domingo, 17 de agosto de 2025

Asas da Poesia * 73 *


Trova de
JOSÉ RODRIGUES FERNANDES 
Fortaleza/CE (1910 – ????)

Chora o vento lá por fora...
Chora a chuva e vão-se as águas.
O coração também chora,
mas nunca se vão as mágoas.
= = = = = =

Poema de 
ELVIRA BARBOSA CAMARINHA
Braga/Portugal

Donzela

Com violino e rabeca
donzela me sinto,
ao toar de Agosto quente,
com a alma ardente,
corpo decente.

Tesouro guardado.

Chave do cofre, escondida
algures,
perdida,
sinal de nova vida!

Donzela
nua de pés,
adormece na sua tela!

Tesouro apetecido.

Saudades tuas
serão manhãs cruas...
donzela perdeu a sensualidade,
pecado arremessado
pelos senhores da Verdade!
Prazo de validade...

Tesouro requisitado.

Tarde,
fez-se noite,
a donzela fechou-se...
cadeado!

Saudades donzela do
teu Amor quente,
enfeitiçado!

Donzela liberou o passado...
e dela ficou o beijo molhado.
= = = = = = 

Limerique de
NILTON MANOEL
Ribeirão Preto/SP, 1945 – 2024

Limerique Urbano IV

Pela longa rua da feira
tem tudo de bom e primeira;
vê-se a granel,
quentinho. pastel...
Tem até gente barraqueira.
= = = = = = 

Poema de
SÉRGIO TAVARES
Piabetá/RJ

Eu te peço perdão

Eu te peço perdão, por ser tão inexato,
por não possuir a claridade desse dia,
por ter uma visão de mentecapto,
por ter a vida, assim, sempre vazia.

Eu te peço perdão, por não estar onde me queres,
por dizer não, quando na verdade te queria,
por sorrir, quando tanto tu choravas,
mas, por chorar, quanto tanto tu sorrias.

Mas não me culpe se tudo deu errado,
se o teu amor nunca foi correspondido,
pois apesar de estar sempre do teu lado,
meu sentimento foi mal compreendido.

Culpe menos ainda o meu verso,
que é apenas uma forma de sangria,
é, apenas, o reflexo do meu reverso,
e se nasceu foi porque tu morrias.
= = = = = = 

Trova de
APARÍCIO FERNANDES
Acari/RN, 1934 – 1996, Rio de Janeiro/RJ

Conheço um tipo de fome
que não se farta de pão:
fome de amor!  Eis o nome
da fome do coração!...
= = = = = = 

Soneto de
EMÍLIO DE MENESES
Curitiba/PR, 1866 – 1918, Rio de Janeiro/RJ

Alcoolismo

A leitura do tópico tremendo
À lembrança me trouxe uma anedota
Velha, tão velha quanto aquela bota
Que era toda o Larousse do remendo.

Certo alcoolista, um sábio artigo lendo
De um médico alemão de grande nota
Contra o álcool, diz em compulsão devota:
"Como ele prova quanto o vício é horrendo!"

E acrescenta: "A verdade em mim desperta!
Eu não quero pelo álcool cair morto,
Vou dizê-lo bem alto e de alma aberta!"

Tal leitura me traz tanto conforto,
Que vou beber saudando a descoberta
Três garrafas de bom vinho do Porto!...
= = = = = = = = = 

Trova de
PROFESSOR GARCIA
Caicó/RN

Amores na mocidade!...
Depois, a contrapartida:
cansaço, dor e saudade
na curva extrema da vida!
= = = = = = 

Poema de 
RABINDRANATH TAGORE
Índia (1861 - 1941) 

Julgamento

Não julgues...
Habitas num recanto mínimo desta terra.
Os teus olhos chegam
Até onde alcançam muito pouco...
Ao pouco que ouves
Acrescentas a tua própria voz.
Mantém o bem e o mal, o branco e o negro,
Cuidadosamente separados.
Em vão traças uma linha
Para estabelecer um limite.

Se houver uma melodia escondida no teu interior,
Desperta-a quando percorreres o caminho.
Na canção não há argumento,
Nem o apelo do trabalho...
A quem lhe agradar responderá,
A quem lhe agradar não ficará impassível.
Que importa que uns homens sejam bons
E outros não o sejam?
São viajantes do mesmo caminho.
Não julgues,
Ah, o tempo voa
E toda a discussão é inútil.

