quinta-feira, 27 de maio de 2021

Luís da Câmara Cascudo (As mangas de jasmim de Itamaracá)

No ano de 1631, vivia na Capitania da Paraíba, Antônio Homem de Saldanha e Albuquerque, natural dessa mesma Capitania, que, encantado com a beleza e dotes de D. Sancha Coutinho, donzela de quinze anos, filha do abastado agricultor João Paulo Vaz Coutinho, senhor do "Engenho Andirobeira", situado a uma légua de distância da costa, aspirava a honra de a receber por esposa.

Dirigindo-se a seus pais, e solicitando a sua mão em casamento, eles a isso tenazmente se opuseram. Saldanha e Albuquerque, assim desenganado e desesperado pela recusa, que apagava todos os seus sonhos de felicidade e de amor, sem mais esperanças e ambições, alista-se no exército, e marcha para o campo da guerra, quando as forças holandesas invadiram as plagas de sua província natal.

Saldanha e Albuquerque foi um dos heróis do célebre ataque do forte do Cabedelo. Passou-se para Pernambuco, e em 1633, na gloriosa defesa do Arraial do Bom Jesus, caiu, como morto, ferido por uma bala.

Em 1646, anos depois de suas desventuras, reaparece Saldanha e Albuquerque nessa província, mas trajando o hábito de sacerdote, sob o nome de Aires Ivo Corrêa.

A chegada dele foi assim celebrada:

São treze anos passados,
E de Jesus ao mosteiro
Chega a Olinda em pobres trajes
Um sacerdote estrangeiro.

Traz o rosto macerado,
Que a dor o espr'ito lhe rende;
Nos olhos se lhe pagaram
As paixões que o mundo acende.

Em anéis d'ouro os cabelos
Pelos ombros se declinam;
Palavras que 'esse anjo solta
Só perdão e amor ensinam.

Dias depois, partiu o Padre Aires para a ilha de Itamaracá. Por esse tempo, já não existiam os pais de D. Sancha Coutinho; e ela, triste, abatida, e ralada de saudades, aí vivia então, em casa de seu irmão Nuno Coutinho, quando apareceu o padre em sua casa; reconhecendo naquele humilde sacerdote o seu desventurado amante, morreu subitamente.

Quis ser ela a derradeira
Em ver o santo varão,
Mal põe-lhe os olhos no rosto
"Ai, meu Deus!" e cai no chão.

Sobre o sepulcro de D. Sancha Coutinho, plantou o Padre Aires Ivo Corrêa uma mangueira, de cujos frutos provêm as mangas de jasmim, tão celebradas pelo seu aroma e delicado sabor.

E no lugar do sepulcro
Uma mangueira plantou,
Onde o hálito de Sancha
Até morrer aspirou.
Visões que ela Ih 'ofr'ecia
Não são d'humano juízo;
A sombra que ela lhe dava
Era a sombra do pr'aíso.

Inda em torno da mangueira
Se vê um lindo jardim;
E as mangas do Padre Aires
São as mangas de jasmim.

Fonte:
Luís da Câmara Cascudo. Lendas brasileiras para jovens. Projeto Livro para Todos.

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