quinta-feira, 19 de setembro de 2019

Antônio Augusto de Lima (Poemas Escolhidos)


A SERENATA

Plenilúnio de maio em montanhas de Minas!
Canta ao longe uma flauta, e um violoncelo chora.
Perfuma-se o luar nas flores das campinas,
Sutiliza-se o aroma em languidez sonora.

Ao doce encantamento azul das cavatinas,
Nessas noites de luz mais belas do que a aurora,
As errantes visões das almas peregrinas,
Vão voando a cantar pela amplidão afora.

E chora o violoncelo e a flauta ao longe canta.
Das montanhas, cantando, a névoa se levanta,
Banhada de luar, de sonhos, de harmonia.

Com profano rumor, porém, desponta o dia,
E na última porção da névoa transparente,
A flauta e o violoncelo expiram lentamente.

DE TARDE

Eu vi voando caminho do Ocidente,
O bando ideal de minhas ilusões;
Do sol, um raio trêmulo, dormente,
Dourava-as com seus últimos clarões.

Para longe corriam doidamente
A crença, o amor, meigas aspirações...
Creio até, que entre as aves, tristemente,
Iam partindo os nossos corações.

Além, além... e os pássaros risonhos,
Foram-se todos. Vênus lacrimosa
Brilhou. No mais, deserta a imensidade.

Não! No ocaso do sol e de meus sonhos,
Ficou, ainda a pairar triste e formosa,
A ave formosa e triste da saudade.

ESPERANÇA E SAUDADE

Sorte falaz a que nos guia a vida!
Por que há de ser tão rápida a ventura,
Que só a amamos quando é já perdida
Ou depende de uma época futura?

O que ao presente, mal nos afigura,
Era esperança, há pouco apetecida,
E uma vez no passado, eis que perdura
Como saudade que não mais se olvida.

Há sempre queixas do atual momento,
E entre as datas se eleva o pensamento,
Como uma ponte de sombrio aspeto.

Em busca da ventura que ignoramos,
Temos saudade ao bem que não gozamos,
Ilusão de ilusões, sonho completo.

FLOR MARINHA

Há nos seus ademanes curvilíneos,
A doce languidez da vaga esquiva.
Seus olhos são dois fúlgidos escrínios
De gemas com que o afeto nos cativa.

Flor das espumas, dos corais sanguíneos,
Nenhum tem de seus lábios a cor viva.
Quanto aos cabelos, meu amor define-os:
"Fios de ébano em onda fugitiva".

Não sou homem do mar, contudo afago
Na alma um doido capricho, um sonho vago,
Um vago sonho singular talvez:

É de um dia, na praia, surpreendê-la,
E unir minha sorte à sorte dela,
Sobre o dorso espumante das marés.

O CÉTICO

"Percorro da ciência o labirinto,
Em tudo encontro um eco duvidoso:
Matéria vã, espírito enganoso,
Mentis, tudo é mentira, eu só não minto.

Vejo, é verdade, a vida e a vida sinto,
A caloria, a luz, a dor e o gozo,
A natureza em flor, o sol formoso
E o céu das cores da Aliança, tinto.

Mas quem, senão eu mesmo, vê tudo isto
E quem pode afirmar-me que eu existo,
Visões celestes, velhas nebulosas?"

E em seu crânio a razão desponta e morre,
Como o santelmo fátuo, que discorre
Na solidão das minas tenebrosas.

PAISAGEM NOSTÁLGICA

Deixei meu berço por destino incerto,
Mas a paisagem, guardo-a na pupila.
Guardo-a no coração, donde se estila
Toda a essência das lágrimas que verto.

Sons de sino perdidos no deserto...
Campanários da quase oculta Vila...
Serros magoados que a distância anila,
Mais formosos de longe que de perto.

Não vos esquecerei, por me lembrardes,
Enquanto prantear do alto das tardes,
A estrela Vésper que me viu partir.

Do astro do sonho onde minha alma adeja,
Quando colher as asas, só deseja,
No vosso seio maternal dormir.

VOLTA AO PASSADO

Quis rever em memória o santo abrigo
Onde deixei as ilusões dormindo.
"Vou despertá-las", murmurei, partindo,
"E hei de trazê-las outra vez comigo".

Nova e última ilusão. No sítio antigo,
Jardim outrora florescente e lindo,
Já ninguém dorme. Tudo é morto e findo.
Só de cada ilusão resta um jazigo:

Campas sem epitáfio... Agora é tudo
Um cemitério pavoroso e mudo,
Bem que inda de flores se alcatife.

E dos ciprestes na última avenida,
Vejo a última ilusão que me convida,
Martelando nas tábuas de um esquife!

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