sábado, 27 de setembro de 2025

José Feldman (71 Anos de Gratidão e Memórias)

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Em setembro celebrei meus 71 anos de vida, e confesso que não consigo esconder a alegria de ter chegado até aqui. Não é só pela idade em si, mas por tudo que vivi, por tudo que vi mudar ao longo do tempo e por tudo que ainda tenho a agradecer. Há algumas décadas, chegar aos 70 anos era quase um feito heróico, um marco raro. Hoje, olho para trás e percebo como o mundo evoluiu, como a vida mudou, e como eu tive o privilégio de acompanhar cada pedacinho dessa transformação.

Eu sou do tempo dos carros como o Aero-Willys, o Karmann-Ghia e o Simca Tufão. Lembro bem do barulho característico de seus motores e da sensação de sentar em um banco que parecia eterno, feito de materiais duráveis, quase indestrutíveis. Ah, e os primeiros Fuscas! Aqueles carrinhos simpáticos que, com frequência, precisavam de um empurrãozinho para "pegar no tranco". Quem nunca passou por isso? E o afogador? Era quase um ritual matutino nos dias frios. Hoje, os carros são completamente diferentes, com injeção eletrônica, cheios de recursos tecnológicos. Mas, cá entre nós, parecem quase descartáveis, feitos de materiais leves, fáceis de substituir. Perderam aquele "peso" de durabilidade que os antigos tinham, mas em troca, ganharam praticidade.

Também sou do tempo do telefone com fio, aquele que para discar exigia girar um disco com paciência. Era quase um exercício de meditação! Depois, vieram os celulares, que começaram como um verdadeiro tijolo — pesados, grandes, com uma antena enorme. E hoje? Hoje, os celulares são pequenos, leves, cabem na palma da mão e fazem tudo: ligações, fotos, navegação... às vezes até mais do que eu consigo acompanhar! Mas, curiosamente, parecem ter nos afastado uns dos outros. As famílias, que antes se reuniam ao redor da mesa para almoçar e conversar sobre o dia, mal conseguem desgrudar dos celulares. Vejo isso com tristeza, comparando com os tempos em que o diálogo era o centro das refeições e o amor era partilhado em cada palavra.

E as ruas? Ah, como eram diferentes! Nos tempos da minha infância, jogávamos bola na rua, andávamos de carrinho de rolimã, e um carro ou outro passava raramente. Hoje, as ruas são como rios de asfalto, inundadas por uma correnteza de carros. Tanta pressa, tanto movimento, que já não há espaço para essas brincadeiras simples e saudáveis. A cidade que antes era feita de casas a céu aberto, hoje é uma floresta de prédios. É impressionante como tudo cresceu, para cima e para os lados.

Mas, apesar de tantas mudanças — algumas que me trazem nostalgia, outras que me impressionam —, hoje meu coração está repleto de gratidão. A celebração dos meus 71 anos não seria a mesma sem Krishna, minha amiga fiel, que esteve e está comigo em todos os momentos, na alegria e na tristeza, sempre me apoiando, sempre ao meu lado. Ela é aquela presença que me dá força, aquele porto seguro que só os verdadeiros amigos sabem ser.

E como não falar da minha companheira de quatro patas, a Sunshine? Desde que ela tinha pouco mais de um mês, criamos um vínculo tão especial que, hoje, ela é como um raio de sol em minha vida. Seu nome não poderia ser mais adequado. Todos os dias, ela ilumina minha jornada, afastando qualquer sombra que possa querer pairar sobre mim. Não importa o que aconteça, o olhar dela, cheio de amor, me lembra que há sempre algo pelo que sorrir.  

Mas, além dessas presenças tão próximas, há também os que, mesmo de longe, aquecem meu coração. Meu irmão e suas filhas, com quem compartilhei tantos momentos importantes da minha trajetória, ocupam um lugar especial na minha vida. A distância pode nos separar fisicamente, mas jamais diminuirá o sentimento que construímos ao longo dos anos. Somos parte uns dos outros, e sei que, mesmo nas ausências, eles torcem por mim, assim como eu torço por eles.  

E como esquecer os amigos, aquelas almas que cruzaram meu caminho e deixaram marcas profundas? Alguns estão perto, outros tomaram rumos diferentes, mas cada um deles contribuiu para que minha vida fosse mais rica, mais alegre e mais significativa. Foram risadas compartilhadas, conselhos trocados, ombros oferecidos nos momentos difíceis. São essas amizades que me ensinaram que, na caminhada da vida, nunca estamos sozinhos.

