segunda-feira, 30 de julho de 2018

Alvarenga Peixoto (Caldeirão Poético)


A MARIA IFIGÊNIA
Em 1786, quando completava sete anos.

Amada filha, é já chegado o dia,
em que a luz da razão, qual tocha acesa
vem conduzir a simples natureza,
é hoje que o teu mundo principia.

A mão que te gerou teus passos guia,
despreza ofertas de uma vã beleza,
e sacrifica as honras e a riqueza
às santas leis do filho de Maria.

Estampa na tua alma a caridade,
que amar a Deus, amar aos semelhantes,
são eternos preceitos da verdade.

Tudo o mais são ideias delirantes;
procura ser feliz na eternidade,
que o mundo são brevíssimos instantes.

“AO MUNDO ESCONDE O SOL SEUS RESPLENDORES”

Ao mundo esconde o Sol seus resplendores,
e a mão da Noite embrulha os horizontes;
não cantam aves, não murmuram fontes,
não fala Pã na boca dos pastores.

Atam as Ninfas, em lugar de flores,
mortais ciprestes sobre as tristes frontes;
erram chorando nos desertos montes,
sem arcos, sem aljavas, os Amores.

Vênus, Palas e as filhas da Memória,
deixando os grandes templos esquecidos,
não se lembram de altares nem de glória.

Andam os elementos confundidos:
ah, Jônia, Jônia, dia de vitória
sempre o mais triste foi para os vencidos!

“EU VI A LINDA JÔNIA E, NAMORADO”

Eu vi a linda Jônia e, namorado,
fiz logo voto eterno de querê-la;
mas vi depois a Nise, e é tão bela,
que merece igualmente o meu cuidado.

A qual escolherei, se, neste estado,
eu não sei distinguir esta daquela?
Se Nise agora vir, morro por ela,
se Jônia vir aqui, vivo abrasado.

Mas ah! que esta me despreza, amante,
pois sabe que estou preso em outros braços,
e aquela me não quer, por inconstante.

Vem, Cupido, soltar-me destes laços:
ou faze destes dois um só semblante,
ou divide o meu peito em dois pedaços!

“DE AÇUCENAS E ROSAS MISTURADAS”

De açucenas e rosas misturadas
não se adornam as vossas faces belas,
nem as formosas tranças são daquelas
que dos raios do sol foram forjadas.

As meninas dos olhos delicadas,
verde, preto ou azul não brilha nelas;
mas o autor soberano das estrelas
nenhumas fez a elas comparadas.

Ah, Jônia, as açucenas e as rosas,
a cor dos olhos e as tranças d'ouro
podem fazer mil Ninfas melindrosas;

Porém quanto é caduco esse tesouro:
vós, sobre a sorte toda das formosas,
inda ostentais na sábia frente o loiro!

“EU NÃO LASTIMO O PRÓXIMO PERIGO”

Eu não lastimo o próximo perigo,
Uma escura prisão, estreita e forte;
Lastimo os caros filhos, a consorte,
A perda irreparável de um amigo. 

A prisão não lastimo, outra vez digo, 
nem o ver iminente o duro corte, 
que é ventura também achar a morte 
quando a vida só serve de castigo. 

Ah, quão depressa então acabar vira 
este enredo, este sonho, esta quimera, 
que passa por verdade e é mentira! 

Se filhos, se consorte não tivera 
e do amigo as virtudes possuíra, 
um momento de vida eu não quisera.

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