Olha, as flores florescem à beira do bosque,
Trazendo uma mensagem do céu,
Porque é um amigo da terra;
Com as chuvas de Julho
A erva inunda a terra de verde,
e enche a sua taça até à borda.
Esquecendo a identidade,
Enche o teu coração de simples alegria.
Viajante,
Disperso ao longo do caminho,
O tesouro amontoa-se à medida que caminhas.
(tradução de José Agostinho Baptista)
= = = = = = 

Trova de 
WANDA DE PAULA MOURTHÉ
Belo Horizonte/MG

Esta angústia indefinida,
que sempre à noite me invade,
são sombras próprias da vida
ou disfarces da saudade?
= = = = = = 

Soneto de 
AMILTON MACIEL MONTEIRO
São José dos Campos/SP

Não tenha inveja!

O voo do urubu tão silencioso
e, na aparência, sem esforço algum,
nos lembra um parapente fabuloso,
cujo piloto tem risco comum....

O nosso pobre abutre é bem feioso,
mas seu voar supera qualquer um;
enquanto o voo à vela é majestoso,
perigo o urubu não tem nenhum!

A lei protege até sua existência,
por sua importante excelência,
limpando sem cansar a Natureza!

Vendo o urubu no céu, não tenha inveja,
(como de quem com risco é que veleja),
já que o manjar do abutre é a impureza!
= = = = = = 

Trova de
ZAÉ JÚNIOR
Botucatu/SP, 1929 – 2020, São Paulo/SP

A esperança do colono
de sol a sol é cativa...
mas seu patrão não é dono
dos sonhos que ele cultiva!
= = = = = = 

Hino de
NOVA GRANADA/SP

Sob as bênçãos de São Benedito,
do valente Francisco dos Santos,
veio a nós este solo bendito,
a quem vou dedicar o meu Canto.

No começo eras Vila Bela,
com orgulho lembra a gente tua;
outro nome surgiu nesta tela,
mas o amor de teus filhos continua!

Deus te salve, oh, Granada,
do "São João" ao "Pitangueiras",
para sempre, terra amada,
do "Matão" ao "Corredeira".

Teu passado é glorioso,
tua face é altaneira;
do teu povo laborioso
é a paz, "Cidade Hospitaleira"!

Brava gente chegada da Espanha
fez o nosso progresso aumentar
e, de força irmanada tamanha,
nossa Nova Granada aí está.

Teu passado foi feito de glórias,
teu presente à luta pertence,
teu futuro já tem uma história;
que alegria é morrer granadense!
= = = = = = 

Trova de
RITA MOURÃO 
Ribeirão Preto/SP

Com as chaves da alvorada,
Deus que é poder e magia,
deixa a noite enclausurada
e abre as portas para o dia.
= = = = = = 

Recordando Velhas Canções
QUEM É ...
(fox, 1959) 
Oldemar Magalhães e Osmar Navarro

Quem é...
Que lhe cobre de beijos
Satisfaz seus desejos
E que muito lhe quer... Quem é

Quem é...
Que esforços não mede
Quando você lhe pede
Uma coisa qualquer

Quem é...
Que de você tem ciúmes
Quem é 
que lhe ouve os queixumes
= = = = = = = = = = = = = 

Trova de
CLARINDO BATISTA ARAÚJO
Jardim do Piranhas/RN, 1929 – 2010, Natal/RN

Negra cinza no chão pobre
que resultou da queimada,
é o triste manto que cobre
a Natureza enlutada!...
= = = = = = = = =

Poema de
MACHADO DE ASSIS 
Rio de Janeiro/RJ, 1839 – 1908

Gonçalves Crespo

Esta musa da pátria, esta saudosa
Níobe dolorida,
Esquece acaso a vida,
Mas não esquece a morte gloriosa.

E pálida, e chorosa,
Ao Tejo voa, onde no chão caída
Jaz aquela evadida
Lira da nossa América viçosa.

Com ela torna, e, dividindo os ares,
Trépido, mole, doce movimento
Sente nas frouxas cordas singulares.

