segunda-feira, 29 de março de 2010

Tatiana Belinky (O Diabo e o Granjeiro)


Um pobre lavrador precisava construir a casa de sua pequena granja, mas não conseguia realizar esse sonho, pois o que ganhava mal dava para alimentá-lo, junto com sua mulher. Por mais economia que fizesse, não conseguia juntar o necessário para começar a construção.

Um dia, estando a caminhar pelo seu pedaço de chão, mergulhado em tristes pensamentos, deu com um velho esquisito que lhe disse com voz desagradável:

— Pára de preocupar-te, homem. Eu posso resolver o teu problema antes do primeiro canto do galo, amanhã cedo.

— Como assim? — espantou-se o lavrador.

— Tu precisas construir a casa da granja, certo? Pois eu me encarrego de construir e entregar-te essa obra, antes do canto do galo, em troca de uma pequena promessa tua.

— Que promessa? Não tenho nada para te oferecer em troca de tal serviço.

— Não importa: o que quero que me prometas é um bem que tu tens mas ainda não sabes. É topar ou largar.

O pobre granjeiro pensou com seus botões “o que é que eu tenho a perder?” e, sem hesitar
mais, respondeu ao velho que aceitava o trato e fez a promessa.

— Só que quero ver a casa da granja construída, amanhã, antes do canto do galo — observou
ele, ainda meio incrédulo.

E voltou correndo para casa, para comunicar à esposa o bom negócio que acabara de fechar.

A pobre mulher ficou horrorizada:

— Tu és um louco, marido! Acabas de prometer àquele velho, que só pode ser o próprio diabo, o nosso primeiro filho, que vai nascer daqui a alguns meses!

O homem, que não sabia da gravidez, pôs as mãos na cabeça, mas não havia mais nada a fazer: o pacto estava selado.

A mulher, porém, que não estava disposta a aceitá-lo, ficou pensando num jeito de frustrar o plano do diabo.

E naquela noite, sem conseguir dormir, ficou o tempo todo escutando apavorada o barulho que o demônio e seus auxiliares infernais faziam, ao construírem a tal obra, com espantosa rapidez. A noite ia passando, aproximava-se a madrugada.

Mas, pouco antes de o céu clarear, quando faltavam só umas poucas telhas para a conclusão da obra, a atenta mulher do granjeiro pulou da cama e, rápida e ágil, correu até o galinheiro, onde o galo ainda não despertara.

Tomando fôlego, imitou o canto do galo, com tal perfeição que todos os galos da vizinhança, junto com o seu próprio, lhe responderam com um coro sonoro de cocoricós matinais, momentos antes do romper da aurora.

Como um trato com o diabo tem de ser estritamente observado, tanto pela vítima como por ele mesmo, a obra em final de construção teve de ser parada naquele mesmo instante, por quebra de contrato “antes do primeiro canto do galo”.

E o diabo, espumando de raiva por se ver assim ludibriado e espoliado, se mandou de volta para o inferno, junto com seus acólitos, para nunca mais voltar àquele lugar.

Mas a casa da granja permaneceu construída, para alegria do granjeiro, faltando apenas umas poucas telhas que jamais puderam ser colocadas.

Fonte:
O diabo e o granjeiro. In: Revista Nova Escola, BELINKY, Tatiana. São Paulo, n. 84, mar. 1995.

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