sábado, 4 de fevereiro de 2012

A. A. de Assis (A Província do Guairá: Um pouco da história do antes de Maringá) Parte 4


SETE HORAS DE BATISMO

-Dias após, os jesuítas deram asilo a um chefe indígena chamado Tataurana, fugido das garras do próprio Raposo. O sertanista foi lá e exigiu o escravo de volta: ou devolviam Tataurana ou a missão seria invadida. Padre Mola endureceu, recusando entregar o nativo.

-O pé de briga que faltava...

-Era o dia 28 de janeiro de 1629. Os bandeirantes, com seus mamelucos, cercaram Santo Antônio. Dentro da aldeia generalizou-se o pânico. Com os índios reunidos na praça, os jesuítas celebraram várias missas, uma após outra. Aumentava a cada momento o nervosismo. Padre Mola mandou então que passassem à sua frente todos os que não haviam sido batizados, mesmo os que não tivessem completado o catecismo. Durante sete horas seguidas, abençoou crianças e adultos. No final já estava quase sem voz, e tão cansado que outros precisavam levantar seu braço para a bênção.

-Imagino o horror que se instalou ali.

-Justamente naquele dia, chegara a Santo Antônio um amigo do padre Mola, chamado Bartolomeu. Morador em Ciudad Real, onde nascera, filho de espanhóis fundadores daquela povoação, Bartolomeu Torales, 32 anos, exercia cargo de autoridade. Ao contrário, porém, da maioria dos castelhanos, mantinha bom relacionamento com os índios e com os religiosos e era muito respeitado pela sua generosidade. Ao ver na fila para o batismo um indiozinho que chorava muito, aproximou-se e soube que os pais do menino haviam sido capturados pelos paulistas horas antes, quando retornavam à missão. Bartolomeu simpatizou-se com o garoto e se ofereceu para ser o padrinho dele. Mais ainda: iria adotá-lo como filho. O indiozinho, de 7 anos, disse chamar-se Catu, que significa “bom”.

-Até que enfim vou conhecer o nosso Catu!

-Que no batismo recebeu o nome de Francisco Torales, meu mais antigo avô, como lhe falei no início desta nossa conversa.

-Agora estou começando a entender.

O GRANDE MASSACRE

-No dia seguinte, 29 de janeiro de 1629, logo ao amanhecer, os paulistas tomaram de assalto a redução. Lá dentro, 4 mil índios tentando desesperadamente se defender. Os invasores entraram atirando, incendiando casas, chutando porcos e galinhas, pisoteando mulheres e crianças; nem a igreja respeitaram. Em poucos instantes a aldeia inteira estava em chamas. Padre Mola, rouco e em lágrimas, procurava controlar o caos: “Homens de São Paulo, vocês estão violando uma reserva de Deus!”, dizia ele em tom dramático. Insensível, Raposo ordenava a seu bando que prosseguisse o massacre. “Raposo Tavares, você será amaldiçoado por isso. Deus condenará sua alma às penas eternas pelo que você está fazendo a essas crianças de Jesus!”, insistia o sacerdote. “Jesuíta, saia da minha frente”, rosnava o bandido, levantando a espada.

-Quanta estupidez!

-Morreram ali cerca de 500 índios. Outros tantos conseguiram fugir. No final, os paulistas levaram uns 1.500 para serem vendidos em leilões de escravos. Deixaram para trás apenas as mulheres e as crianças. Os prisioneiros, atrelados uns aos outros, foram postos a caminho de São Paulo sob os açoites dos mamelucos. Muitos morreram durante a viagem, não suportando a fadiga, os castigos e a fome. Quando nem o chicote podia obrigá-los a seguir em frente, eram simplesmente abandonados sem a mínima compaixão. Chegaram vivos uns 1.200, logo vendidos aos fazendeiros do planalto e do litoral.

-Barbaridade!

Dois jesuítas, os padres Mansilha e Maceta, seguiram de perto os índios aprisionados: iam distribuindo a unção aos moribundos encontrados no caminho. Chegando a São Paulo, foram queixar-se às autoridades, que entretanto não lhes deram atenção. Os padres continuaram até o Rio de de Janeiro, onde o governador geral os recebeu com aparente boa vontade, mandando um comissário acompanhá-los a São Paulo para impor justiça. O comissário foi recebido pelos paulistas com uma saraivada de insultos e posto a correr debaixo de tiros. Acabaram prendendo os próprios jesuítas. Libertados um mês depois, Manilha e Maceta, desconsolados, retornaram ao Guairá.

-O governo de Assunção também nada fez?

-Nesse meio tempo, outro missionário, o padre Tanho, foi a Assunção pedir ajuda ao governador, na época D. Luís de Céspedes y Xeria, que aliás era casado com uma sobrinha de Martin de Sá, governador do Rio de Janeiro. D. Luís limitou-se a comentar friamente: “Os senhores levantam grande alarido por pequenas coisas e se tornam odiados onde quer que apareçam”.

-Matar e escravizar indígenas eram ”pequenas coisas”...

-Segundo as más línguas, esse tal Luís de Céspedes teria um “acordo” com os paulistas: fecharia os olhos à invasão das reduções do Guairá e receberia em troca boa parte dos escravos capturados. Os índios seriam postos a seu serviço num engenho que ele tinha no Rio de Janeiro.

-Corrupção é coisa antiga...

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continua…

O e-book completo pode ser feito o download no blog do Assis http://aadeassis.blogspot.com

Fonte:
A. A. de Assis (A Província do Guairá: Um pouco da história do antes de Maringá). e-book. 2011.

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