Não é a asa do vento,
Mas a sombra do filho, no momento
De entrar perpetuamente os pátrios lares.
= = = = = = = = =  

Trova de
LUCÍLIA A. T. DECARLI 
Bandeirantes / PR

Lembrando auroras passadas,
dos momentos mais felizes,
vou transpondo as madrugadas
e esquecendo as cicatrizes...
= = = = = = = = =  

Poema de
DOMINGOS FREIRE CARDOSO
Ilhavo/ Portugal

Foram levando qualquer coisa minha
(Mário Quintana, in “Rua dos Cataventos”)

Foram levando qualquer coisa minha
Os ocasos que eu tanto apreciava
Como se o sol morrendo envolto em lava
Me roubasse o que em minha alma eu tinha.

De cada vez que a luz, régia rainha
Do meu olhar carente se ocultava
Levava o que mais rico em mim achava
Até do meu ser não restar nadinha.

Corpo seco, sou concha de molusco
Solto à beira da praia onde eu busco
A minha alma por quem ando a penar,

E se o destino não me deixar tê-la
No fim de cada tarde eu venho vê-la
À hora em que o sol cá se vem deitar.
= = = = = = = = = 

Trova de
MARIA HELENA OLIVEIRA COSTA 
Ponta Grossa/PR

Na vida, mestra da gente,
tudo tem vez e tem hora:
só conhece o seu poente
quem já viveu sua aurora...
= = = = = = = = =  

Soneto de
OLAVO BILAC
Rio de Janeiro/RJ, 1865 – 1918

Velhas árvores

Olha estas velhas árvores, mais belas
Do que as árvores novas, mais amigas:
Tanto mais belas quanto mais antigas,
Vencedoras da idade e das procelas...

O homem, a fera, e o inseto, à sombra delas
Vivem, livres de fomes e fadigas;
E em seus galhos abrigam-se as cantigas
E os amores das aves tagarelas.

Não choremos, amigo, a mocidade!
Envelheçamos rindo”! Envelheçamos
Como as árvores fortes envelhecem:

Na glória da alegria e da bondade,
Agasalhando os pássaros nos ramos,
Dando sombra e consolo aos que padecem!
= = = = = =

Trova de
MASSILON SILVA 
Aracaju/SE

Gosto de te ver passar
trazendo os raios da aurora,
todo dia a clarear
a rua em que a gente mora.
= = = = = = = = =  

Poema de
CECÍLIA MEIRELES
Rio de Janeiro RJ, 1901-1964

De que são feitos os dias?
- De pequenos desejos,
vagarosas saudades,
silenciosas lembranças.

Entre mágoas sombrias,
momentâneos lampejos:
vagas felicidades,
inatuais esperanças.

De loucuras, de crimes,
de pecados, de glórias
- do medo que encadeia
todas essas mudanças.

Dentro deles vivemos,
dentro deles choramos,
em duros desenlaces
e em sinistras alianças...
= = = = = = 

Trova de
REGINA RINALDI 
Pariquera-Açu/SP

Acordada, vejo a aurora
pintar de laranja o céu,
doces lembranças de outrora
descortinam feito véu!...
= = = = = = = = =  

José Feldman (A Nostalgia dos Velhos Tempos)

(Esta crônica obteve o 2. lugar no X Prêmio Literário “Gonzaga de Carvalho”, 2025, da Academia de Letras de Teófilo Otoni/MG, para acadêmicos correspondentes)
 
Vivemos em um mundo onde a comunicação é um ritual. 

Os telefones de antigamente, com seus cabos emaranhados e o disco giratório, eram uma obra de arte em si. Não havia toque de tela, nem mensagens instantâneas. Para fazer uma ligação, era preciso paciência. Cada número discado era como uma pequena oração, um pedido ao universo para que a conexão se estabelecesse. E quando alguém atendia, era como se um portal se abrisse entre duas realidades.

As máquinas de escrever eram o coração dos escritórios. Cada tecla pressionada ressoava como uma batida, e o som da fita deslizando era música para os ouvidos de muitos. Havia algo quase mágico em ver as palavras surgirem na página. Erros? Ah, os erros eram uma tragédia! A fita corretiva era um recurso precioso, mas muitas vezes deixava marcas indesejadas.

