António Emílio Leite
Couto (Mia Couto) nasceu em Beira, Moçambique, em 1955, a segunda cidade do
país. Ganhou o nome Mia do irmãozinho que não conseguia dizer
"Emílio". Segundo o próprio autor a utilização deste apelido tem a
ver com sua paixão pelos gatos e desde pequeno dizia a sua família que queria
ser um deles.
Ele disse uma vez que não tinha uma
"terra-mãe" - tinha uma "água-mãe", referindo-se à
tendência daquela cidade baixa e localizada à beira do Oceano Índico
para ficar inundada.
Filho de portugueses
que emigraram para Moçambique em meados do século XX, Mia nasceu e foi
escolarizado na Beira. Com catorze anos de idade, teve alguns poemas publicados
no jornal Notícias da Beira e três anos depois, em 1971, mudou-se para a cidade
capital de Lourenço Marques (agora Maputo). Iniciou os estudos universitários
em medicina, mas abandonou esta área no princípio do terceiro ano, passando a
exercer a profissão de jornalista depois do 25 de Abril de 1974.
Trabalhou na Tribuna até à destruição das suas instalações em
Setembro de 1975, por colonos que se opunham à independência.
Foi nomeado
diretor da Agência de Informação de Moçambique (AIM) e formou ligações de
correspondentes entre as províncias moçambicanas durante o tempo da guerra de
libertação. A seguir trabalhou como diretor da revista Tempo até 1981 e
continuou a carreira no jornal Notícias até 1985. Em 1983, publicou o seu
primeiro livro de poesia, Raiz de Orvalho, que inclui poemas contra a
propaganda marxista militante. Dois anos depois, demitiu-se da posição de
diretor para continuar os estudos universitários na área de biologia.
Como biólogo,
dirige a Avaliações de Impacto Ambiental, IMPACTO Lda., empresa que faz estudos
de impacto ambiental, em Moçambique. Mia Couto tem realizado pesquisas em
diversas áreas, concentrando-se na gestão de zonas costeiras. Além disso, é
professor da cadeira de ecologia em diversos cursos da Universidade Eduardo
Mondlane.
Foi
escolhido para ocupar, na categoria de Sócio Correspondente, a Cadeira número 5
da Academia Brasileira de Letras. Sua eleição deu-se em 1998, sendo ali o sexto
ocupante.
Além de
considerado um dos escritores mais importantes de Moçambique, é o escritor
moçambicano mais traduzido. Em muitas das suas obras, Mia Couto tenta recriar a
língua portuguesa com uma influência moçambicana, utilizando o léxico de várias
regiões do país e produzindo um novo modelo de narrativa africana. Terra
Sonâmbula, o seu primeiro romance, publicado em 1992, ganhou o Premio Nacional
de Ficção da Associação dos Escritores Moçambicanos em 1995 e foi considerado
um dos doze melhores livros africanos do século XX por um júri criado pela
Feira do Livro do Zimbabué. Foi fundador de uma empresa de estudos ambientais
da qual é colaborador.
Recebeu uma
série de prêmios literários, entre eles em 1999,
o Prêmio Vergílio Ferreira, pelo conjunto da
sua obra. Em 2007,
o Prêmio União Latina de Literaturas
Românicas. Em 2007 foi o vencedor do prêmio Zaffari & Bourbon de
Literatura, na Jornada Nacional de Literatura. O
Prêmio Camões de 2013, o mais prestigioso da língua portuguesa, e o Neustadt
Prize de 2014. Além de prêmios em seu país, recebeu o Prémio da Associação dos
Críticos de Arte de S. Paulo (1996)
Estreou-se no prelo com um livro de Poesia - Raiz
de Orvalho, publicado em 1983. Mas já antes tinha sido antologiado por outro dos
grandes poetas moçambicanos, Orlando Mendes (outro
biólogo), em 1980,
numa edição do Instituto Nacional do Livro e do Disco, resultante duma palestra
na Organização Nacional dos Jornalistas (actual Sindicato), intitulada
"Sobre Literatura Moçambicana".
Em 1999, relançou Raiz de Orvalho e outros poemas que, em
2001 teve sua 3ª edição.
Depois, estreou-se nos contos e numa nova maneira de falar - ou
"falinventar" - português, que continua a ser o seu
"ex-libris". Nesta categoria de contos publicou. Publicou em livros, algumas das suas crónicas,
que continuam a ser coluna num dos semanários publicados em Maputo, capital
de Moçambique e alguns romances.