Hoje, ao olhar para tudo isso, só consigo sentir gratidão. Gratidão por cada memória vivida, por cada pessoa que cruzou meu caminho e por cada instante que me trouxe até aqui. Deus me abençoou com essas pessoas maravilhosas, e por isso, não há como não sorrir. Aos 71 anos, celebro não apenas minha vida, mas também as vidas que, de uma forma ou de outra, se entrelaçaram com a minha. E por tudo isso, só posso dizer: obrigado. Que venham mais anos, mais histórias e mais motivos para agradecer!
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JOSÉ FELDMAN, poeta, trovador, escritor, professor e gestor cultural. Formado em técnico de patologia clínica trabalhou por mais de uma década no Hospital das Clínicas de São Paulo. Devido à situação financeira insuficiente não concluiu a Faculdade de Psicologia, na FMU, contudo se fez e ainda se faz presente em mais de 200 cursos presenciais e online no Brasil e no exterior (Estados Unidos, México, Escócia e Japão), sendo em sua maioria de arqueologia, astronomia e literatura. Foi enxadrista, professor, diretor, juiz e organizador de torneios de xadrez a nível nacional durante 24 anos; como diretor cultural organizou apresentações musicais. Morou na capital de São Paulo, onde nasceu, em Taboão da Serra/SP, em Curitiba/PR, em Ubiratã/PR, em Maringá/PR. Consultor educacional junto a alunos e professores do Paraná e São Paulo. Pertence a diversas academias de letras, como Confraria Brasileira de Letras, Academia Rotary de Letras, Academia Internacional da União Cultural, Academia de Letras Brasil/Suiça, Confraria Luso-Brasileira de Trovadores, Academia de Letras de Teófilo Otoni, etc, possui os blogs Singrando Horizontes desde 2007, e Pérgola de Textos, um blog com textos de sua autoria, Voo da Gralha Azul (com trovas do mundo). Assina seus escritos por Floresta/PR. Dezenas de premiações em crônicas, contos, poesias e trovas no Brasil e exterior.
Publicações de sua autoria “Labirintos da vida” (crônicas e contos); “Peripécias de um Jornalista de Fofocas & outros contos” (humor); “35 trovadores em Preto & Branco” (análises); “Canteiro de trovas”; “Pérgola de textos” (crônicas e contos), “Caleidoscópio da Vida” (textos sobre trovas) e “Asas da poesia”.

sexta-feira, 26 de setembro de 2025

Chafariz de Trovas * 16 *

 

Asas da Poesia * 101 *


Poema de
CAILIN DRAGOMIR
Timisoara/ Romênia

O Sussurro do Vento

No campo verde, o vento dança...  
entre as folhas a sua voz se lança.  
Sussurros suaves, segredos da brisa  
contam histórias que a alma precisa.

As flores bailam em cores vibrantes,  
borboletas pintam o céu de alegria,  
a vida pulsa em tons desafiantes,  
numa sinfonia de plena harmonia.

E ao entardecer, o sol se recolhendo,  
dourando o horizonte, de modo estupendo.  

A natureza em sua beleza infinita  
é um poema que a vida recita.
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Poema de
LAURA ESTEVES
Rio de Janeiro/RJ

Novas bandeiras

Vai, Bandeirante,
navega pelas sujas águas do Tietê.
Já foram limpas, eu sei.
Segue pela Raposo Tavares.
Não te iludas pelas estradas,
confia em teus olhos:
são fábricas de esmeraldas,
edifícios de diamantes.
Guarda tudo em teu alforje de couro.
Adiante! Adiante!
Pega a Fernão Dias e toma o caminho do ouro.
Cuidado com o automóvel, Bandeirante.
Como tu, ele também mata.
Em seguida, o sul, sempre.
Busca o que restou da tribo guarani.
Lá, vestígios dos Sete Povos,
e, coitado de ti, o fantasma de Sepé Tiaraju.
Extermina-o, rápido!
Pois eu te afianço, velho Bandeirante,
ele não te dará descanso.
E, como antes, na catedral flutuante
— sina? destino? herança? —
o sino estará chamando o povo
para a missa de domingo.
Uma orquestra de crianças,
cabelos negros, escorridos,
estará tocando, à tua passagem,
tambores, liras, violinos.
O toque será um só:
vingança, vingança, vingança!
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Soneto de
JOÃO DA ILHA
(Ciro Vieira da Cunha)
São Paulo/SP, 1897 – 1976, Rio de Janeiro/RJ

Carnaval de um Pierrô

Carnaval! Carnaval! A turba louca
passa gritando pela rua em fora...
Nos "bares" e cabarés champanhe espoca
e a gente bebe até que venha a aurora...

Canta na rua um ébrio de voz rouca
versos canalhas que a ralé adora...
É quase madrugada... Em minha boca
amarga o sonho que meu peito chora...

Espero Colombina, alva de cal,
de olheiras de carvão e de olhos baços
que vem trazer-me ao quarto o Carnaval...

O doce Carnaval do meu desejo:
— As brancas serpentinas de seus braços
e o confete vermelho de seu beijo...
= = = = = = = = =   

Poema de
SUELY DE FREITAS MARTÍ
São Paulo/SP

Abismo de vidro

Caminho sobre o abismo de vidro
me despojando de tudo
o que algum dia tive:
nenhum dos meus sentidos
pode me ajudar agora.
Vazia
nada tenho a oferecer;
presa no não-tempo
tento enganar os guardiões
dessa noite longa
prestes a terminar.
Com um pé em cada dimensão
eu já não me importo:
só o que quero é voltar.
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Quadra Popular

No coração da mulher,
por muito frio que faça,        
há sempre calor bastante
para aquecer a desgraça.
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Soneto de
COLOMBINA 
(Adelaide Schloenbach Blumenschein)
São Paulo/SP (1882 – 1963)

Esse amor...

