Caratinga/MG, 1915-1974, Rio de Janeiro/RJ
CASA GRANDE
A Casa Grande, na fazenda, eu via
abrindo ao sol, com modos patriarcais,
o alpendre, onde meu pai lia e relia
"A Morgadinha dos Canaviais"...
Ficava ao pé da serra, em que eu ouvia,
naqueles dias calmos e rurais,
a cachoeira que, a saltar, gemia,
como eu a dor do que não volta mais.
Meu pai envelheceu. Desfez-se a casa.
Nem ele mais sua bondade expande,
porque a morte o levou, num rufio de asa...
Mas, se o procuro — o seu amor me atrai —,
parece ainda maior que a Casa Grande
a sepultura estreita de meu pai!…
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Nilo Bruzzi
Pomba/MG, 1879 – 1978, Rio de Janeiro/RJ
A VOZ AMIGA
— “Tu que passaste a vida sem roseiras
que dessem flores para perfumá-la;
tu que tiveste sombras agoureiras
que emudeceram sempre a tua fala;
tu que desceste mudo as cordilheiras
de teu sonho — gigante cor de opala;
que sozinho choraste horas inteiras
por entre a pompa, a graça, o brilho, a gala;
toma o meu braço carinhoso e amigo
e caminhemos com tranquilidade,
toma o meu braço e eu morrerei contigo...”
— Parei diante da sombra triste e esguia...
Era a voz compassiva da Saudade
que estas palavras mansas me dizia...
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Octávio Venturelli
Rio de Janeiro/RJ, 1937 – 2019
MINHA LEI
Venho de Zambi, Pai Onipotente,
e de Oxalá, o Rei maior da Umbanda,
e de meu Pai Xangô, do sol nascente,
da pedreira, e dos raios que comanda.
Sou filho dessa Oxum bela e potente,
faz do amor as armas da demanda.
Senhora universal da água corrente
sentada está no trono de Aruanda!
Para seguir tranquilo a minha estrada,
levo também a proteção firmada
da Orixá do trovão, lansã querida.
A todos querer bem é minha sorte!
E assim eu hei de ser até que a morte
venha mostrar-me o rumo de outra vida...
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Osório Dutra
Vassouras/RJ, 1889 – 1968
TAPIR SELVAGEM
Deve correr dentro das minhas veias
o sangue puro de um tapir selvagem:
amo a tranquilidade das aldeias
e a música do vento na ramagem.
Indiferente às intenções alheias,
bebo a luz policroma da paisagem,
e durmo sobre a colcha das areias,
tendo a lua, que sonha, por miragem.
Bendito seja este rincão fecundo,
que põe, assim, dentro de cada planta,
toda a harmonia de um pequeno mundo!
Sei que sou rude. A minha voz espanta,
mas o meu coração guarda no fundo
a doçura de um córrego que canta.
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Palmira Wanderley de França
Natal/RN, 1894 – 1978
PITANGUEIRA
Termina Agosto... A pitangueira flora...
A umbela verde cobre-se de alvura;
e, antes que de Setembro finde a aurora,
enrubesce a pitanga... Está madura.
Da flor, o fruto é de esmeralda, agora...
Num topázio, depois, se transfigura,
e, pouco a pouco, um sol de estio a cora,
dando a cor dos rubis à carnadura.
A pele é fina, a carne é veludosa,
vermelha como o sangue, perfumosa
como se humana a sua carne fosse...
Do fruto, às vezes, roxo como o aspargo,
a polpa tem um travo doce-amargo,
— o sabor da Saudade, amargo e doce...
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Rodrigues Crespo
Campos/RJ, 1896 – 1976, Belo Horizonte/MG
A INCÓGNITA DO SER
Viver, ou não viver? Que mais importa?
Que tem por fim a vida? A própria vida?
Entramos, ao nascer, por uma porta,
e só na morte achamos a saída...
Viver só por viver não nos conforta.
Falta-nos uma causa mais subida.
Mas, o que fica da carcaça morta?
Restará algo da expressão perdida?
Consola-nos a hipótese da alma.
Mas, por que sobrevive? Por que existe?
Só tem por meta uma existência calma?
Corpo ou alma, afinal, em que consiste
sua razão de ser? E sua palma?
Ah! Como a vida, na incerteza, é triste!
Fonte: Vasco de Castro Lima. O mundo maravilhoso do soneto. 1987.
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