quarta-feira, 25 de janeiro de 2023

Casimiro de Abreu (Poemas Avulsos) 1


CENA ÍNTIMA


Como estás hoje zangada
E como olhas despeitada
Só p'ra mim!
- Ora diz-me: esses queixumes,
Esses injustos ciúmes
Não têm fim?

Que pequei eu bem conheço,
Mas castigo não mereço
Por pecar;
Pois tu queres chamar crime
Render-me à chama sublime
Dum olhar!

Por ventura te esqueceste
Quando de amor me perdeste
Num sorrir?
Agora em cólera imensa
Já queres dar a sentença
Sem me ouvir!

E depois, se eu te repito
Que nesse instante maldito
- Sem querer -
Arrastado por magia
Mil torrentes de poesia
Fui beber!

Eram uns olhos escuros
Muito belos, muito puros,
Como os teus!
Uns olhos assim tão lindos
Mostrando gozos infindos,
Só dos céus!

Quando os vi fulgindo tanto
Senti no peito um encanto
Que não sei!
Juro falar-te a verdade...
Foi decerto - sem vontade -
Que eu pequei!

Mas hoje, minha querida,
Eu dera até esta vida
P'ra poupar
Essas lágrimas queixosas,
Que as tuas faces mimosas
Vêm molhar!

Sabe ainda ser clemente,
Perdoa um erro inocente
Minha flor!
Seja grande embora o crime
O perdão sempre é sublime
Meu amor!

Mas se queres com maldade
Castigar quem - sem vontade -
Só pecou;
Olha, linda, eu não me queixo,
A teus pés cair me deixo...
Aqui estou!

Mas se me deste, formosa,
De amor na taça mimosa
Doce mel;
Ai! deixa que peça agora
Esses extremos d'outrora
O infiel:

Prende-me... nesses teus braços
Em doces, longos abraços
Com paixão;
Ordena com gesto altivo...
Que te beije este cativo
Essa mão!

Mata-me sim... de ventura,
Com mil beijos de ternura
Sem ter dó,
Que eu prometo, anjo querido,
Não desprender um gemido,
Nem um só!
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ILUSÃO

Quando o astro do dia desmaia
Só brilhando com pálido lume,
E que a onda que brinca na praia
No murmúrio soletra um queixume;

Quando a brisa da tarde respira
O perfume das rosas do prado,
E que a fonte do vale suspira
Como o nauta da pátria afastado;

Quando o bronze da torre da aldeia
Seus gemidos aos ecos envia,
E que o peito que em mágoas anseia
Bebe louco essa grave harmonia;

Quando a terra, da vida cansada,
Adormece num leito de flores
Qual donzela formosa embalada
Pelos cantos dos seus trovadores;

Eu de pé sobre as rochas erguidas
Sinto o pranto que manso desliza
E repito essas queixas sentidas
Que murmuram as ondas co'a brisa.

É então que a minha alma dormente
Duma vaga tristeza se inunda,
E que um rosto formoso, inocente,
Me desperta saudade profunda.

Julgo ver sobre o mar sossegado
Um navio nas sombras fugindo,
E na popa esse rosto adorado
Entre prantos p'ra mim se sorrindo!

Compreendo esse amargo sorriso,
Sobre as ondas correr eu quisera...
E de pé sobre a rocha, indeciso,
Eu lhe brado: - não fujas, - espera!

Mas o vento já leva ligeiro
Esse sonho querido dum dia,
Essa virgem de rosto fagueiro,
Esse rosto de tanta poesia!...

E depois... quando a lua ilumina
O horizonte com luz prateada,
Julgo ver essa fronte divina
Sobre as vagas cismando, inclinada!

E depois... vejo uns olhos ardentes
Em delírio nos meus se fitando,
E uma voz em acentos plangentes
Vem de longe um - adeus - soluçando!
........................

Ilusão!... que a minha alma, coitada,
De ilusões hoje em dia é que vive;
É chorando uma gloria passada,
É carpindo uns amores que eu tive!
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JURAMENTO

Tu dizes oh Mariquinhas
Que não crês nas juras minhas,
Que nunca cumpridas são!
Mas se eu não te jurei nada,
Como hás de tu, estouvada,
Saber se eu as cumpro ou não?!

Tu dizes que eu sempre minto,
Que protesto o que não sinto,
Que todo o poeta é vário,
Que é borboleta inconstante;
Mas agora, neste instante,
Eu vou provar-te o contrário.

Vem cá, sentada a meu lado
Com esse rosto adorado
Brilhante de sentimento,
Ao colo o braço cingido,
Olhar no meu embebido,
Escuta o meu juramento.

Espera: - inclina essa fronte...
Assim!... - Pareces no monte
Alvo lírio debruçado!
- Agora, se em mim te fias,
Fica séria, não te rias,
O juramento é sagrado.

"- Eu juro sobre estas tranças,
"E pelas chamas que lanças
"Desses teus olhos divinos;
"Eu juro, minha inocente,
"Embalar-te docemente
"Ao som dos mais ternos hinos!

"Pelas ondas, pelas flores,
"Que se estremecem de amores
"Da brisa ao sopro lascivo;
"Eu juro, por minha vida,
"Deitar-me a teus pés, querida,
"Humilde como um cativo!

"Pelos lírios, pelas rosas,
"Pelas estrelas formosas,
"Pelo sol que brilha agora,
"- Eu juro dar-te, Maria,
"Quarenta beijos por dia
"E dez abraços por hora!"

O juramento está feito,
Foi dito co'a mão no peito
Apontando ao coração;
E agora - por vida minha,
Tu verás oh! moreninha,
Tu verás se o cumpro ou não!…

Fonte:
Poemas obtidos no Portal Domínio Público (http://www.dominiopublico.gov.br/)

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