Há um abismo entre nós. E apesar dessa falta
de ventura e de paz, nosso amor continua...
Cada dia é maior, é mais forte e mais alta
e imperiosa a paixão que em nosso sangue estua.

Longe de ti, meu ser emocionado exalta
em rimas de ouro e sol — cada carícia tua!
E em meu verso, integral, canta, fulge, ressalta
o infinito de amor que o teu nome insinua...

Não me podes amar como eu quisera. É certo.
Mas não existem leis, nem certidões, nem peias,
quando os teus olhos beijo e as tuas mãos aperto.

Tardas... Mas, quando vens, eu sinto que me queres,
que pela minha voz, pelo meu beijo anseias,
e sou a mais feliz de todas as mulheres!
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Poema de
MÔNICA MONTONE
São Paulo/SP

Meu jardim

Eu daria o mundo
Por um canto em mim
Um pedaço de alma qualquer
Onde eu pudesse plantar a calma
Enfeitar meus afetos
E caber dentro do meu coração

Mas minha terra úmida
Está sempre tomada por outros grãos
Sementes de medo
Casulos de seda
Sede de ser única

Vago pelas noites
Como um vaga-lume pelas manhãs

No espelho, não me vejo
Pressinto, apenas, o gosto do gozo
O delírio de aceitar-me
E caber, finalmente
Neste corpo quente que me aquece
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Soneto de
CORINA REBUÁ
Rio de Janeiro/RJ (1899 – 1957)

Que insônia!

Como faz frio neste quarto agora!
A chuva bate em cheio na vidraça.
E o relógio da igreja, de hora em hora,
Soa. Há passos na rua... E a ronda passa...

Não consigo dormir. Como demora
Esta vigília que me torna lassa!
Se abro um livro, não leio. E lá por fora
Chove. Há passos na rua... E a ronda passa...

Dormes? Não creio... Eu sei que estás velando,
Porque eu pressinto que, de quando em quando,
Vem o teu corpo fluídico e me enlaça.

O relógio da igreja está batendo.
São quatro horas... Que insônia! Está chovendo.
Ouço passos na rua... E a ronda passa.
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Poema de
JIDDU SALDANHA
Rio de Janeiro/RJ

poema noite

noite, canta pra mim
assim, grilo no telhado
centelha de vida e sonho
engendra suave desejo
velejando tua partitura

urdida de esperanças
canta teu silêncio ao grilo
brilhando suave e vazia
apaziguando as estrelas
estremecidas de frio
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Soneto de
DIMAS GUIMARÃES
Fazenda Paraná/MG, 1922 – 2000, Nova Serrana/MG

Caleidoscópio

Outrora, foste a pérola mais pura
e mais bela dos mares do Japão,
messe dourada, fonte de ternura,
o tesouro encantado de Jasão.

E, sendo a mais perfeita criatura,
— flor adulta com ares de botão —
eras linda promessa de ventura,
gema rara da Líbia ou do Industão.

Mas veio o outono... As folhas amarelas
lembram extintos sonhos de donzelas...
Sonhos que o tempo rápido esfumou...

E, em vão, procuro pelo teu encanto,
e reparo — olhos úmidos de pranto —
nem a pureza o tempo conservou...
= = = = = = = = =   

Poema de
HAIDÊ VIEIRA PIGATTO
Bento Gonçalves/RS

Quintessência

Amores, todos doem um pouco
todos são laços de fita
correntes de ouro
calda de açúcar
vertem sucos
pelos poros
pelos olhos
pela noite adentro
e de manhã se esquecem
dos relógios implacáveis
parados na eternidade
em olhos de veludo.
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Glosa de
GILSON FAUSTINO MAIA
Rio de Janeiro/RJ

MOTE: 
Quem não tem medo da morte, 
quem nunca faz nada em vão, 
quem, antes de tudo é um forte... 
Este é o homem do sertão! 
Renato Alves 
(Rio de Janeiro/RJ)

GLOSA:
Quem não tem medo da morte, 
querendo ir ao além, 
sem dinheiro, mas com sorte, 
vai de carona no “trem”. 

Quem só quer levar vantagem, 
quem nunca faz nada em vão, 
quem só pensa em vadiagem, 
não serve para o Sertão. 
De ninguém tem um suporte, 
vai seguindo a sua estrada. 
Quem, antes de tudo é um forte... 
Só teme a Deus e mais nada. 

Desce da fronte o suor, 
mas diz em sua oração: 
- Amanhã será melhor! 
Este é o homem do sertão! 
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Hino de 
Pomerode/ SC

Foi em mil oitocentos e sessenta e três,
Que um povo alemão decidiu,
Cheio de esperança e de fé,
Fazer a sua história no Brasil.

