CIGARRAS NO APOCALIPSE
Quando o poema emerge
Estridente
Emudece o verão
Escurece a primavera
Incendeia o outono
Poetas são cigarras
No apocalipse
Sempiterno som
Canto que incomoda
Sacode as esfinges
As filosofias vãs
Canto ecoa em muralhas pagãs
Invade corredores
Cola ao som o aroma hortelã
Das festas de antes
Arranca lágrima cinza
No silêncio laranja de Guantánamo
O som ardido trinca o sol
Escorre gema zelosa
Nas chagas das crianças
Da África inteira
Canta a primavera afogada
Da vida ceifada.
A cigarra segue
No apocalipse sem volta
Anoitece areias de Fallujah
Todas as ruas da Faixa de Gaza
Cigarras no apocalipse
São poetas em desalinho
Gestados no ventre escuro
Ninfas subterrâneas
Emergem em canto e vôo
Ao som da trombeta
De um anjo sem olhos.
SEAN CONNERY E EU
Sean dança comigo
Na casa suspensa
De janelas andantes
Cercada de sóis
Sean sorri girassóis
Liberta todos os bemóis
Da orquestra das estrelas
Gestos dele – Iluminura –
Rei Arthur em sua armadura
Cavalga o silêncio
Atravessa pontes de aço
Sean Connery depois da batalha
Esquenta seus pés gelados nos meus
E me cobre com estrelas e nuvens
Enquanto me rasga dentro a mostrar
O quanto dói - em delícia – amar!
E amar Sean Connery dói bem mais.
CHÁ PARA AS BORBOLETAS
Janela - espelho meu.
Fragrância de almíscar selvagem
me violenta.
Menino com aura violeta.
Jovem com juba desgrenhada.
Velocidade lenta.
Garganta do poço este túnel
cinza, onde trafego dias.
Penso na infância, sombra
dos eucaliptos, recanto secreto
onde eu servia chá às borboletas.
SUICIDA
Abismo nô. Correnteza nômade.
Sinistro vento. Lágrima.
Estou sentado na ponte de pedra.
Sopros do antigo resgatam frases.
Tela ilusória refletindo imagens.
Continuo sentado na ponte de pedra.
Domingo. Ponte vazia.
Peixe azul me acena
feito uma nereida - venha!
Ouço a respiração do
caracol.
Me despeço do sol.
E me atiro da ponte de pedra.
O CENTAURO NO JARDIM
Sou uma esfinge
leoa-mulher
e amo
um centauro em um jardim.
Morreria por ele.
De herança:
minha pata-leoa.
minha mão escritora.
A mesma que tocou os cabelos
do mitológico ser
e o amou
um amor enjaulado
um amor siderado.
Dói amar um ser
que cavalga em poesia
que grita belezas no silêncio...
A esfinge se cala
e entrega
de mão beijada
o centauro amado
a quem jamais
o amou assim.
(Leitura poética do livro O centauro no jardim, de Moacyr Scliar)
ANCORANDO ESTRELAS
Sonhei com Dian Fossey
aquela que vivia entre orangotangos.
Comprarei um peixe dourado
e sorrirei para ele
no café da manhã.
Poetas são marinheiros,
a diferença é que seus portos são estrelas
e nunca ancoram
no meu coração - cais.
Aparição sonhada:
Teus olhos negros na soleira.
Seremos dois a sorrir para o peixe dourado.
TRANSPARÊNCIA
No instante do milagre
segredos descem penhascos,
espelhos, memórias, casas.
Trechos da vida à beira da ruína
todos guardam para si.
Ninguém é transparente feito água Ouro Fino.
LEQUE DE NUVENS PARA O DEUS DAS ONDAS
O leque de nuvens se reflete
na areia de mármore.
Alento de tarde pagã.
Distante, a carranca do deus das ondas
escureceu o mar.
O coqueiro se eriça.
Cais sobre mim
feito neve nos Alpes.
E a tarde abraça o nosso abraço.
À MARGEM DO SOL
Cuido que nosso amor não seja astro morto.
Rego a lua, aro estrelas, fumaça ao redor.
Camisola de pérolas, pés descalços,
Pergaminhos perfumados
recebem a escritura de anjos invisíveis:
"A poeta ara estrelas com mãos aladas,
rega a lua com brisa perfumada.
Cuida que a lua seja girassol
estrelas floresçam em rosas azuis.
Colore vulcões extintos - vasos de luz.
Prepara frutos para o banquete à margem do sol.