Vozes Anoitecidas (1986); Grande Prémio da
Ficção Narrativa em 1990,
ex aequo; Cronicando, 1988 (Prémio Nacional de Jornalismo Areosa Pena, em 1989); Cada Homem é uma Raça (1990); Terra Sonâmbula
(1992) Prémio Nacional de Ficção da AEMO em 1995; Estórias
Abensonhadas (1994); A Varanda do Frangipani (1996); Contos do Nascer da Terra (1997); Mar Me Quer (1998); Vinte e Zinco (1999); Na Berma de Nenhuma Estrada (1999); O Último Voo do Flamingo (2000); O Gato e o Escuro (2001); Um Rio Chamado Tempo, uma Casa Chamada Terra (2002) rodado em filme pelo português José Carlos Oliveira; O País do Queixa Andar (2003); O Fio das Missangas (2003); A Chuva Pasmada (2004); Pensatempos. Textos
de Opinião (2005); O Outro Pé da Sereia (2006); A Varanda do
Frangipani (2007); Idades Cidades Divindades (2007);
Venenos de Deus Remédios do Diabo (2008); Jerusalém (2009); Tradutor
de Chuvas (2011); A Confissãol da
Leoa (2012); Vozes Anoitecidas (2013)
Resenha de alguns
livros:
Raiz de Orvalho :
Livro intimista, lírico, uma espécie de contestação contra o domínio absoluto
da poesia militante, panfletária.
Idades Cidades Divindades :
Mia Couto arrisca novamente um registo poético para narrar o seu universo de
quotidianos maravilhosos. Os jogos semânticos e lexicais sustentam os
aforismos, as alegorias, as fábulas que aqui se lêem, à imagem do que acontece
com as suas narrativas.
Tradutor de Chuvas: Todo
o livro passa por uma espécie de um culto, uma homenagem a esse estado de
espanto, de pasmo, da capacidade de nos encantarmos, esse não saber, essa
ignorância que nos torna depois viajantes, que nos conduz à condição de uma
certa dimensão que é a dimensão da poesia”
Vozes Anoitecidas:
O que mais dói na miséria é a ignorância que ela tem de si mesma. Confrontados
com a ausência de tudo, os homens abstêm-se do sonho, desarmando-se do desejo
de serem outros. Existe no nada essa ilusão de plenitude que faz parar a vida e
anoitecer as vozes. Estas estórias desadormeceram em mim sempre a partir de
qualquer coisa acontecida de verdade mas que me foi contada como se tivesse
ocorrido na outra margem do mundo. Na travessia dessa fronteira de sombra
escutei vozes que vazaram o sol. Outras foram asas do meu voo de escrever. A
umas e a outras dedico este desejo de contar e de inventar.
Estórias Abensonhadas : Livro
de histórias que retrata o renascer do país depois da assinatura do Acordo de
paz.
Contos do Nascer da Terra : Nos
trinta e cinco contos que compõem este livro, Mia Couto traça o retrato de um
povo e da sua identidade cultural. Utiliza para isso a fantasia que, naquela
escrita africana prenhe de neologismos, possui um encanto muito próprio. O
corpo humano e a sua ligação à terra, são uma constante nestas histórias, onde
as pessoas ganham raízes, ou se somem no ar qual pássaro exótico. Parte
significativa destas histórias inspirou-se na tradição popular.
Terra Sonâmbula: Primeiro romance publicado por Mia Couto, tem como pano de
fundo a guerra em Moçambique, da qual traça um quadro de um realismo forte e
brutal.
A Varanda do Frangipani : A
narrativa decorre na Fortaleza de S. Nicolau, algures em Moçambique. A
fortaleza há muito que deixou de ser reduto de defesa e ocupação estrangeira
para se transformar num asilo de velhos. A trama policial, as reflexões sobre a
guerra e sobre a paz, o Universo mágico, a riqueza de personagens, aliados a
uma narrativa pujante e amadurecida, fazem deste livro uma das mais belas obras
de Mia Couto.
O Último Voo do Flamingo: O
livro começa com uma carta do “tradutor”, que é o narrador do livro, onde ele
conta os motivos que o levaram a narrar essa história. Pouco tempo depois da
guerra terminar em Moçambique, alguns soldados da Tropa de paz da ONU que
estavam na região começaram a explodir. Para tentar entender o que estava
acontecendo, o italiano Massimo Risi é enviado à Tizangara, cidade fictícia
onde se passa a narrativa, para investigar os estranhos acontecimentos. Para
tanto, o governante local contrata o tradutor para acompanhar Risi em sua
investigação.
