O menino, para gostar de poesia, pôs seus ouvidos na fonte e se deixou virar água. Depois, como ser água era pouco, fez-se mesmo em vapor. Lá no céu, refeito em mil partículas concêntricas, achou por bem virar chuva e, num dia de sol, deixou-se cair e, no meio do rio, na beira do mar, em todo o sertão, se fez chuva grossa, se fez chuva fina e voltou a ser água. Assim, compreendeu que, para gostar de poesia, preciso era mesmo ser a alma do verso, a base do som, senhor e sem hora para a matéria urdida, exposta em verso. Servo da água, rumou para o mar de si mesmo, onde a vida era onda, a onda era forma, a forma, uma via para gostar de poesia. Ai de quem não gosta, de quem não gasta seus olhos e não se deixa ser água como aquele menino!... A vida, que é líquida e fim, nubla os olhos de quem não quer chorar e cristaliza no peito as águas que empedram. Mágico, para gostar de poesia, o menino fez mares onde o pó sufocava, deixando vir-lhe a vida que há nas águas de si, sinal de que somos versos de um poema em uníssono, mesmo sem vermos sua forma na folha em branco dos dias. Sábio, para gostar de poesia, o menino (des)fez-se do rio e se encharcou de mar, não só de mágoa. Água, rio novinho à margem velha, fez brotar silêncio e música no bico das aves, na boca dos homens, na brusca poesia que busca ser água, córrego manso, dique, ou represa, para gostar, menino, só de poesia.
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terça-feira, 24 de maio de 2016
Olivaldo Júnior (Para gostar de poesia)
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