quarta-feira, 11 de junho de 2025

Laé de Souza (Regras para o reveillon)


Desgastado com a repetição das encrencas e perturbações resultantes de reunião da família para comemorar o réveillon, na minha casa de praia, resolvi estabelecer algumas normas para que, nesse ano, fosse diferente.

Entre outras coisas básicas, que nem se precisava falar para pessoas sensatas, fiz constar: 

– Não deixar que os filhos coloquem o som nas alturas; 
– Comer o suficiente, pensando que outros estão na praia e chegarão para comer; 
– Estabeleci horário para o almoço e, quem chegar mais tarde, que coma por lá; 
– Beber sem exageros e deixar a geladeira sempre abastecida; 
– Ajudar a lavar a louça, mesmo que esteja morrendo de sono; 
– Comportar-se como pessoas civilizadas e lavar os pés, livrando-se da areia, antes de entrar em casa; 
– Lavar cadeiras e guarda-sóis e deixá-los arrumadinhos na edícula; 
– Não jogar bolas dentro de casa, nem os grandes, nem os pequenininhos; 
- Avisar aos filhos que não fiquem com pirraças uns aos outros e, principalmente, com os menores, para evitar choradeiras; 
– Não jogar bola no quintal, pois da última vez quebrou uma planta da minha mulher e foi uma chateação; 
– Quem beber muito, evite conversas do passado, para não ficar um ambiente de lamúrias e choros; 
– Revezamento na churrasqueira, sem desculpas de que não sabe cuidar da carne – que fique aprendendo com quem sabe. 

E por aí foi a lista, para que tivéssemos uma festa tranquila e em paz.

Tirei algumas cópias do regulamento, com o propósito de que cada convidado recebesse uma, com o cuidado de que marido e mulher recebessem cada qual a sua. Antes da viagem, chamei minha mulher, mostrei-lhe o regulamento e pedi que ela fizesse a entrega para a sua família e eu faria a da minha. 

Bem, quase que ela cancela a viagem, achando um absurdo e que algumas coisas que ali constavam tinham direção certa. Questionou-me: - Quem é que chora depois de uma bebedeira, todo ano?

- Geralda, tu bem sabes que é a tua irmã. Mas, tu achas certo eu colocar o nome das pessoas, aqui? A carapuça vai servir para quem acha que faz o que é errado.

- E tu achas que é errado, tomar um fogo no final de ano...?

Bom, pra encurtar, ficou resolvido que seria assim e que eu entregaria o tal regulamento tanto para os meus quanto para os parentes dela. E, ainda, acrescentei que deveria ser incluído, no regulamento, que as mulheres deverão respeitar e seguir as orientações do marido, o que a fez fechar a cara. Mas, fomos embora.

Cada família que chegava, antes de descarregar o carro, eu entregava para o marido e mulher o regulamento. Um cunhado, achou um absurdo, e gritou para a mulher, que nem descarregasse o carro, por que iriam embora. Depois de um deixa disso, acabou ficando. 

Eu cutuquei a minha mulher: “É que ele sabe que quem não encosta a barriga na churrasqueira é ele. Ficou mordido porque acabou a moleza”. Eu ia acrescentar mais outras coisas que se referia a ele, mas achei melhor parar.

Não precisa nem falar que cochichavam sobre o tal regulamento, e eu ouvi um falando “palhaçada, no ano que vem, tô fora". E, eu, nem aí com os cochichos.

No começo, tudo bem. Depois que começaram a beber, e aproveitando que eu também tinha bebido, o que era cochicho, virou indireta, tipo “e aí pessoal, vamos seguir as regras, hein!”, “pega lá o regulamento, para ver se pode”, e por aí vai. O que importa é que alguns comportamentos não extrapolaram a regularidade e um ou outro foi o exagero.

Na hora de irmos embora, um porcaria de um sobrinho, que nem era da minha mulher, era meu, vem com uma história: - E aí tio, esse regulamento era só pra nós, era? – e contava nos dedos – Você bebeu um monte de cerveja e não abasteceu a geladeira; chegou da praia de fogo e entrou em casa sem tirar a areia dos pés; ficou cantando no karaokê até três horas da manhã; perdeu a chave da casa, lá na praia; E você, ainda, não levou protetor solar e usou o do meu pai. Só nós que tinha que seguir as regras, era?

Aquilo me ferveu o sangue. Só podia ser por instruções da minha cunhada, que aquele pirralho não tinha nenhum senso de observação. 

Enfurecido, falei: – Você me respeite! Eu sei muito bem que a sua mãe te deu educação – espinhei – E olha aqui, o ano que vem não tem regulamento que, espero, todos já aprenderam a se comportar como gente. 

– Rasguei o regulamento, falando um bravo: – Vamos embora, mulher!
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Laé de Souza é cronista, poeta, articulista, dramaturgo, palestrante, produtor cultural e autor de vários projetos de incentivo à leitura. Bacharel em Direito e Administração de Empresas, Laé de Souza, 55 anos, unifica sua vivência em direito, literatura e teatro (como ator, diretor e dramaturgo) para desenvolver seus textos utilizando uma narrativa envolvente, bem-humorada e crítica. Nos campos da poesia e crônica iniciou sua carreira em 1971, tendo escrito para "O Labor"(Jequié, BA), "A Cidade" (Olímpia, SP), "O Tatuapé" (São Paulo, SP), "Nossa Terra" (Itapetininga, SP); como colaborador no "Diário de Sorocaba", O "Avaré" (Avaré, SP) e o "Periscópio" (Itu, SP). Obras de sua autoria: Acontece, Acredite se Quiser!, Coisas de Homem & Coisas de Mulher, Espiando o Mundo pela Fechadura, Nos Bastidores do Cotidiano (impressão regular e em braille) e o infantil Quinho e o seu cãozinho - Um cãozinho especial. Projetos: "Encontro com o Escritor", "Ler É Bom, Experimente!", "Lendo na Escola", "Minha Escola Lê", "Viajando na Leitura", "Leitura no Parque", "Dose de Leitura", "Caravana da Leitura”, “Livro na Cesta”, "Minha Cidade Lê", "Dia do Livro" e "Leitura não tem idade". Ministrou palestras em mais de 300 escolas de todo o Brasil, cujo foco é o incentivo à leitura. "A importância da Leitura no Desenvolvimento do Ser Humano", dirigida a estudantes e "Como formar leitores", voltada para professores são alguns dos temas abordados nessas palestras. Com estilo cômico e mantendo a leveza em temas fortes, escreveu as peças "Noite de Variedades" (1972), "Casa dos Conflitos" (1974/75) e "Minha Linda Ró" (1976). Iniciou no teatro aos 17 anos, participou de festivais de teatro amador e filiou-se à Sociedade Brasileira de Autores Teatrais. Criou o jornal "O Casca" e grupos de teatro no Colégio Tuiuti e na Universidade Camilo Castelo Branco. 

Fontes:
Laé de Souza. Nos bastidores do cotidiano. SP: Ecoarte, 2018
Imagem criada por Feldman com Microsoft Bing 

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