Pomerode! Pomerode!
O teu povo se orgulha de ti,
Ó cidade mais alemã do Brasil,
De beleza e graça Deus te fez.

Com bravura e determinação sem par,
Construíram sua vida em enxaimel*,
Seus jardins e empresas floresceram,
Fizeram do lugar pequeno céu.

Pomerode! Pomerode!
O teu povo se orgulha de ti,
Ó cidade mais alemã do Brasil,
De beleza e graça Deus te fez.

Hoje os filhos dos bravos imigrantes
Preservam seu tesouro maior:
A cultura brasileira de origem alemã,
Fruto de trabalho e amor.

Pomerode! Pomerode!
O teu povo se orgulha de ti,
Ó cidade mais alemã do Brasil,
De beleza e graça Deus te fez.
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* Enxaimel = técnica de construção que utiliza madeira para criar estruturas de edifícios, como casas e galpões.
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Poema de
PAULO RENATO RODRIGUES
Pelotas/RS

Pescar lembranças

No embornal,
levo minha nostalgia
e um ou dois sonhos de outros tempos.

É nessas tardes caídas
que busco nas águas do açude
um ou dois trechos da fugidia memória.

Nesse cenário azul
das fímbrias da Serra do Mar
cessam todos os ventos.

São horas de passar o fio
e fazer um colar
com as contas da própria história.
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Fábula em Versos de
JEAN DE LA FONTAINE
Château-Thierry/França, 1621 – 1695, Paris/França

A Fortuna e o rapaz

Sobre o bocal de um poço descansava
Um rapaz; a Fortuna o acordava,
Dizendo que se o moço se afogasse,
Não havia faltar quem a culpasse.

É pobre um, porque foi ao ócio dado;
Pergunta-se-lhe a causa da pobreza,
Responde-nos com toda a singeleza:
«A Fortuna me pôs em este estado.»

Outro está em galés por ser malvado;
Pergunta-se a razão de tal baixeza,
Responde-nos com rosto de tristeza:
«A Fortuna me fez tão desgraçado.»

Perversos dão em muitos precipícios
Pela sua vontade depravada;
Mas nunca hão de culpar seus maus ofícios;

A Fortuna há de ser sempre a culpada:
Tomando-se a Fortuna pelos vícios,
Outra culpa não há mais bem formada.
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Laé de Souza (O desconfiado)

Ediliando nunca foi de ficar xeretando, porém, observava que, de uns tempos para cá, a mulher andava se perfumando mais, se enchendo de anéis e se vestindo na moda. Procurava desviar o pensamento mas, às vezes, não dava para dominar e era um tormento que chegava a lhe tirar o sono. Várias vezes acordou à noite com desculpa de ir ao banheiro e, na ansiedade, ia até a cozinha consumir um danone ou um pedaço de bolo e custava a pegar de novo no sono. Percebeu que ela se acostumou a sair e, por diversas vezes, controlou o horário, mas a demora era tal que dava para fazer muitas coisas erradas e não tinha como não lhe passar más ideias pela cabeça.

Quando questionada, a mulher ora lhe respondia com evasivas, ora dava respostas malcriadas, que ele matutava, no seu canto, que a coisa não era certa e que ela estava escondendo safadeza. Tanto assim que ele resolveu investigar.

Por duas vezes, fingiu ir trabalhar e espreitou o dia inteiro, sem que a mulher saísse de casa. Num sábado à tarde, ela saiu dizendo que ia dar uma volta pelo shopping e até o convidou, mas ele achou que aquele convite era de “agá” e, fingindo displicência, recusou. Seguiu-a, e ela foi mesmo ao shopping. Noutro dia, dizendo que ia com um grupo de amigas distribuir comida para os pobres, saiu rapidamente e até aonde ele a seguiu (sentiu medo de entrar na favela), ao que tudo indicava, ela estava mesmo fazendo caridade. Numa noite, disse que ia para a missa e novamente o convidou; mas ele, que nunca foi de frequentar igrejas, recusou. Contudo, em observações, constatou que a mulher realmente entrou na igreja e de lá só saiu, quando terminou a missa.

No dia seguinte, disse que ia fazer visitas de caridade, num ritual que há meses praticava, depois que começou a se reunir com o tal grupo de amigas que se propunha a ajudar os pobres. Ediliando questionou ainda que se era para fazer caridade a pobres e descamisados, por que se embelezar tanto? Isto a deixou irritada e com cara de abismada pela desconfiança. Por fim, saiu ele atrás espionando. Entrou numa casa e demorou, num tempo que dava para o coitado do Ediliando perder o juízo. Após fumar três cigarros, não se aguentado mais, dirigiu-se à casa e bateu com a força de quem estava disposto a briga e até à morte, se preciso. A mulher saiu acompanhada de uma velhinha e demonstrou espanto ao ver o marido. Passou-lhe uma descompostura e falou-lhe uns desaforos, toda cheia de razão. Ediliando, envergonhado, pediu perdão pela desconfiança e beijou a mão da velhinha que o abençoou e lhe falou que se desse por feliz e agradecesse a Deus por ter tão generosa mulher. 

