A PROMESSA
CUMPRIDA EM PARTE
Luohi viu chegar magicamente o ferreiro Ilmarinen a sua casa e quase não se
surpreendeu quando soube que se tratava dele. Ordenou imediatamente que lhe
preparassem a melhor acomodação e até fez com que a sua bela filha virgem se
adornasse com as melhores galas, para ser depois mostrada a Ilmarinen e
oferecida como recompensa em troca do sampo ansiado.
À vista da preciosa criatura Ilmarinen foi procurando por Pohjola o lugar onde
realizar o seu trabalho e pôs-se a trabalhar febrilmente na construção daquela
forja, primeiro, e na realização do sampo pedido, depois. Ilmarinen demorou
três dias em preparar a forja e três dias em forjar o moinho de tampa suntuosa,
que era moinho de farinha por um lado, moinho de sal por outro e moinho de
moenda pelo terceiro. No seu primeiro trabalho, o sampo moeu uma medida para
ser comida, outra medida para ser vendida e uma terceira para ser guardada.
Entregue o moinho a Luohi, esta guardou-o no lugar mais recôndito da sua casa.
Foi nessa altura, cumprida o seu parte, que Ilmarinen reclamou aquela virgem
prometida, mas ela negou-se a acompanhá-lo, porque não estava disposta a ser
sua esposa. Ilmarinen abateu-se, sem forças para nada, até tal ponto que a mãe
da virgem, a anciã Luohi, se compadeceu da sua tristeza e o enviou numa barca
de regresso para o sul, envolvido na força mágica de um vento que ela convocou
para que fosse transportado sem perigo em três singraduras até à sua ansiada
Kalevala. Lá, na margem, esperava-o o velho e ele disse que o sampo tinha sido
construído e entregue a Luohi, segundo se tinha acordado, mas também fez saber
que a donzela prometida não cumpriu a sua parte do pacto e que ele, Ilmarinen,
tanto como Vainamoinen, tinham sido duplamente burlados pela virgem de Pohjola.
LEMMINKÄINEM,
O AMANTE
Ahti Lemminkäinen nasceu em Kauko e foi um jovem tímido até que pescou uma
tenca e esta, para salvar a sua vida, prometeu ensinar-lhe a palavra encantada
que o tornaria no homem mais amado pelas mulheres. Mas não havia tal palavra,
era necessário comer o peixe para conseguir esse encanto e Ahti comeu-a.
Certamente, em breve Ahti começou a ser querido por todos, especialmente pelas
mulheres, como o demonstra a sua primeira aventura com Kylliki, a preciosa
jovem de famosa beleza que rapta e apaixona; mas Ahti Lemminkäinen pensa que a
sua mulher não lhe guardou a devida ausência e vai para Pohjola, pretendendo
desta vez a filha de Louhi e tendo que cumprir uma dura prova para conseguí-la:
a captura do alce de Hiisi, caça que lhe custaria a vida nas águas do rio
Tuoni, assassinado pela vingança de um velho que tinha humilhado.
Ahti caiu no reino da morte, no reino de Tuoni e Tuonetar, no meio do horror e
o sofrimento. Desaparecido Ahti, a sua mãe inicia a penosa procura do filho
perdido, submergindo-se nas águas, cruzando as terras do norte, perguntando à
Lua e, por fim, ouvindo o que o Sol lhe contava, que Ahti tinha sido arrastado
para o Tuoni. A mãe pediu a Ilmarinen que forjasse um ancinho de cem braças
para tirar o seu filho do fundo do rio; com ele resgatou o seu amado filho e,
com o seu amor, devolveu-lhe a vida.
Voltaram para casa, mas Kylliki tinha-se ido embora para sempre. Então Ahti
partiu de novo para Pohjola, esta vez irado por não ter sido convidado às
faustosas celebrações da casamento da filha de Louhi com Ilmarinen. Chegado ao
norte, Ahti Lemmikäinen vai provocar o Filho do Norte, o anfitrião,
desafiando-o para um duelo à morte, no qual vence Ahti, mas a satisfação pela
sua vitória é breve, porque tem que fugir, dado que todos os homens de Pohjola,
ao saber que o seu chefe morreu pelas mãos de Ahti, se lançam na sua
perseguição.
Durante três anos refugiou-se na Ilha das Mulheres, sendo amado por todas e
amando quase todas, mas chegou a hora de voltar para junto da sua mãe e não
houve mais remédio que abandonar tão doce refúgio. Quando conseguiu chegar às
suas terras, viu só destruição e cinzas mas o que via não era tudo; também pôde
ver, pouco tempo depois, a sua doce mãe, escondida entre as ruínas, sempre à
espera do seu regresso, convencida de que ele voltaria junto da ela outra vez,
sabendo que ainda restava muito que fazer ao filho, o alegre herói Ahti
Lemminkäinen.
VAINAMOINEM E
A ILMARINEN
Vainamoinen construía um barco e estava a ponto de terminá-lo, mas faltavam-lhe
três palavras mágicas para terminar de lhe dar forma; não havia maneira de
recordar como eram e Vainamoinen desesperava-se, pensando que era uma tarefa
impossível, até que se aproximou um pastor e lhe disse que o gigante Antero
Vipunen sabia tudo o que ele necessitava de saber. Vainamoinen foi a Ilmarinen,
para que o ferreiro lhe forjasse o equipamento de ferro que devia levar para
chegar até a morada de Antero Vipunen; então soube, por boca do ferreiro, que
Antero tinha morrido há muitos anos. Mas nem isso parou o Vainamoinen, que,
equipado com a armadura que lhe permitia atravessar as agulhas das mulheres, as
espadas dos homens e os machados dos heróis, chegou ao lugar onde jazia Vipunen
com a sua magia.