O Gato e o Escuro: Em
2009 recebeu, no Brasil, o Prêmio de Literatura infanto-juvenil. Nesta estória
em prosa poética, num primeiro nível textual vemos um pequeno gato malhado que anseia
saber como é o escuro e que ao entrar nele vê-se em apuros para sair; afinal,
descobre que tinha vivido apenas um sonho: o escuro, que o atemorizava, não lhe
era prejudicial pois até morava nos olhos da sua mãe. Mais aprofundadamente,
não só fica a importância de autoconhecimento e auto-afirmação como a visão
descentrada do eu: não se sendo único na vida, devemos praticar valores como a
tolerância, reconhecer o direito à diferença e, fundamentalmente, o respeito
pelo outro.
Um Rio Chamado Tempo, uma Casa Chamada Terra: Um jovem estudante universitário regressa à sua ilha-natal para
participar no funeral de seu avô Mariano. Enquanto aguarda pela cerimônia ele é
testemunha de estranhas visitações na forma de pessoas e de cartas que lhe
chegam do outro lado do mundo. São revelações de um universo dominado por uma
espiritualidade que ele vai reaprendendo. À medida que se apercebe desse
universo frágil e ameaçado, ele redescobre uma outra história para a sua
própria vida e para a da sua terra. A pretexto do relato das extraordinárias
peripécias que rodeiam o funeral, este novo romance de Mia Couto traduz, de uma
forma a um tempo irônica e profundamente poética, a situação de conflito vivida
por uma elite ambiciosa e culturalmente distanciada da maioria rural. Uma vez
mais, a escrita de Mia Couto leva-nos para uma zona de fronteira entre
diferentes racionalidades, onde percepções diversas do mundo se confrontam,
dando conta do mosaico de culturas que é o seu país e das mudanças profundas
que atravessam a sociedade moçambicana atual.
O Outro Pé da Sereia: Esta
obra aborda a questão da identidade, o sentido de pertença, o pós-colonialismo
e o choque entre culturas. Para tanto, o autor entretece duas histórias
paralelas, interligadas por uma personagem: A primeira se passa no presente (em
2002) e relata como Mwadia Malunga e seu marido, Zero Madzero, encontram uma
imagem de Nossa Senhora (sem um pé) abandonada nas imediações do lugar em que
vivem; significativamente denominado Antigamente. Mwadia é encarregada por um
feiticeiro de ir a Vila Longe, onde vive sua mãe e a família dela, para
providenciar um destino à imagem. Nesta história de retorno à casa natal, nos
são apresentados uma série de personagens e seus dramas pessoais.
A segunda é uma narrativa histórica (ambientada em 1560), que,
em capítulos alternados, conta como a referida imagem de Nossa Senhora chegou a
Moçambique, trazida pelo jesuíta D. Gonçalo da Silveira em uma nau portuguesa.
A imagem, benzida pelo papa, era destinada ao imperador do mítico reino de
Monomotapa, a fim de catequizar a região. Os acontecimentos dessa viagem, que
em certa medida refletem problemas contemporâneos, envolvem, ainda, o conflito
pessoal do jovem sacerdote Manuel Antunes, que será seduzido pelos ritos e
ritmos africanos, e a relação de um escravo, Nsundi, com uma dama portuguesa e
sua aia de origem indiana.
Jesusalém: é seguramente
a mais madura e mais conseguida obra de um escritor em plena posse das suas
capacidades criativas. Aliando uma narrativa a um tempo complexa e aliciante ao
seu estilo poético tão pessoal, Mia Couto confirma o lugar cimeiro de que goza
nas literaturas de língua portuguesa. A vida é demasiado preciosa para ser
esbanjada num mundo desencantado, diz um dos protagonistas deste romance. A
prosa mágica do escritor moçambicano ajuda, certamente, a reencantar este nosso
mundo.
Jesusalém, ermo encravado na savana, em Moçambique, abriga
cinco almas apartadas das gentes e cidades do mundo. Ali, ensaiam um arremedo
de vida: Silvestre e seus dois filhos, Mwanito e Ntunzi, mais o Tio Aproximado
e o serviçal Zacaria. O passado para eles é pura negação recortada em torno da
figura da mãe morta em circunstâncias misteriosas. E o futuro se afigura
inexistente. Silvestre afiança aos filhos e ao criado que o mundo acabou e que
a mulher - qualquer mulher - é a desgraça dos homens. Mas um belo dia os donos
do mundo voltarão para reivindicar a terra de Jesusalém. E não só isso: uma
bela mulher também virá para agitar a inércia dos dias solitários daqueles
homens.
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