. Na verdade, a multidão o trata como se o pobre não existisse. A maioria daquela escumalha o considera um estróina, a julgar por seus modos estranhos, pelo seu vestir e até pelo falar.

E o coitado, o infeliz, parece mesmo apalermado, furioso, louco. E como um doidivanas,

Portanto,
segue adiante...
persegue
imagens distantes, figuras indistintas que nada têm a ver com a amada. Perdido e só, esse caminhante não vive. Vegeta um tempo obumbrado, esquecido no espaço irrecuperável do compasso inconseqüente dos dias que passam um após outro, como se para o mundo todas as coisas tivessem morrido ha séculos. É o destino imprecativo que manipula seus desejos e ansiedades como melhor agrada. A esperança, aquela esperança ambígua de outrora retirou-se, às pressas, de seu peito, tal como quem foge de algo ruim e prestes a acontecer. Tudo isso, porém, tem uma causa: sua outra metade que busca incansavelmente. O efeito, sente agora, abraçado à ausência da saudade que domina toda a mente, transformando o pensamento num redemoinho de idéias confusas. Afinal, onde está, por Deus, onde está a figura que coloriu seus devaneios? Sem ela e seus aconchegos é um homem vazio de vida, de cores, e de esperanças. A partida da jovem doeu-lhe muito. Feriu de tal forma que até o coração bate descompassado, numa atitude convulsiva de sofrimentos embaraçosos. Em seu peito uma ferida imensa abriu feio à flor da pele, e desde então não cicatriza.

Enquanto anda e procura, indaga e persegue, recorda o passado...

Lembra a vida à dois; os verdes anos de prosperidade e fortuna como dádivas caídas do firmamento. Que belos e maravilhosos momentos de ternura e enlevo desfrutaram!...

No entanto, o copo do destino transbordou o licor amargo. O céu tingiu-se de nuvens negras e um vendaval inesperado fez-se forte, muito poderoso e intransponível. Suas idéias e ideais, a partir daí, entraram em parafuso, como um avião desgovernado e tudo o que era bom voltou-se, de repente, para o nada. Toda aquela plebe ao seu redor deve estar com razão. Ele é mesmo, sem sombra de dúvidas, um alienado mental. Sente que as pernas bambeiam a carcaça. Em derredor de si, coisas, pessoas, casas...giram, e a medida que entram nesse movimento rotatório, as vistas turvam-se por completo e quedam-se, em seguida, em pesadas brumas de solidão.

Está, pois, tolhido,
indefeso,
vencido...vencido e
sem forças para soerguer o nariz, levantar a moral, dar a volta por cima e berrar. Na verdade, quer gritar que está vivo, carente, dependente do amor dessa deusa que enfeitiçou sua alma e, no final das contas, o abandonou ao grotesco mais iracundo do ridículo.

- Te amo, te amo – grita o pobre infeliz olhando para um pequeno retrato três por quatro. - Te amo, porque tu te escondestes de mim?

Seria esse homem um louco?

Como louco? Se o mísero só quer saber onde está a autora dos seus sonhos?


Fonte:
Para Ler e Pensar.

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