Em contraste, os computadores modernos oferecem uma facilidade sem precedentes. Com um simples clique, podemos editar, apagar e reformular nossos textos. As palavras fluem com a rapidez dos pensamentos. No entanto, essa facilidade também trouxe distrações. Redes sociais e notificações incessantes competem pela nossa atenção, tornando quase impossível se focar no que realmente importa. A escrita, muitas vezes, se perde em meio a um mar de informações.

Quem se lembra dos mimeógrafos? Aqueles aparelhos que exalavam um cheiro característico de tinta fresca e que nos permitiam fazer documentos em série, mas que exigiam cuidado e habilidade. A espera pela secagem do papel era um momento de expectativa. Com a chegada das impressoras a jato de tinta e laser, a produção de documentos tornou-se instantânea. O papel, antes tão precioso, agora é descartado em grandes quantidades, e as preocupações ambientais crescem.

Os carros, ah, os carros. Lembro-me dos carros antigos, com suas chaves de ignição, que exigiam um pouco mais de interação e cuidado. O cheiro da gasolina, o som do motor, a troca de marcha. Faziam nos conectar com o mundo, mas também exigiam nossa atenção constante. Hoje, os carros se tornaram verdadeiros computadores sobre rodas. Com painéis digitais, assistentes de voz e GPS, a condução se tornou mais fácil e segura. No entanto, a dependência da tecnologia traz novos desafios. O ato de dirigir, que antes era um momento de reflexão, agora virou uma experiência passiva, onde o motorista se desliga do que acontece à sua volta.

A era dos smartphones revolucionou a maneira como nos comunicamos. Com um toque, estamos conectados a amigos, familiares e ao mundo. A informação flui a uma velocidade inimaginável. No entanto, essa conexão constante tem seus efeitos colaterais. A ansiedade e a pressão para estar sempre disponível criaram uma cultura de imediatismo que pode ser desgastante. Os momentos de silêncio e introspecção, tão essenciais para a saúde mental, tornaram-se raros.

Enquanto olhamos para trás e admiramos os equipamentos que moldaram nossas vidas, é impossível não reconhecer as melhorias que a tecnologia trouxe. A comunicação, a produtividade e a mobilidade foram ampliadas de um modo que nossos antepassados nunca poderiam imaginar. Contudo, é fundamental encontrar um equilíbrio. A nostalgia pelos tempos passados não deve nos impedir de aproveitar os avanços que temos hoje, mas também deve nos lembrar da importância dos momentos de desconexão e reflexão.

Assim, seguimos adiante, navegando entre o que foi e o que é, buscando sempre uma harmonia entre a inovação e a essência do que significa ser humano.
* * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * 
JOSÉ FELDMAN, poeta, trovador, escritor, professor e gestor cultural. Formado em patologia clínica trabalhou por mais de uma década no Hospital das Clínicas. Foi enxadrista, professor, diretor, juiz e organizador de torneios de xadrez a nível nacional durante 24 anos; como diretor cultural organizou apresentações musicais. Morou na capital de São Paulo, em Taboão da Serra/SP, em Curitiba/PR, Ubiratã/PR, Maringá/PR. Consultor educacional junto a alunos e professores do Paraná e São Paulo. Pertence a diversas academias de letras, como Academia Rotary de Letras, Academia Internacional da União Cultural, Confraria Luso-Brasileira de Trovadores, Academia de Letras de Teófilo Otoni, etc, possui os blogs Singrando Horizontes desde 2007, e Pérgola de Textos, um blog com textos de sua autoria, Voo da Gralha Azul (com trovas do mundo). Assina seus escritos por Floresta/PR. Dezenas de premiações em poesias e trovas no Brasil e exterior.
Publicações de sua autoria “Labirintos da vida” (crônicas e contos); “Peripécias de um Jornalista de Fofocas & outros contos” (humor); “35 trovadores em Preto & Branco” (análises); e “Canteiro de trovas”.. No prelo: “Pérgola de textos” (crônicas e contos) e “Asas da poesia”

Fonte:
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Aparecido Raimundo de Souza (Pequenos milagres que vieram com o sorriso do teu rosto)

 Raiz e nome:
Sou a Ellen — de Aparecido vem a luz que mora em mim.
Ellen de Souza (para meu avô Aparecido)
 
Coração partido
Chuva na janela, teu nome ecoa no vento… 
O silêncio me dói.