Nua, solar, à espera da tarde antiga
(dois poetas, o poente, rosas azuis).
DEUS NO ORVALHO
(para Jorge Luis Borges)
Jardim perfumado de Istambul.
Sol intolerável beija a rosa azul
no vaso branco, dois cães cor da lua
ao redor.
Teus olhos se perdem na rosa nua.
Olhos da cor do Mar Cáspio na aurora.
Gota de orvalho baila na pétala.
Cristal.
Ponto no espaço - Aleph
descortina o universo.
Sonhos enxertados de sóis, desertos,
aromas, fauna, primaveras, borrascas.
Todo universo na gota clara
que cobre a rosa. A lágrima desce solar ao
lábio carmesim, e o peito arde de amor e luz.
CATEDRAL DE VIDRO
Avesso e direito, tudo é mesma coisa.
Assim dizendo quero dizer
Que és dentro e fora
Sol e superfície.
Um espelho refletindo dos dois lados.
Uma catedral de vidro.
Anjos azuis exilados do eterno
Vieram a ti e se colaram.
À tua face, à tua voz.
Ao teu terreno coração, que eu amo.
CAMINHO
Havia a aurora boreal no livro de vovô,
a lenda chinesa, as badaladas sinistras
do relógio de madeira, arco-íris, chuvas,
enxurradas, vovó recitando Alan Poe.
Havia o cheiro de canela, bolinhos,
a lenha ardendo vermelho-vivo,
o canto doce das cigarras,
o primeiro amor, ecos de Woodstock.
Uma menina nua correndo da guerra,
uma cascata, canções de Assis.
Olhos claros que eram oceano e céu.
Havia na alma a torrente da vida,
escrevi a primeira sílaba,
a segunda - até hoje escrevo - quantas mil?
LENDO CLARICE LISPECTOR
Mulheres
Sofrem meio às rosas
Espinhos escondidos
Em seus cabelos.
Seios nus
Beijados pelo amado.
Lençóis ao vento.
Vela de um barco
Onde o timão balança
Entre a neve
E a primavera.
Todos sofrem:
A gota prata
Do orvalho na rosa
É lágrima fêmea
Que brilha
Enquanto sofre.
ETERNO GRAAL
Homens, esses homens que são nada.
Nada de sonhos, nada de poesia.
São nada a buscar a fonte seca
dos segredos, nunca desvendados.
Nunca a resposta. Nunca será dada.
A sua sede, nunca saciada.
Sempre noite infinda e vazia:
Desvendar astros e no peito aragem fria.
Do passado falam de bibliotecas,
pergaminhos, hereges queimados por magia.
A lição de que a fé não deve governar.
No presente, o eterno é pura pedra.
No centro de tudo pulsa e sangra a Vida.
A eterna taça perdida.
SEGUNDA MORTE
O pelotão avança, cascata de passos
Em adágio, botas resvalando relva.
Coração acelera. O homem calvo cobre
Meus olhos. Aguardo o fim.
Lembro negro olhar em chamas, encanto.
Fatal certeza... Morrer? Já morri por ti.
MISANTROPO
Tempestade à vista, vento abissal.
Recolher as roupas do varal.
Penetrar a gruta de cristal
Onde a voz de Deus ecoa.
Incenso, cantata de Bach.
Equilíbrio = solidão total.
LUZES DE MARFIM
Agora a poesia segue
é só que me segue, afinal.
Sentidos de sol.
Primaveras de cerejas.
A tarde tocando teus cabelos,
brisa ao redor. Teu lábio.
Aquele beijo paterno
na testa da menina.
Vôos meus que seguiam borboletas.
As belas horas tatuadas no espírito
liberto do grito inútil.
Fixado no etéreo, os sonhos
flanando quimeras de asas de seda,
o infinito aplaudindo em luzes de marfim.
HO CHI MIN
O homem se inicia na pele nua.
A pele nua cobre a máquina perfeita
e a alma perfeita em Ho.
Amo a oriental certeza
de que a beleza mora dentro
da pele tecida
curtida de sole neve.
Foi assim - Ho Chi Min.
Tecido rústico, túnica leve.
Sandálias de borracha percorrendo trilhas.
Doze tigres guardados no itinerário único
de seus passos altruístas.
Foi assim, simples como a rota de um pássaro,
que, Ho Chi Min, vestido de arrozais serenos,
descortinado de coragem, força, sabedoria,
reinventou a vitória do espírito forte,
contra frios fuzis e helicópteros ianques.
