sábado, 20 de março de 2010

Mario Quintana (O Chalé da Praça Quinze)



O chalé fazia parte da gente. Me lembro do Bilo, com o seu perfil perpendicular de cegonho sábio, o longo bico mergulhado – não no gargalo do gomil da fábula, não propriamente no canecão de chop, que era de fato o que estava acontecendo – mas no poço artesiano de si mesmo.

Me lembro do Reynaldo, redondo, pacato, amável, tão amável, pacato e redondo que parecia um desses personagens de romance policial que ninguém desconfia que seja o autor do último crime da mala.

Me lembro do Cavalcanti com a sua cara silenciosa e receptiva de mata-borrão.

Me lembro de mim, silencioso. Sim, a determinada hora éramos todos silenciosos...essa hora em que não é preciso dizer nada, nem mesmo o verso inesquecível de Valery: “Oh mon bom compagnon de silence”.

Este silêncio era apenas quebrado quando chegava o Athos, o Athos centrífugo e pirotécnico. Mas isso não perturbava o nosso silêncio, nem o próprio silêncio do Athos...Pois havia um profundo e misterioso rio de silêncio que corria subterraneamente a todas as nossas palavras.

Era o rio da poesia?

O rio da harmoniosa confusão das almas?

Agora é apenas o rio do tempo que passou.

Fonte:
Antonio Hohlfeldt (seleção). Antologia da Literatura Rio-Grandense Contemporânea. vol. 2. poesia e crônica. RS: L&PM, 1979.

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