Ausência
O café esfria só, teu lugar vazio pesa… 
O tempo não cura.

Lembrança
No lençol dobrado, o perfume ficou… 
Fere mais que um adeus.

Promessa quebrada
A lua testemunha juras feitas no escuro… 
Hoje não valem.

Reencontro impossível
Na estação vazia, te espero sem esperança… 
O trem já passou.

Amor não dito
Palavras guardadas, pesam mais que despedidas… 
Nunca te falei.

Amor que ficou
Folhas no outono, caem sem saber do vento… 
Assim fui de você: desejo e paixão.

Toque suspenso
Olhar que desliza, a pele arde sem contato… 
O tempo congela.

Fogo contido
Chama no peito, teu nome acende tudo… 
Não sei apagar.

Noite vermelha
Lençóis em batalha, suspiros rasgam o ar… 
A lua nos vê.

Desejo oculto
Entre mil palavras, teu silêncio me provoca… 
Quero o não dito.

Paixão breve
Beijo relâmpago, trovão dentro do peito… 
Restou o calor.

Vazio noturno
Lençol sem dobras, o espaço onde dormias… 
Grito sem som.

Ausência quente
Travesseiro quente, mas não é teu calor… 
O sonho me engana.

Madrugada lenta
O relógio não anda, na cama o tempo se estende… 
Sem teu abraço.

Fantasma do toque
A cama ainda cheira a ti, que já foste embora… 
Meu corpo implora.

Silêncio de lençol
Dobro o cobertor, como quem esconde o fim… 
Cama sem nós dois.

Fim suspenso
Porta entreaberta… teu passo nunca voltou… 
Adeus sem som.

Palavra engasgada
Na garganta, o “fica” morreu antes do suspiro… 
Partistes sem ver.

Olhar final
Vi-te indo embora, mas teus olhos ficaram… 
Não sei se foi o fim.

Tempo quebrado
O relógio parou no instante do quase… 
Adeus sem tempo.

Última mensagem
Escrevi “te amo”, apaguei antes de te enviar… 
Ficou no azul.

Sombra fiel
Mesmo na luz clara, ela caminha comigo… 
Não sabe partir.

Noite sem fuga
Fecho mil portas, mas o medo entra mudo… 
Dorme a meu lado.

Corpo alerta
O silêncio me grita, o medo veste meu nome… 
Sou seu abrigo.

Sem testemunha
Olho no espelho, há algo atrás do reflexo… 
Ninguém para ouvir.

Coração refém
Bate acelerado, não por amor ou desejo… 
É só o terror.

Presença sonhada
Se tu estivesses, o silêncio teria som… 
Teu riso em mim.

Espaço preenchido
A cama não seria um campo de travesseiros … 
Apenas abrigo.

Tempo gentil
O relógio sorriria, seus ponteiros dançariam… 
com tua chegada.
* * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * 
Aparecido Raimundo de Souza, natural de Andirá/PR, 1953. Em Osasco, foi responsável, de 1973 a 1981, pela coluna Social no jornal “Municípios em Marcha” (hoje “Diário de Osasco”). Neste jornal, além de sua coluna social, escrevia também crônicas, embora seu foco fosse viver e trazer à público as efervescências apenas em prol da sociedade local. Aos vinte anos, ingressou na Faculdade de Direito de Itu, formando-se bacharel em direito. Após este curso, matriculou-se na Faculdade da Fundação Cásper Líbero, diplomando-se em jornalismo. Colaborou como cronista, para diversos jornais do Rio de Janeiro e Minas Gerais, como A Gazeta do Rio de Janeiro, A Tribuna de Vitória e Jornal A Gazeta, entre outras.  Hoje, é free lancer da Revista ”QUEM” (da Rede Globo de Televisão), onde se dedica a publicar diariamente fofocas.  Escreve crônicas sobre os mais diversos temas as quintas-feiras para o jornal “O Dia, no Rio de Janeiro.” Acadêmico da Confraria Brasileira de Letras. Reside atualmente em Vila Velha/ES.

