sexta-feira, 16 de agosto de 2019

Renato Frata (Encontro com Anna Karenina)


O amor começa quando uma pessoa se sente só
e termina quando uma pessoa deseja estar só.
Leon Tolstoi


Pois foi assim que a conheci, num desses momentos em que o espírito da gente se esforça para encontrar alguém com quem possamos passar um tempo sem que o arrependimento venha à tardezinha. E nos martirize durante a noite toda, e na manhã seguinte e na outra…

Diria que o encontro foi casual, numa minúscula banca de revistas e livros velhos. Era tão pequena a banca que mal abrigava duas pessoas; e estávamos em quatro fuçando as prateleiras do sebo em busca de alguma obra que interessasse.

Minha mão roçou a dela quando buscamos, ao mesmo tempo, retirar da prateleira um exemplar antigo de Anna Karenina, onde Tolstoi denuncia o ambiente da época e realiza um dos retratos femininos mais profundos e sugestivos da Literatura, cuja trama gira em torno do caso extraconjugal da personagem que dá título à obra, uma aristocrata da Rússia Czarista que, a despeito de parecer ter tudo (beleza, riqueza, popularidade e um filho amado), sente-se vazia até encontrar o impetuoso oficial Conde Vronski... - Bom, melhor mesmo é ler o livro.

Mas voltemos ao roçar de mãos, o que faz lembrar que o tato é um dos melhores dos cinco sentidos, se não for o mais agradável deles. O contato de nossos dedos foi instantâneo, a ponto dela recolher a mão enquanto olhava para mim e eu recolher a minha enquanto olhava para ela. A troca de sorrisos foi espontânea e ao mesmo tempo inibitória,

- Desculpe - falei.

- Desculpe - falou ela.

Ambos ao mesmo tempo. Novo sorriso, até que quebrei o gelo:

- Já leu "Anna Karenina"?

- Não, - respondeu - mas sei que Tolstoi foi um dos maiores romancistas da Rússia no século XIX.

- Sim - concordei. Um dos melhores, Na verdade procuro "Guerra e Paz”. Por acaso viu-o por ai?

~ Não, mas interessei-me pelo Anna e com a possibilidade de lê-lo. Amo tudo de Tolstoi...

Então ela retirou da bolsa um papel dobrado e o estendeu: - São citações, frases dele, lindas, que sempre trago para as horas de lazer e para as de penar. Analisá-las e tentar compreendê-las me dá força. É, acho que é isso. - Concluiu.

Desdobrei a folha e li:

Se queres ser universal, começa por pintar a tua aldeia.

Os ricos fazem tudo pelos pobres, menos descer de suas costas.

Enquanto houver matadouros, haverão campos de guerra.

Todos pensam em mudar o mundo, mas ninguém pensa em mudar a si mesmo.

Em vão, centenas de milhares de homens, amontoados num pequeno espaço, se esforçavam por desfigurar a terra em que viviam. Em vão, a cobriam de pedras para que nada pudesse germinar; em vão arrancavam as ervas tenras que pugnavam por irromper; em vão impregnavam o ar de fumaça; em vão escorraçavam os animais e os pássaros - Em vão... porque até na cidade, a primavera é primavera. (em "Ressurreição").

O homem pode viver 200 anos na cidade sem perceber que já está morto há muito tempo (em "Sonata a Kreutzer").

A felicidade é estar com a natureza, ver a natureza e conversar com ela. (em "Os Cossacos").


Ao terminar a leitura e tentar devolver o papel, ela havia se retirado,

Comprei o "Anna Karenina" e voltei. Sozinho.

Fonte:
Livro enviado pelo autor.
Renato Benvindo Prata. Azarinho e o caga-fogo. Paranavaí/PR: Ed. Gráf. Paranavaí, 2014.

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