quarta-feira, 18 de maio de 2022

Manuel du Bocage (Sonetos) VIII

Que ideia horrenda te possui, Elmano ?
Que ardente frenesi teu peito inflama ?
A razão te alumie, apaga a chama,
Reprime a raiva do ciúme insano:

Esperanças consome, ou vive ufano,
Ah! Foge , ou cinge da vitória a rama:
Ama-te a bela Armia, ou te não ama?
Seus ais são da ternura, ou são do engano?

Se te ama, não consternem teus queixumes
Os olhos de que estás enfeitiçado,
Do puro céu de Amor benignos lumes:

Se outro n'alma de Armia anda gravado,
Que fruto hás de colher dos vãos ciúmes?
Ser odioso, além de desgraçado.
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Às águas e às areias deste rio
Às flores, e aos Favórios deste prado,
Meus danos conto, minhas mágoas fio,
Dou queixas contra Ismene, Amor e o Fado:

A paz do coração posta em desvio,
O gosto em desenganos sufocado,
Lágrimas com lembranças desafio,
E pela tarda morte às vezes brado;

Tão maviosos sãos meus ais mesquinhos,
Tanto pode a paixão que em mim suspira,
Que se esquecem das mães os cordeirinhos:

O vento não se mexe, nem respira;
Deixam de namorar-se os passarinhos,
Para me ouvir chorar ao som da lira.
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O céu, de opacas sombras abafado,
Tornando mais medonha a noite feia;
Mugindo sobre as rochas, que salteia,
O mar, em crespos montes levantado:

Desfeito em furacões o vento irado,
Pelos ares zunindo a solta areia,
O pássaro noturno, que vozeia
No agoureiro cipreste além pousado;

Formam quadro terrível, mas aceito,
Mas grato aos olhos meus, grato à fereza
Do ciúme, e saudade, a que ando, afeito:

Quer no horror igualar-me a Natureza;
Porém cansa-se em vão, que no meu peito
Há mais escuridade, há mais tristeza.
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Nos torpes laços de beleza impura
Jazem meu coração, meu pensamento;
Esforçada ao servil abatimento
Contra os sentidos a razão murmura:

Eu, que outrora incensava a formosura,
Das que enfeita o pudor gentil, e isento,
A já corrupta ideia hoje apascento
Nos falsos mimos de venal ternura:

Se a vejo repartir prazer, e agrado
Àquele, a este, co’a fatal certeza
Fermenta o vil desejo envenenado;

Céus! Quem me reduziu a tal baixeza?
Quem tão cego me pôs? ...Ah! Foi meu fado,
Que tanto não podia a Natureza.
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Perdi tudo (ai de mim!) perdi Marfida,
Marfida, a glória minha, a minha amada;
Tenra flor, a esperança malograda
Do mimoso matiz caiu despida:

Pede meu coração mortal ferida,
Só aos ditosos a existência agrada;
Vida entre angústias equivale ao nada,
No risonho prazer consiste a vida.

Eia, amante infeliz, teu fim procura!
Fantástico terror não te reporte,
Nos túmulos não reina a formosura.

Diga triste letreiro a minha sorte;
Dai-me piedosa sombra à sepultura
Teixas, ciprestes, árvores da morte.

Fonte:
BOCAGE, Manuel Maria Barbosa Du. Soneto e outros poemas. SP: FTD, 1994. Disponível na Biblioteca Virtual do Estudante Brasileiro

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