(Oswaldo Viveiros Montenegro)
Rio de Janeiro/RJ (1956)
METADE
Que a força do medo que tenho
não me impeça de ver o que anseio.
Que a morte de tudo que acredito
não me tape os ouvidos e a boca.
Porque metade de mim é o que eu grito,
mas a outra metade é silêncio.
Que a música que eu ouço ao longe
seja linda, ainda que triste.
Que a mulher que eu amo seja sempre amada,
mesmo que distante.
Porque metade de mim é partida
e a outra metade é saudade.
Que as palavras que eu falo
Não sejam ouvidas como prece
nem repetidas com fervor,
Apenas respeitadas como a única coisa que resta
A um homem inundado de sentimento.
Porque metade de mim é o que eu ouço,
mas a outra metade é o que calo.
Que essa minha vontade de ir embora
Se transforme na calma e na paz que eu mereço,
Que essa tensão que me corroe por dentro
seja um dia recompensada.
Porque metade de mim é o que eu penso
e a outra metade é um vulcão.
Que o medo da solidão se afaste,
que o convívio comigo mesmo
Se torne ao menos suportável
Que o espelho reflita em meu rosto
o doce sorriso que eu me lembro de ter dado na infância.
Porque metade de mim é a lembrança do que fui,
a outra metade eu não sei…
Que não seja preciso mais do que uma simples alegria
para me fazer aquietar o espírito.
E que o teu silêncio me fale cada vez mais.
Porque metade de mim é abrigo,
mas a outra metade é cansaço.
Que a arte nos aponte uma resposta,
mesmo que ela não saiba,
e que ninguém a tente complicar
porque é preciso simplicidade para fazê-la florescer.
Porque metade de mim é a plateia
e a outra metade, a canção.
E que minha loucura seja perdoada.
Porque metade de mim é amor
e a outra metade… também.
Nenhum comentário:
Postar um comentário