sexta-feira, 26 de julho de 2024

Luís da Câmara Cascudo (O bem se paga com o bem)

A onça caiu numa armadilha preparada pelos caçadores e, por mais que tentasse escapar, ficou prisioneira. Resignara-se a morrer, quando viu passar um homem. Chamou-o e lhe pediu que a libertasse.

— Deus me livre! — disse o transeunte. – Se você ficar solta, devorar-me-á.

A onça jurou que seria eternamente agradecida, então o homem desatou as cordas que seguravam a tampa do alçapão e ajudou a onça a deixar a cova. Logo que esta se encontrou livre, agarrou seu salvador por um braço, dizendo:

— Agora você é o meu jantar.

Debalde o homem pediu e rogou. A onça, finalmente decidiu:

— Vamos combinar uma coisa. Ouvirei a sentença de três animais. Se a maioria for favorável ao meu desejo, comê-lo-ei.

O homem aceitou e saíram os dois. Encontraram um cavalo, velho, doente, abandonado. A onça narrou o caso. O cavalo disse:

— Quando eu era moço e forte trabalhei e ajudei o homem a enriquecer. Qual foi o meu pagamento? Largaram-me aqui para morrer, sem um auxílio. O bem só se paga com o mal.

Adiante depararam com um boi. Consultado, opinou pela razão da onça. Contou sua vida de serviços ao homem e, quando julgava que ia ser recompensado, soube que fora vendido para ser morto e retalhado pelo açougueiro. O bem só se paga com o mal.

O homem, triste, acompanhava a onça que lambia o beiço, quando viram um macaco. Chamaram o macaco e pediram o seu parecer. O macaco começou a rir. A onça ia-se zangando:

— Por que tanta risada, camarada macaco?

— Não é fazendo pouco, — explicou o macaco — é que eu não acredito que o homem caísse na armadilha que ele mesmo preparou.

— Ela não caiu. Quem caiu foi eu. — contava a onça.

— Foi você? Então como é que esse homem fraquinho pôde libertar um bicho tão grande e forte como a camarada onça?

A onça, despeitada pelo macaco julgá-la mentirosa, foi até o alçapão e saltou para o fundo do fosso, gritando lá de baixo:

— Está vendo? Foi assim!

Mais que depressa o macaco empurrou o engradado de varas pesadas que fazia de tampa e a onça tornou a ficar prisioneira.

— Camarada onça! - sentenciou o macaco — O bem só paga com o bem. E como você fez o mal, receba o mal.

E se foi embora com o homem, deixando a onça para morrer de fome na armadilha.

Fonte> Luís da Câmara Cascudo. Contos Tradicionais do Brasil. Publicado originalmente em 1946. Disponível em Domínio Público. in Jangada Brasil, Abril 2011 - Ano XIII - nº 146 . acesso em 20 de dezembro de 2012. 

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