sábado, 20 de fevereiro de 2010

Márcia Carrano (Primeiro dia)


Primeiro dia de aula. Pastinha na mão, laço de fita no cabelo e a vontade de descobrir o mundo. O que havia lá fora? O mesmo aconchego da casa de mãe, pai e irmãos? Lá fora... muita gente e ela sozinha ou muita gente e ela também?

Partiu como um novo cabral. Menininhas engomadinhas rezando e rezando uma vida inteira para o Deus que ninguém via.

Perto da capela, um bebedouro engraçado. A gente aperta e a água espirra. Água gloriosa se elevando a alturas desconhecidas. Maravilha! Mundo interessante este da escola. com água dançando no ar e na boca.

— Onde já se viu! Hora de rezar...

Primeiro dia de promessas desfeitas. A menina saía da capela e a puxavam de volta. Nada de água dançando, espirrando, numa deliciosa festa de descoberta.

— Mamãe, nunca mais vou à escola.

— Por quê, filha?

— Não deixam a gente beber água.

E não voltou mesmo, a não ser muitos anos depois, com lágrimas nos olhos — água que aprendera a fabricar.
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Fonte:
CARRANO, Márcia. Porção de Tintas. Juiz de Fora, MG: FUNALFA Edições, 2003.

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