Vem cá, Gemma Cuniberti,
Dize-me aqui a esta gente
Quanto se deve ao Lamberti,
Exata, precisamente.
Que não és vereadora,
Escrivã, nem magistrada,
Bem o sei, minha senhora,
A mim não me escapa nada.
Nem é preciso que digas
Cousa alguma, não sabendo
As somas novas e antigas
Deste negócio estupendo.
Basta que me tenhas dado
Rima para o italiano.
Agora que está rimado,
Volta à paz de todo o ano.
Pois saber exato, exato,
Quanto é que lhe deve a gente,
Não é só trabalho ingrato,
É pôr um homem demente.
Uns dizem que cento e trinta
Contos — outros, mil e tantos;
Que isto se afirme ou desminta
Enche o coração de espantos.
Esperta logo o desejo
De não dar mais que um cruzado,
Ou perder de todo o pejo
E ir a um milhão quadrado.
Que, assim como nós quadramos
As léguas, quadrar podemos
O dinheiro que pagamos,
Jamais o que recebemos.
Explico-me: a vereança
Paga tarde e paga em dobro,
Porque o credor, quando cansa,
Não põe aos ímpetos cobro.
Mas para que o miserável
Contribuinte não gema,
Faz-se-lhe grata e afável;
Não é assim, minha Gemma?
Não põe aumento na taxa,
Mormente se é baratinha;
A taxa quanto mais baixa
Parece mais bonitinha.
Desta maneira a fazenda
Municipal, acusada,
Não de torva, nem de horrenda,
Mas só de desbarrigada,
Perde inteiramente o resto
Da pele que traz nos ossos;
Fica-lhe o corpo mais lesto,
Já sem casca, só caroços.
Então é que é ver o ufano
E gracioso esqueleto
(Falemos italiano)
Dançar o seu minuetto.
Dançar não paga comida,
Nem vestido, nem calçado,
Mas alegra um tanto a vida,
E o gozo é tão pouco usado!
O pior é se, na faina
Do ofício, os vereadores
Arranjarem uma andaina
De caixas e borradores.
Pois não há maior desgraça,
Nem pior melancolia,
Do que ter ostras na praça
E a escrituração em dia.
Ao menos, tudo confuso
Faz crer que inda poderemos
Guardar um traste em bom uso...
E então, evoé! bailemos!
Fonte:
Obra Completa de Machado de Assis, Edições Jackson, Rio de Janeiro, 1937.
Publicado originalmente na Gazeta de Noticias, Rio de Janeiro, de 01/11/1886 a 24/02/1888.
Dize-me aqui a esta gente
Quanto se deve ao Lamberti,
Exata, precisamente.
Que não és vereadora,
Escrivã, nem magistrada,
Bem o sei, minha senhora,
A mim não me escapa nada.
Nem é preciso que digas
Cousa alguma, não sabendo
As somas novas e antigas
Deste negócio estupendo.
Basta que me tenhas dado
Rima para o italiano.
Agora que está rimado,
Volta à paz de todo o ano.
Pois saber exato, exato,
Quanto é que lhe deve a gente,
Não é só trabalho ingrato,
É pôr um homem demente.
Uns dizem que cento e trinta
Contos — outros, mil e tantos;
Que isto se afirme ou desminta
Enche o coração de espantos.
Esperta logo o desejo
De não dar mais que um cruzado,
Ou perder de todo o pejo
E ir a um milhão quadrado.
Que, assim como nós quadramos
As léguas, quadrar podemos
O dinheiro que pagamos,
Jamais o que recebemos.
Explico-me: a vereança
Paga tarde e paga em dobro,
Porque o credor, quando cansa,
Não põe aos ímpetos cobro.
Mas para que o miserável
Contribuinte não gema,
Faz-se-lhe grata e afável;
Não é assim, minha Gemma?
Não põe aumento na taxa,
Mormente se é baratinha;
A taxa quanto mais baixa
Parece mais bonitinha.
Desta maneira a fazenda
Municipal, acusada,
Não de torva, nem de horrenda,
Mas só de desbarrigada,
Perde inteiramente o resto
Da pele que traz nos ossos;
Fica-lhe o corpo mais lesto,
Já sem casca, só caroços.
Então é que é ver o ufano
E gracioso esqueleto
(Falemos italiano)
Dançar o seu minuetto.
Dançar não paga comida,
Nem vestido, nem calçado,
Mas alegra um tanto a vida,
E o gozo é tão pouco usado!
O pior é se, na faina
Do ofício, os vereadores
Arranjarem uma andaina
De caixas e borradores.
Pois não há maior desgraça,
Nem pior melancolia,
Do que ter ostras na praça
E a escrituração em dia.
Ao menos, tudo confuso
Faz crer que inda poderemos
Guardar um traste em bom uso...
E então, evoé! bailemos!
Fonte:
Obra Completa de Machado de Assis, Edições Jackson, Rio de Janeiro, 1937.
Publicado originalmente na Gazeta de Noticias, Rio de Janeiro, de 01/11/1886 a 24/02/1888.
Nenhum comentário:
Postar um comentário