Ediliando, com o coração feliz, saiu arrependido de tanta maldade que lhe passou pela cachola, enquanto lá dentro, sua mulher, num calafrio, jogou-se na cama e o neto beijou a vovozinha agradecido por ter-lhe salvo a vida e poder continuar com aquele romance que era a sua razão de viver.
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Laé de Souza é cronista, poeta, articulista, dramaturgo, palestrante, produtor cultural e autor de vários projetos de incentivo à leitura. Bacharel em Direito e Administração de Empresas, Laé de Souza, 55 anos, unifica sua vivência em direito, literatura e teatro (como ator, diretor e dramaturgo) para desenvolver seus textos utilizando uma narrativa envolvente, bem-humorada e crítica. Nos campos da poesia e crônica iniciou sua carreira em 1971, tendo escrito para "O Labor"(Jequié, BA), "A Cidade" (Olímpia, SP), "O Tatuapé" (São Paulo, SP), "Nossa Terra" (Itapetininga, SP); como colaborador no "Diário de Sorocaba", O "Avaré" (Avaré, SP) e o "Periscópio" (Itu, SP). Obras de sua autoria: Acontece, Acredite se Quiser!, Coisas de Homem & Coisas de Mulher, Espiando o Mundo pela Fechadura, Nos Bastidores do Cotidiano (impressão regular e em braille) e o infantil Quinho e o seu cãozinho - Um cãozinho especial. Projetos: "Encontro com o Escritor", "Ler É Bom, Experimente!", "Lendo na Escola", "Minha Escola Lê", "Viajando na Leitura", "Leitura no Parque", "Dose de Leitura", "Caravana da Leitura”, “Livro na Cesta”, "Minha Cidade Lê", "Dia do Livro" e "Leitura não tem idade". Ministrou palestras em mais de 300 escolas de todo o Brasil, cujo foco é o incentivo à leitura. "A importância da Leitura no Desenvolvimento do Ser Humano", dirigida a estudantes e "Como formar leitores", voltada para professores são alguns dos temas abordados nessas palestras. Com estilo cômico e mantendo a leveza em temas fortes, escreveu as peças "Noite de Variedades" (1972), "Casa dos Conflitos" (1974/75) e "Minha Linda Ró" (1976). Iniciou no teatro aos 17 anos, participou de festivais de teatro amador e filiou-se à Sociedade Brasileira de Autores Teatrais. Criou o jornal "O Casca" e grupos de teatro no Colégio Tuiuti e na Universidade Camilo Castelo Branco.
Fontes:
Laé de Souza. Coisas de Homem & Coisas de Mulher. SP: Ecoarte, 2018.
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Humberto de Campos (Altruísmo)

("Diário" de uma senhora recentemente chegada da Europa)

"Domingo, 6. Regresso, enfim, à pátria querida, e aos braços do meu marido. Após dois anos de ausência, embarquei, ontem, às 5 horas da tarde, em Lisboa, aonde cheguei anteontem, de Paris. O navio vai repleto de passageiros, principalmente de emigrantes, embarcados em Vigo e no Porto. O mar apresenta-se bem, e a viagem está sendo feita sem novidade.

Segunda-feira, 7. - Tudo continua bem a bordo. Os passageiros de 1ª classe, na sua maior parte argentinos, bebem e jogam, no "bar". No tombadilho, alguns ingleses, que se dirigem ao Rio e a Buenos-Aires, fumando displicentemente. Algumas francesas que conduzem vestidos feitos para a sociedade carioca; e três ou quatro famílias brasileiras, que se conservam nos seus camarotes.

Terça-feira, 8. - A viagem continua excelente. Em palestra com o imediato, este me informou que vão a bordo, para o Rio, Santos, Montevidéu e Buenos-Aires, 1.275 passageiros. Uma verdadeira cidade flutuante, em que não há cinco pessoas que reciprocamente se conheçam!

Quarta-feira, 9. - O mar permanece calmo, e o céu prenuncia bom tempo. À mesa do almoço, notei que o comandante olhava insistentemente para mim, distinguindo-me entre as outras senhoras. Achei esquisita a insistência, e fiz-me de desentendida. À noite, não desci para o jantar.

Quinta-feira, 10. - O comandante continuou, hoje, à mesa, a olhar-me com desusado atrevimento, a ponto de esquecer-se do talher e do whisky. É um inglesão alto, robusto, de quarenta e poucos anos presumíveis, bigode louro, tez corada e fina, olhos azuis como o oceano. Um verdadeiro tipo de marujo britânico. Entretanto, a sua insistência irrita-me. Por quem me tomará ele?

Sexta-feira, 11. - Após o jantar, o comandante Wiliam desceu da casa de comando ao tombadilho, procurando conversar comigo, em inglês. Fiz todo o possível para impedir uma declaração indelicada, não o conseguindo. Não é que o homem está mesmo apaixonado?