Fontes:
Texto enviado pelo autor. 
Imagem criada por Jfeldman com Microsoft Bing 

Renato Frata (Folha vazia)

Diante de mim jazia uma folha vazia, solta sobre a mesa escura. Parecia, no seu esplendor branco e intocado, que chamava por mim nesse pretenso abandono e refleti: talvez o exagero de sua alvura se tenha feito pelo reflexo da janela que se deita com ela no tampo. 

Luz e folha, então, compuseram algo: o contraste entre o escuro e o claro fazendo-se notar, atraiu meus olhos e, com eles, o olhar. 

Ou seria minha imaginação?

Há momentos em que a percepção dá às coisas conotação inesperada: a flor olhada todos os dias, repentinamente nos parece mais bela; os olhos dos filhos que se mostram mais brilhantes, e por que não, uma folha displicentemente largada sobre um tampo a pedir por um traço, ou uma letra.

Sim, a folha branca pedia para ser maculada. Meus dedos, olhei-os, se paralisaram para depois se contraírem em rejeição. Gesto desnecessário, já que na estante ao lado havia à disposição, uma caixa com vários lápis. 

À minha frente se estendia a casta folha retangular exposta à luz como a pedir que lhe quebrasse a pureza. Não pretendia ela ser indefinidamente folha sem vida e sem alma, como são as folhas virgens, mesmo se dispostas soltas em tampos de mesa sob o sol da manhã.

Firmei então o olhar para o conjunto do ambiente como se procurasse orientação: a sala que nos abrigava, o sol bisbilhoteiro que a janela invadia, os móveis lustrados que nos assistiam, os retratos que paralisados, nos espiavam a querer enxergar o hoje no tempo que já se foi, a lâmpada pendente em fio estático, os tapetes que riam com suas estampas floridas. O conjunto sensato de um ambiente de lar. 

Ninguém me olhava, conferi. Minhas mãos inertes aparentando incerteza, mendigavam comando de ação e então, levado por um desejo-sentimento, movi rapidamente um braço em direção à estante e peguei um lápis como se o surrupiasse e, instantaneamente, conferi sua ponta, agasalhei-o entre os dedos polegar e indicador. Baixei o punho à mesa e sobre a folha. 

Respirei quieto e compenetrado. Ergui a cabeça para bem enxergar o que iria fazer e, calmamente, risquei a meu modo o que meu veio à mente. 

Intimamente sorri, mas uma sensação de alívio me tomou por inteiro e um coração saído da minha mão para a ponta do lápis se perfez no traço, preenchendo a folha por inteiro.

Vi-o com olhos matreiros, de riso, de encanto, de missão completada. 

O desenho delicadamente traçado naquele corpo branco e desejoso da folha, deu-me a impressão – que loucura! – de vê-la feliz, tomada por igual encanto que coloriam meus olhos.

E aí, como não poderia deixar de ser, senti que meu íntimo estava tomado por aquela percepção estranha das coisas inesperadas, e me vi naquele contentamento, ter reprisado um ato delicioso e bem vivido: o descer de zíper seguido de um lento e sensual despir de vestido e, mais um pouco, um desmoçar desejado e bem realizado.    
* * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * 
Renato Benvindo Frata nasceu em Bauru/SP, radicou-se em Paranavaí/PR. Formado em Ciências Contábeis e Direito. Professor da rede pública, aposentado do magistério. Atua ainda, na área de Direito. Fundador da Academia de Letras e Artes de Paranavaí, em 2007, tendo sido seu primeiro presidente. Acadêmico da Confraria Brasileira de Letras. Seus trabalhos literários são editados pelo Diário do Noroeste, de Paranavaí e pelos blogs:  Taturana e Cafécomkibe, além de compartilhá-los pela rede social. Possui diversos livros publicados, a maioria direcionada ao público infantil.

Fontes:
Texto enviado pelo autor. 
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sábado, 16 de agosto de 2025

Guirlanda de Versos * 42 *

 

Arthur Thomaz (Roupas no varal)

Duas roupas, um traje feminino e outro masculino, penduradas no varal do quintal de uma antiga e decadente mansão, conversam. 