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Quando o poema emerge
Estridente
Emudece o verão
Escurece a primavera
Incendeia o outono
Poetas são cigarras
No apocalipse
Sempiterno som
Canto que incomoda
Sacode as esfinges
As filosofias vãs
Canto ecoa em muralhas pagãs
Invade corredores
Cola ao som o aroma hortelã
Das festas de antes
Arranca lágrima cinza
No silêncio laranja de Guantánamo
O som ardido trinca o sol
Escorre gema zelosa
Nas chagas das crianças
Da África inteira
Canta a primavera afogada
Da vida ceifada.
A cigarra segue
No apocalipse sem volta
Anoitece areias de Fallujah
Todas as ruas da Faixa de Gaza
Cigarras no apocalipse
São poetas em desalinho
Gestados no ventre escuro
Ninfas subterrâneas
Emergem em canto e vôo
Ao som da trombeta
De um anjo sem olhos.
SEAN CONNERY E EU
Sean dança comigo
Na casa suspensa
De janelas andantes
Cercada de sóis
Sean sorri girassóis
Liberta todos os bemóis
Da orquestra das estrelas
Gestos dele – Iluminura –
Rei Arthur em sua armadura
Cavalga o silêncio
Atravessa pontes de aço
Sean Connery depois da batalha
Esquenta seus pés gelados nos meus
E me cobre com estrelas e nuvens
Enquanto me rasga dentro a mostrar
O quanto dói - em delícia – amar!
E amar Sean Connery dói bem mais.
CHÁ PARA AS BORBOLETAS
Janela - espelho meu.
Fragrância de almíscar selvagem
me violenta.
Menino com aura violeta.
Jovem com juba desgrenhada.
Velocidade lenta.
Garganta do poço este túnel
cinza, onde trafego dias.
Penso na infância, sombra
dos eucaliptos, recanto secreto
onde eu servia chá às borboletas.
SUICIDA
Abismo nô. Correnteza nômade.
Sinistro vento. Lágrima.
Estou sentado na ponte de pedra.
Sopros do antigo resgatam frases.
Tela ilusória refletindo imagens.
Continuo sentado na ponte de pedra.
Domingo. Ponte vazia.
Peixe azul me acena
feito uma nereida - venha!
Ouço a respiração do
caracol.
Me despeço do sol.
E me atiro da ponte de pedra.
O CENTAURO NO JARDIM
Sou uma esfinge
leoa-mulher
e amo
um centauro em um jardim.
Morreria por ele.
De herança:
minha pata-leoa.
minha mão escritora.
A mesma que tocou os cabelos
do mitológico ser
e o amou
um amor enjaulado
um amor siderado.
Dói amar um ser
que cavalga em poesia
que grita belezas no silêncio...
A esfinge se cala
e entrega
de mão beijada
o centauro amado
a quem jamais
o amou assim.
(Leitura poética do livro O centauro no jardim, de Moacyr Scliar)
ANCORANDO ESTRELAS
Sonhei com Dian Fossey
aquela que vivia entre orangotangos.
Comprarei um peixe dourado
e sorrirei para ele
no café da manhã.
Poetas são marinheiros,
a diferença é que seus portos são estrelas
e nunca ancoram
no meu coração - cais.
Aparição sonhada:
Teus olhos negros na soleira.
Seremos dois a sorrir para o peixe dourado.
TRANSPARÊNCIA
No instante do milagre
segredos descem penhascos,
espelhos, memórias, casas.
Trechos da vida à beira da ruína
todos guardam para si.
Ninguém é transparente feito água Ouro Fino.
LEQUE DE NUVENS PARA O DEUS DAS ONDAS
O leque de nuvens se reflete
na areia de mármore.
Alento de tarde pagã.
Distante, a carranca do deus das ondas
escureceu o mar.
O coqueiro se eriça.
Cais sobre mim
feito neve nos Alpes.
E a tarde abraça o nosso abraço.
À MARGEM DO SOL
Cuido que nosso amor não seja astro morto.
Rego a lua, aro estrelas, fumaça ao redor.
Camisola de pérolas, pés descalços,
Pergaminhos perfumados
recebem a escritura de anjos invisíveis:
"A poeta ara estrelas com mãos aladas,
rega a lua com brisa perfumada.
Cuida que a lua seja girassol
estrelas floresçam em rosas azuis.
Colore vulcões extintos - vasos de luz.
Prepara frutos para o banquete à margem do sol.