Sábado, 12. - Esta situação começa a incomodar-me. O comandante passou o dia quase todo a perseguir-me, insistindo em declarar-me a sua paixão desordenada. Tenho a impressão de que o homem enlouqueceu. E eu, sozinha, sem um amigo, sem um conhecido que me defenda! Como é perigoso para uma senhora viajar só!...

Domingo, 13. - O comandante enlouqueceu, positivamente. Hoje, à tarde, aproveitando um momento em que ficamos sós no salão de música, apertou-me os pulsos com violência, dizendo-me que não lhe é possível resistir mais. Diz ele que, se eu me não entregar à sua paixão louca, ele meterá o navio a pique em pleno oceano, fazendo perecer todos que nele viajam, Dai-me forças, meu Deus! Dai-me coragem!

Segunda-feira, 14. - Que dia horrível, este! Como um louco, o cabelo e o bigode revoltos, os olhos inchados pela insônia e pelo desejo, o comandante declarou-me, trêmulo sob palavra de honra, que, se eu não for à meia-noite de hoje, ao seu camarote, meia hora depois ele fará explodir o navio, em uma catástrofe de que se não salvará ninguém. Que situação a minha! Tende piedade de mim, minha Nossa Senhora da Penha! Iluminai-me, minha Virgem Maria!

Terça-feira, 15. - Salvei da morte 1.275 passageiros! Não haverá outros navios correndo perigo no mar?"
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Humberto de Campos Veras nasceu em Miritiba/MA (hoje Humberto de Campos) em 1886 e faleceu no Rio de Janeiro, em 1934. Jornalista, político e escritor brasileiro. Aos dezessete anos muda-se para o Pará, onde começa a exercer atividade jornalística na Folha do Norte e n'A Província do Pará. Em 1910, publica seu primeiro livro de versos, intitulado "Poeira" (1.ª série), que lhe dá razoável reconhecimento. Dois anos depois, muda-se para o Rio de Janeiro, onde prossegue sua carreira jornalística e passa a ganhar destaque no meio literário da Capital Federal, angariando a amizade de escritores como Coelho Neto, Emílio de Menezes e Olavo Bilac. Trabalhou no jornal "O Imparcial", ao lado de Rui Barbosa, José Veríssimo, Vicente de Carvalho e João Ribeiro. Torna-se cada vez mais conhecido em âmbito nacional por suas crônicas, publicadas em diversos jornais do Rio de Janeiro, São Paulo e outras capitais brasileiras, inclusive sob o pseudônimo "Conselheiro XX". Em 1919 ingressa na Academia Brasileira de Letras. Em 1933, com a saúde já debilitada, Humberto de Campos publicou suas Memórias (1886-1900), na qual descreve suas lembranças dos tempos da infância e juventude. Após vários anos de enfermidade, que lhe provocou a perda quase total da visão e graves problemas no sistema urinário, Humberto de Campos faleceu no Rio de Janeiro, em 1934, aos 48 anos, por uma síncope ocorrida durante uma cirurgia. Além do Conselheiro XX, Campos usou os pseudônimos de Almirante Justino Ribas, Luís Phoca, João Caetano, Giovani Morelli, Batu-Allah, Micromegas e Hélios. Algumas publicações são Da seara de Booz, crônicas (1918); Tonel de Diógenes, contos (1920); A serpente de bronze, contos (1921); A bacia de Pilatos, contos (1924); Pombos de Maomé, contos (1925); Antologia dos humoristas galantes (1926); O Brasil anedótico, anedotas (1927); O monstro e outros contos (1932); Poesias completas (1933); À sombra das tamareiras, contos (1934) etc.

Fontes:
Humberto de Campos. A Serpente de Bronze. Publicado originalmente em 1925. Disponível em Domínio Público.  
Imagem criada por Jfeldman com Microsoft Bing

quinta-feira, 25 de setembro de 2025

Chafariz de Trovas * 15 *

 

Asas da Poesia * 100 *


Poema de
XÊNIA ANTUNES
Rio de Janeiro/RJ

Que tenhas meu corpo
(Quando as mulherezinhas crescem...)

Se amanheço
Me prometo sobriedade
Um trabalho bem feito no corpo
Um jeito tal nos cabelos
Algum sabor de morango
E pouca velocidade

Se entardeço
Esqueço do antigo enredo
Me sonho em tramas febris
Reformulo o perfeito jeito
Acrescento um tal sabor
E muito mais velocidade

Se anoiteço
Me ofereço toda com jeito
Pro jeito ser desarrumado
O amor bem feito no corpo
O coração rebatendo
Com muito mais velocidade

Se madrugo
Me acordo toda sem jeito
Feliz por um amor no meio
Enredada no gozo da alma
Um sorriso pra quem me vê
Por um instante mais calma.
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Soneto de
ALMA WELT
Novo Hamburgo/RS, 1972 – 2007, Rosário do Sul/RS

O Fantasma dos Sonetos

Permanecer viva em meu escrito...
Eis a esperança que ainda guardo,
E sendo isso o derradeiro Mito
Que me mantém acesa, com que ardo.