Ele: — Você está sentindo-se esquecida? 

Ela: – Não sei se a palavra adequada seria essa, talvez menosprezada seja a mais correta. E você? 

Ele: – Desvalorizado, inútil ou anacrônico, eu diria.

Ela: – E pensar que já tivemos dias bem melhores.

Ele: – Sem dúvidas, e hoje assim, patéticos, pendurados, secando ao sol. 

Ela: – Desprestigiados e substituídos por coloridos e grosseiros jeans. 

Ele: – Humilhante demais, para quem, como nós, já fomos assíduos frequentadores de tantos bailes de gala. 

Ela: – E tantas glamorosas solenidades.

Ele: — Fomos testemunhas de inúmeros amores, paixões irrefletidas, rompimentos e reconciliações.

Ela: – Tantas lágrimas nos molharam, às vezes, fingidas, mas outras também extremamente sentidas.

Ele: – E testemunhamos muitas furtivas traições.

Ela: – Presenciamos muitas cartas serem escritas, umas valiosas, outras vãs e algumas que sequer foram lidas.

Ele: – Quantas tramas foram urdidas em nossa presença, algumas infrutíferas e outras que destronaram reis e rainhas.

Ela: – Quantos projetos ficaram pelo caminho, guerras foram deflagradas e quantas derrotas foram amargadas.

Ele: – Vários sonhos dissiparam-se, deixando inúmeros corações destroçados e outros sem rumo.

Ela: – Demasiada ingratidão, não acha?

Ele: – Os sinais de ingratidão já começavam quando na hora suprema do sexo, arrancavam-nos, e às vezes, até nos jogavam ao chão.

Nessa hora, eles dois, em uníssono, bradaram.

– Ainda há tempo para repararmos essas injustiças.

E sem nada mais precisar dizer, aproveitaram uma lufada de um vento amigo, entrelaçaram-se e se amaram em intenso frenesi.
* * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * 
Arthur Thomaz é natural de Campinas/SP. Segundo Tenente da Reserva do Exército Brasileiro e médico anestesista, aposentado. Trovador e escritor, úblicou os livros: “Rimando Ilusões”, “Leves Contos ao Léu – Volume I, “Leves Contos ao Léu Mirabolantes – Volume II”, “Leves Contos ao Léu – Imponderáveis”, “Leves Aventuras ao Léu: O Mistério da Princesa dos Rios”, “Leves Contos ao Léu – Insondáveis”, “Rimando Sonhos” e “Leves Romances ao Léu: Pedro Centauro”.

Fontes:
Arthur Thomaz. Leves contos ao léu: imponderáveis. Volume 3. Santos/SP: Bueno Editora, 2022. Enviado pelo autor 
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Monteiro Lobato (O veado e o sapo)

Um veado e um sapo queriam casar com a mesma moça. Para decidirem a questão fizeram uma aposta. 

— Temos aqui esta estrada compridíssima. Vamos correr — propôs o veado. — Quem chegar primeiro, casa com a moça. 

O sapo concordou, e marcaram a prova para o dia seguinte. 

O veado saiu dali dando boas risadas. Um pobre sapo ter a pretensão de apostar corrida com quem? Justamente com ele, que era o animal de maior velocidade que existe! Ah, ah, ah!... 

Mas o sapo usou da esperteza. Reuniu cem companheiros, aos quais contou o caso, combinando o seguinte: de distância em distância, à beira da estrada, ficaria escondido um sapo, com ordem de gritar Gulugubango, bango, lê, sempre que o veado passasse por ele e cantasse Laculê, laculê, laculê. Enquanto isso, o sapo apostador ficaria, no maior sossego, esperando o veado no fim da estrada. 

Assim foi. Chegada a hora da corrida, o veado disparou que nem uma bala. Cem metros adiante cantou o Laculê, certo de que o sapo, lá atrás, nem ouviria. Mas com grande assombro ouviu a resposta adiante dele: Gulugubango, bango, lê. 

— Será possível? — pensou consigo o veado, e deu maior velocidade às canelas. Voou mais cem metros e cantou: Laculê, laculê, laculê, e ouviu adiante a resposta: Gulugubango, bango, lê. 