Nua, solar, à espera da tarde antiga
(dois poetas, o poente, rosas azuis).
DEUS NO ORVALHO
(para Jorge Luis Borges)
Jardim perfumado de Istambul.
Sol intolerável beija a rosa azul
no vaso branco, dois cães cor da lua
ao redor.
Teus olhos se perdem na rosa nua.
Olhos da cor do Mar Cáspio na aurora.
Gota de orvalho baila na pétala.
Cristal.
Ponto no espaço - Aleph
descortina o universo.
Sonhos enxertados de sóis, desertos,
aromas, fauna, primaveras, borrascas.
Todo universo na gota clara
que cobre a rosa. A lágrima desce solar ao
lábio carmesim, e o peito arde de amor e luz.
CATEDRAL DE VIDRO
Avesso e direito, tudo é mesma coisa.
Assim dizendo quero dizer
Que és dentro e fora
Sol e superfície.
Um espelho refletindo dos dois lados.
Uma catedral de vidro.
Anjos azuis exilados do eterno
Vieram a ti e se colaram.
À tua face, à tua voz.
Ao teu terreno coração, que eu amo.
CAMINHO
Havia a aurora boreal no livro de vovô,
a lenda chinesa, as badaladas sinistras
do relógio de madeira, arco-íris, chuvas,
enxurradas, vovó recitando Alan Poe.
Havia o cheiro de canela, bolinhos,
a lenha ardendo vermelho-vivo,
o canto doce das cigarras,
o primeiro amor, ecos de Woodstock.
Uma menina nua correndo da guerra,
uma cascata, canções de Assis.
Olhos claros que eram oceano e céu.
Havia na alma a torrente da vida,
escrevi a primeira sílaba,
a segunda - até hoje escrevo - quantas mil?
LENDO CLARICE LISPECTOR
Mulheres
Sofrem meio às rosas
Espinhos escondidos
Em seus cabelos.
Seios nus
Beijados pelo amado.
Lençóis ao vento.
Vela de um barco
Onde o timão balança
Entre a neve
E a primavera.
Todos sofrem:
A gota prata
Do orvalho na rosa
É lágrima fêmea
Que brilha
Enquanto sofre.
ETERNO GRAAL
Homens, esses homens que são nada.
Nada de sonhos, nada de poesia.
São nada a buscar a fonte seca
dos segredos, nunca desvendados.
Nunca a resposta. Nunca será dada.
A sua sede, nunca saciada.
Sempre noite infinda e vazia:
Desvendar astros e no peito aragem fria.
Do passado falam de bibliotecas,
pergaminhos, hereges queimados por magia.
A lição de que a fé não deve governar.
No presente, o eterno é pura pedra.
No centro de tudo pulsa e sangra a Vida.
A eterna taça perdida.
SEGUNDA MORTE
O pelotão avança, cascata de passos
Em adágio, botas resvalando relva.
Coração acelera. O homem calvo cobre
Meus olhos. Aguardo o fim.
Lembro negro olhar em chamas, encanto.
Fatal certeza... Morrer? Já morri por ti.
MISANTROPO
Tempestade à vista, vento abissal.
Recolher as roupas do varal.
Penetrar a gruta de cristal
Onde a voz de Deus ecoa.
Incenso, cantata de Bach.
Equilíbrio = solidão total.
LUZES DE MARFIM
Agora a poesia segue
é só que me segue, afinal.
Sentidos de sol.
Primaveras de cerejas.
A tarde tocando teus cabelos,
brisa ao redor. Teu lábio.
Aquele beijo paterno
na testa da menina.
Vôos meus que seguiam borboletas.
As belas horas tatuadas no espírito
liberto do grito inútil.
Fixado no etéreo, os sonhos
flanando quimeras de asas de seda,
o infinito aplaudindo em luzes de marfim.
HO CHI MIN
O homem se inicia na pele nua.
A pele nua cobre a máquina perfeita
e a alma perfeita em Ho.
Amo a oriental certeza
de que a beleza mora dentro
da pele tecida
curtida de sole neve.
Foi assim - Ho Chi Min.
Tecido rústico, túnica leve.
Sandálias de borracha percorrendo trilhas.
Doze tigres guardados no itinerário único
de seus passos altruístas.
Foi assim, simples como a rota de um pássaro,
que, Ho Chi Min, vestido de arrozais serenos,
descortinado de coragem, força, sabedoria,
reinventou a vitória do espírito forte,
contra frios fuzis e helicópteros ianques.
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