Um soneto mais, que insensatez!
Não posso parar, devo ir em frente.
Acabar é dar o sim ao pretendente
Que hospedado espera a sua vez.

Toda a minha vida entretecida,
Concentrada afinal em tipos pretos
A me fazer mais íntegra e assumida!

Já mal existo fora de um poema,
E sou mais e mais nestes tercetos,
Eu, fantasma vivo, que ainda teima...
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Poema de 
CLÁUDIO SCHUSTER
Pelotas/RS

Cena

cheguei ao bar
sentei ao balcão
e pedi uma dose de batom vermelho
puro
sem gelo

nacional ou estrangeiro?

dei de ombros
já havia bebido tantos vestidos pretos
naquela madrugada
por outros bares
que nem sentiria mais
o gosto de um bom batom vermelho

era o que eu achava
até perceber que a temperatura
subiu logo aos 40 graus
assim que o garçom colocou
o termômetro no copo

meus caninos cresceram
pela primeira vez
em séculos
e eu bebi aquela página
vermelha
num gole só
com todos me olhando
num inglês com rotação alterada
pelo tempo

de repente
tudo ficou em silêncio
e todos tiveram que ouvir
aqueles beijos
descendo
rubros
pelo meu pescoço
pelo meu peito

ninguém respirava
qualquer outra cor
e o batom
vermelho
desceu ainda mais
me lambendo
e sugando
por dentro
enquanto eu cravava os dentes
no copo
sem notar
que todos saíam
em câmera lenta
deixando seus vestidos de noiva
seus pijamas
e dentaduras
nos copos
sobre as mesas
trêmulas
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Quadra Popular

Quem disser que a vida acaba,
digo-lhe eu que nunca amou;
quem deixou ficar saudades
nunca a vida abandonou.
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Soneto de
IALMAR PIO SCHNEIDER
Porto Alegre/RS

Soneto a Fernando Pessoa - In Memoriam 

Pra Fernando Pessoa este soneto,
em que pretendo ter a liberdade,
de ofertar-lhe com toda lealdade,
no que me empenho e então me comprometo,

os versos que nasceram da ansiedade,
como quem pinta um quadro em branco e preto,
finalizando o último quarteto
com o pincel da dor e da saudade...

´´Cartas de amor ridículas´´, talvez...
mas eu as escrevi sem o saber,
outrora quando tinha solidão...

Hoje as relembro e tenho a sensatez,
de havê-las enviado por prazer,
nos momentos de sonho e sensação…
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Poema de
ANA WILINSKI
Santo André/SP

A janela

Hoje a minha janela
Já não é mais aquela,
Minha fonte de contato
É o cheiro do mato.
O luar, refletido nos teus olhos azuis,
Foi substituído pelo verde das folhas de bananeira
Ao invés do brilho dos teus olhos,
Vejo folhas molhadas.
No lugar da tua voz,
Ouço o cair da chuva
Todo o embalo, neste momento,
São as folhas ao vento.
Folhas de mamona
E todo o carinho, o tato,
Vieram... do próprio vento.
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Soneto de 
ALPHONSUS DE GUIMARAENS FILHO
Ouro Preto/MG, 1870 – 1921, Mariana/MG

Soneto dos quarent'anos

Não me ficou da vida mágoa alguma
de que possa lembrar aos quarent'anos
senão esses cansados desenganos
que o mar que trouxe leva como espuma.

Foram-se os anos, mas que são os anos?
Chama que em sombra esfaz-se, apenas bruma.
As horas que eu vivi, de uma em uma,
deixaram sonhos e deixaram danos.

Muita morte passou n'alma ferida:
meu pai e meus irmãos, mortos amados.
Mas pela minha vida passou vida,

passou amor também, passou carinho.
E pelos dias claros ou magoados
não fui feliz e nem sofri sozinho.
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Poema de
CHRIS HERRMANN
Rio de Janeiro/RJ

Corrimão

Ouço passos
subindo degraus.
Aproximam-se.
Cerro os olhos
e tu vens sorrindo.
Fala comigo!
Tomo distância
e não entendo.
Continuas vindo.
Vejo apenas
um corrimão
de sons e cheiros
a entorpecerem
tuas mãos,
como taças de vinho
sobre a mesa,
à espera do pão.
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Trova Funerária Cigana

De tanta terra enfeitada,
a terra que menos brilha
é a porção que hoje cobre
os restos de minha filha!
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Soneto de 
EMILIANO PERNETA 
Pinhais/PR, 1866 — 1921, Curitiba/PR

Vencidos

Nós ficaremos, como os menestréis da rua,
Uns infames reais, mendigos por incúria,
Agoureiros da Treva, adivinhos da Lua,
Desferindo ao luar cantigas de penúria?

Nossa cantiga irá conduzir-nos à tua
Maldição, ó Roland?... E, mortos pela injúria,
Mortos, bem mortos, e, mudos, a fronte nua,
Dormiremos ouvindo uma estranha lamúria?

Seja. Os grandes um dia hão de cair de bruço...
Hão de os grandes rolar dos palácios infetos!
E glória à fome dos vermes concupiscentes!

