sábado, 20 de novembro de 2021

Tiago (António José Barradas Barroso) Poemas Escolhidos 2

DEIXA-ME PARTIR

 
Deixa-me partir,
não procures seguir meus passos
como uma sombra errante.
O calor dos teus abraços,
ou o beijo provocante
que a longa espera
provocava,
já não consigo sentir.
 
Deixa-me partir,
sem lágrimas ou censuras,
que nem mesmo as tuas juras
renovam a primavera
que, então, brilhava
na nossa vida,
sempre a sorrir.
 
Deixa-me partir,
que nosso amor findou.
Por muito que custe admitir,
já não há cumplicidade
entre nós dois, em cada gesto,
de resto,
agora que tudo acabou,
apenas fica a saudade
desse existir.
 
Deixa-me partir,
não agarres a lapela
do meu casaco amarrotado,
como se eu fosse fugir.
Da janela,
podes fazer a tua despedida
com uns acenos finais,
que eu vou seguir a minha vida,
não volto mais.
 
Deixa-me partir…
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O MOTIVO
 
Se há dentro de nós um santuário
De tantas emoções que nos percorrem,
São esses sentimentos relicário
De que todos os poetas se socorrem.
 
À fantasia e ao sonho imaginário,
Dedico mil poemas que me ocorrem,
A uns dou vida, em forma de diário,
Outros vão passando e, assim, morrem.
 
Queres que te defina o belo, a vida,
O ar que me rodeia, a dor sentida,
A flor que brilha, o sonho que eu abraço!
 
São momentos fugazes que a alma abriga,
Por isso, não me peças que eu te diga
A quem dedico os versos qu’inda faço.
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PÉTALAS SECAS
 
A rosa que tu me deste,
secou
sem saber que alguém a abandonou
sem um adeus de despedida,
sem uma palavra de amor.
 
Colhi as pétalas, já sem vida,
daquela formosa flor
que me ofereceste,
meti-as num livro, de que muito gosto,
que guardei no quarto, numa gaveta
onde ponho o que tenho de mais precioso.
 
Tenho lá uma moldura com o teu rosto
e um poema dum poeta
famoso
que fala também duma flor
em toda a sua forma, sempre pura,
como bálsamo ou como cura
 para doenças de amor.
 
Com carinho, folheio-o, por vezes,
e olho as pétalas murchas, descoloridas,
ilusões esmagadas numa folha,
que trazem um mundo de recordações
sem tino, a esmo, sem escolha,
mas que deixam aflorar
lágrimas de incontidas emoções
que logo se cobrem com um sorriso,
ou melhor, com um esgar,
de tristeza.
 
De ti, não espero mais flores,
nem sonho amores
dum coração que já foi jardim,
porque, agora, para mim,
quando chega o relembrar desse passado
de opereta,
subo ao meu quarto e, sossegado,
sento-me, por um momento,
ordeno o pensamento,
e… abro a gaveta.
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SUBLIME ADORAÇÃO
 
 Adoro a luz suave do seu meigo olhar
Quais estrelas perdidas no céu infindo,
Vagueando envoltas pelo luar, tão lindo,
Vindo meus olhos, serena e feliz, beijar.
 
Adoro, loucamente, o seu perfume etéreo,
Pedaço de si mesma que em meu corpo rola,
Quebrando, por encanto, o tom altivo e sério,
Mudado em sorrisos e dado como esmola.
 
Adoro a sua boca rubra, quente, dessas
Que a um santo faz gemer em sutil tremor,
Boca sensual que recorda mil promessas
Promessas de ventura, de prazer, de amor.
 
Adoro o seu cabelo flutuando ao vento,
Nas faces rosadas, ansioso, me quedo,
Que os lábios parece pedirem-me, a medo,
Um beijo fugaz em um súplice lamento.
 
Adoro o seu corpo de Vênus esculpida,
Ante o colo de garça, respiro bem fundo,
Os seios que espreitam a cobiça do mundo
São pomos maduros duma deusa atrevida.
 
Adoro ver, perplexo, seu perfil d´antanho,
Despi-la, com o olhar, é sublime tortura,
Mas adoro, ainda mais, pela fechadura,
Vê-la, soberba, entrar em copioso banho.

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