A brisa afasta a cortina,
e uma nesga de luar,
fugindo à fria neblina,
vem aos meus pés se abrigar.
Ao amor louco e funesto,
que se destrói na tortura,
prefiro o afeto modesto
que se refaz na ternura.
A onda, infrene, agitada,
abaixa a crista e desmaia,
e em vinheta rendilhada,
beija as areias da praia.
Atravessando o vitral,
a luz do sol se desvela,
pondo, em chispas de cristal,
seu brilho à humilde capela.
Duas sombras na vidraça,
e que desespero o meu,
saber que o vulto que a enlaça
é de outro… não sou eu!
Em bando sutil, as garças,
pontilhando o lamaçal,
são quais pérolas esparsas,
adornando o pantanal.
Esbocei desejos leves,
mas uma brisa outonal
trincou, em rajadas breves,
os meus sonhos de cristal.
Hora do Ângelus… Ao sino,
as garças voam, iguais,
como se o ofício divino
as atraísse aos rituais.
Nas cambiantes desmaiadas
que tingem o entardecer,
suponho sombras veladas,
prenunciando o envelhecer.
Nós dois, cativos, risonhos,
em nossa ilusão fagueira,
ninávamos nossos sonhos,
ao balanço da porteira.
Nos momentos ponderados,
dizer a palavra exata
é servir pomos dourados,
sobre bandejas de prata.
O espetáculo termina,
e aos poucos, na escuridão,
do palhaço à bailarina
o circo despe a ilusão.
Ora eloquente, ora mudo,
teu olhar é uma charada:
promessa sutil de Tudo,
no fútil revés… do Nada.
Que mil vozes, no universo,
dominem a imensidade;
mas que fale, no meu verso,
somente a voz da verdade!
São Paulo, que no escaninho
de tantos feitos altivos,
guardes também o carinho
dos teus filhos adotivos!
Se acaso uma cordilheira
encobre os teus horizontes,
leva como companheira
a fé que remove os montes!
Sobe ao ar, como fumaça,
essa tristeza que eu trago,
assim, que você me abraça
e me envolve em seu afago.
Transportando sem fadiga,
o seu minúsculo galho,
a pequena formiga
é um gigante do trabalho…
Fonte:
Dorothy Jansson Moretti. Chá da tarde: trovas.
Itu/SP: Ottoni Editora, 2006.
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