Embora, nós também, nós, num rouco soluço,
Corda a corda, o violão dos nervos inquietos
Partamos! inquietando as estrelas dormentes!
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Poema de 
SILVIAH CARVALHO
Manaus/AM

O Poeta

É aquele que ama um pouco mais,
E nunca ama por amar
E sonha um pouco mais, voa um pouco mais alto
E um pouco mais longe...
Chega onde poucos conseguem chegar

Entra nos labirintos da mente
Conhece o passado e presente
Deduz o futuro com tanta exatidão
Que parece viver um passo a frente

Nele existe um pouco mais de emoção
Um pouco mais de atenção
Um pouco mais de alegria
E um pouco mais de solidão

Um pouco mais de sinceridade
Coisa pouca dentro de muita gente
Um pouco mais da louca igualdade
Que o faz assim, tão diferente

Ele tem um pouco mais de quase tudo
Guardado dentro da mente
De tudo faz um poema, revela tudo que sente

Assim é o poeta
Ama sem ser amado; espera sem ser esperado
E muitas vezes, morre abandonado

Por vezes, só depois da morte
Tem seus poemas lembrados...
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Soneto de
RITA MOUTINHO
Rio de Janeiro/RJ

Soneto do superar e do optar

Passados muitos anos fundeada
nesse charco funesto, a solidão,
fui beijada por príncipe e elevada
do raso ao riso de uma afloração.

Vida nova e uma filha em mim gestada,
reedifiquei tão logo um coração
de uma cor rubra, mas aquarelada,
que convive com os tons pastéis da opção.

Pincelo de zarcão estas correntes
que me ata, mas não fere a liberdade,
grilhão/guarita da destemperança.

Para fechar comportas das torrentes
que te amedrontam a emotividade,
como eu, também te atrelas na aliança.
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Hino de 
Campo Grande/MS

I
Campo Grande que outrora um deserto,
Transformou-se em cidade primor,
É de joias escrínio aberto,
É uma gema de fino lavor!

II
(Estribilho)
A cidade onde todos vivemos,
Aprendamos fiéis defender!
Nosso afeto a ela sagremos
E felizes assim iremos ser.
Nosso afeto a ela sagremos
E felizes assim iremos ser.

III
Quanta luz, quanto gozo sem par!
Nos legou nosso amado País!
Oh! que terra ditosa é meu lar!
Campo Grande é feliz, é feliz!

IV
(Estribilho)
A cidade onde todos vivemos,
Aprendamos fiéis defender!
Nosso afeto a ela sagremos
E felizes assim iremos ser.
Nosso afeto a ela sagremos
E felizes assim iremos ser.

V
Mato Grosso do Sul, Campo Grande,
E Brasil, eis a tríade sagrada,
Em louvá-los minh'alma se expande
Morrerei pela Pátria adorada.

VI
(Estribilho)
A cidade onde todos vivemos,
Aprendamos fiéis defender!
Nosso afeto a ela sagremos
E felizes assim iremos ser.
Nosso afeto a ela sagremos
E felizes assim iremos ser.
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Poema de 
CONDORCET ARANHA
São Gonçalo/RJ

A ponta do telhado

Sentado no sofá, ao canto do escritório,
Vejo:
Olhando na janela, a ponta do telhado,
O céu escurecido e um poste iluminado.
Momentos são de angústia, tal qual rezas de velório,
Ideias que divagam, nas vagas da incerteza,
Enquanto, o coração, mergulha na tristeza.

Lembranças que se achegam, ferem e abomináveis,
Sem serem convidadas, invadem e se acomodam,
Persistem, noite à dentro, parecem intermináveis,
Com fatos já passados, que nada representam.
Recordações da infância, também da juventude,
Sangram-me, são punhais, me talham, a alma rasgam.

Sentado no sofá, ao canto do escritório,
Vejo:
A ponta do telhado, que abrupto termina,
O céu escurecido, convite a ver mais nada,
Um poste iluminado, às custas de energia,
A mesma que me falta, pra luz de um novo dia.
Assim, recordações, agora, valem nada,
Não posso ser mais jovem, tão pouco ser criança,
Serei, talvez, quem sabe, um dia, outra lembrança.
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Fábula em Versos de
JEAN DE LA FONTAINE
Château-Thierry/França, 1621 – 1695, Paris/França

O gato e a raposa

Uma vez a raposa conversando
Com o gato, se esteve ali gabando
De ter artes e gírias bom recheio;
Enfim que delas tinha um saco cheio.

O gato lhe dizia: «Para tudo
Vós tendes cachimônia*: eu sou mui rudo:
Tendes um saco cheio; eu por desgraça
Nunca pude aprender mais que uma traça.

Nesta prática estavam divertidos;
E quando muitos cães foram sentidos,
Já os tinham no meio: em tal trabalho
O gato saltou logo em um carvalho,
E pôs-se lá de cima a ver a festa,
Que foi para a raposa bem funesta.
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* cachimônia = juízo
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