Meteu a sua maça na garganta do gigante e ordenou-lhe erguer-se. Vipunen
levantou-se imediatamente, com a boca imobilizada pela maça de Vainamoinen.
Aproveitando a surpresa, o velho saltou para a sua garganta e meteu-se no seu
ventre, montando dentro dele uma forja para atormentar Antero, comendo as suas
entranhas e batendo no seu corpo. Assim até que conseguiu que o gigante lhe
ensinasse toda a sua imensa sabedoria.
Quando conseguiu o seu propósito, o imperturbável Vainamoinen voltou para casa
e terminou o seu barco. Com ele queria navegar para o norte, para pedir de novo
a mão daquela virgem que não podia esquecer.
Terminado de construir o seu navio, Vainamoinen botou-o no mar e foi feliz a
caminho de Pohjola, mas a virgem Anniki aproximou-se dele para lhe perguntar a
razão da sua viagem. Vainamoinen mentiu uma e outra vez, provocando a dúvida em
Anniki, que o ameaçou com uma tremenda tempestade se Vainamoinen não dizia
imediatamente a verdade.
O velho confessou e a virgem foi a correr a dizer a Ilmarinen que o velho tinha
decidido ir sozinho à procura da virgem de Pohjola. Ilmarinen preparou-se para
ir à procura do velho e conseguiu alcançá-lo, após três dias de corrida no seu
trenó.
O PACTO DOS
DOIS AMIGOS
Após acordar que já não haveria mais lutas pela virgem de Pohjola e fartos de
serem inúteis rivais por esse difícil amor, Vainamoinen e Ilmarinen decidem
seguir por separado o seu caminho para Pohjola, este por terra, aquele por mar,
à procura daquela virgem tão bela e tão desejável como esquiva, sempre
prometida como recompensa ao velho e ao ferreiro e nunca recebida. Mas agora
vão fazendo com que ela diga, de uma vez por todas, por qual dos dois se decide
a escorregadiça donzela.
A escolha é rápida desta vez, pois a virgem prefere Ilmarinen, por que não é um
velho como Vainamoinen, embora antes o tivesse rejeitado de um modo tão
definitivo. Mas Louhies uma velha retorcida e soberba, que agora quer tornar
tudo mais difícil ao bom ferreiro, propondo-lhe novas provas a cada momento.
Ilmarinen vê-se obrigado a decifrar os complexos (e absurdos) problemas
propostos mas a velha não conta com a cumplicidade antagonista da sua própria
filha, da virgem sem nome que tantas páginas da história do Kalevala encheu . Com
ela a seu lado, a vitória é segura e o casamento vai celebrar-se com todas as
honras.
Só ficam de fora Vainamoinen, pela sua tristeza, e Lemminkäinen, que não foi
convidado, o que vai ser motivo da sua ira e do início daquele duelo à morte
com o Filho do Norte que já relatamos antes. Mas com o casamento não vai chegar
a felicidade por muito tempo ao apaixonado Ilmarinen: a sua esposa, a sua bela
e ansiada esposa, é uma mulher malvada e a cruel brincadeira que faz ao bom
escravo Kullervo, ao dar-lhe uma pedra como única comida, faz que este ponha em
marcha a sua vingança (mágica, com certeza) com a cumplicidade do lobo e do
urso, matando quem o humilhara.
É a desolação para Ilmarinen, ao ver morta a sua amada Kullervo, já antes
atraiçoado pelo seu irmão Untamo, que a tinha vendido como escrava, e agora
castigado pelo destino, ao saber que a virgem com quem se deitou é a sua
própria irmã. Kullervo, ainda mais enfurecido, mata o seu irmão Untamo, mas
esta morte também não lhe serve de consolo, e só descansará quando se tire a
vida com a sua própria espada.
O DESESPERO DE
ILMARINEN
O ferreiro pensou que poderia encontrar consolo numa nova esposa que ele
próprio forjasse à imagem da desaparecida e pôs-se a trabalhar incansavelmente
na sua forja, até que conseguiu a mais bela mulher nunca construída em ouro e
prata; mas fria era a sua companhia, muda a sua presença, inútil a sua
existência.
Ilmarinen quis oferecer a mulher de ouro e prata a Vainamoinen, mas ele não a
quis e recomendou a Ilmarinen que a voltasse a fundir, pois ninguém se devia
deixar deslumbrar pelo ouro ou pela prata. Ilmarinen compreendeu que devia
procurar uma nova esposa de carne e osso e pensou em Pohjola, noutra filha de
Louhi que lhe recordasse a sua perdida mulher. Mas nada conseguiu de Louhi e
teve que raptar a sua segunda filha. Também o rapto não serviu de muito, pois
na primeira noite já se deitou ela com um desconhecido.
Ilmarinen, ao despertar, viu a cena e quase que a matou, mas a sua espada
negou-se a terminar com a vida daquela vaidosa e o desgraçado Ilmarinen
contentou-se com ordenar que a infiel raptada fosse converter-se em solitária
gaivota, condenada a viver sobre um penhasco, entre as frias águas do mar. Mais
sozinho do que nunca, o ferreiro seguiu o seu interrompido caminho para o lar.
No caminho saiu-lhe o velho Vainamoinen e juntos propuseram-se resgatar de
Pohjola aquele sampo construído para conseguir a pretendida felicidade e que
tão tristes frutos tinha deparado a ambos. Construíram um navio poderoso,
forjaram uma espada vencedora e partiram à procura do sampo mágico, colhendo
pelo caminho o retirado herói Lemminkäinen, que se somou à expedição, feliz de
poder voltar a lutar contra a gente de Pohjola, da qual tão penosas recordações
guardava a sua memória.
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