O veado começou a suar frio. Deu ainda maior velocidade às pernas, avançando mais duzentos metros, rápido como o relâmpago — e cantou o Laculê. Mas ouviu pela terceira vez, adiante, o Gulugubango, bango, lê. 

E desse modo até o fim da estrada, onde, mais morto que vivo, com as pernas a tremerem do grande esforço, o veado cantou pela última vez, com voz de quem não aguenta mais: Lá... cu... lê... Mas ouviu de novo a voz descansada do sapo, que respondia, adiante, sossegadamente: 

Gulugubango, bango, lê. Fora vencido. 

O veado jurou vingar-se. Na noite do casamento foi ao quintal do sapo e encheu de água fervente a lagoa onde ele nadava. Altas horas o sapo teve saudades da lagoa e veio tomar seu banho. Tchibum! — pulou dentro e morreu escaldado. 

O veado, então, muito contente da vida, casou-se com a viúva.
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Monteiro Lobato (José Bento Renato Monteiro Lobato) nasceu em 1882, em Taubaté/SP, e faleceu em 1948, em São Paulo. Foi promotor, fazendeiro, editor e empresário. Apesar de também escrever para adultos, ficou mais conhecido por causa dos seus livros infantis. Faz parte do pré-modernismo e escreveu obras marcadas pelo realismo social, nacionalismo e crítica sociopolítica. Já seus livros infantis da série Sítio do Picapau Amarelo possuem traços da literatura fantástica, além de apresentarem elementos folclóricos, históricos e científicos.Em 1900, ingressou na Faculdade de Direito de São Paulo. Em 1903, se tornou um dos redatores do jornal acadêmico O Onze de Agosto. Escreveu também para periódicos como Minarete, O Povo e O Combatente. Se formou em Direito no final do ano de 1904. Em 1908, se casou com Maria da Pureza. Com a morte do avô, em 1911, o escritor recebeu como herança algumas terras. Assim, decidiu morar na fazenda do Buquira. Ele passou a ser conhecido quando, em 1914, sua carta “Uma velha praga” foi publicada n’O Estado de S. Paulo. Em seguida, o autor criou o personagem Jeca Tatu. Três anos depois, desistiu da vida de fazendeiro e se mudou para São Paulo. Nesse ano, publicou o polêmico artigo Paranoia ou mistificação?, que critica as tendências modernistas. No ano seguinte, comprou a Revista do Brasil. Em 1920, fundou a editora Monteiro Lobato & Cia. Cinco anos depois, vendeu a Revista do Brasil para Assis Chateaubriand (1892–1968) e decretou a falência da editora Lobato & Companhia, que, a essa altura, já se chamava Companhia Gráfico-Editora Monteiro Lobato. Ele se tornou sócio da Companhia Editora Nacional. Se mudou para o Rio de Janeiro, em 1925. Dois anos depois, foi para Nova York, onde assumiu o cargo de adido comercial. Em 1929, devido à crise econômica, vendeu suas ações da Companhia Editora Nacional. No final de 1930, quando Getúlio Vargas (1882–1954) subiu ao poder, o escritor perdeu seu cargo de adido comercial. Retornou ao Brasil no ano seguinte. Em 1932, foi um dos fundadores da Companhia Petróleo Nacional. Anos depois, em 1941, o autor ficou preso, durante três meses, por fazer críticas ao regime ditatorial de Getúlio Vargas. Se tornou sócio da Editora Brasiliense, em 1946, ano em que decidiu morar na Argentina, onde foi um dos fundadores da Editorial Acteón. Voltou ao Brasil em 1947 e fez críticas ao governo de Eurico Gaspar Dutra (1883–1974). Em 1922, decidiu concorrer à cadeira número 11 da Academia Brasileira de Letras. Porém, desistiu da candidatura por não querer “implorar votos”. Já em 1926, voltou atrás e, novamente, concorreu a uma vaga na ABL, mas não foi eleito. Por fim, em 1944, recusou indicação para a Academia, em protesto por Getúlio Vargas ter sido eleito à Academia Brasileira de Letras em 1941

Fontes:
Monteiro Lobato. Histórias de Tia Nastácia. Publicado originalmente em 1937.
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