domingo, 21 de setembro de 2025

José Feldman (A visita da felicidade)

Texto construído tendo por base a trova de Lucília A. T. Decarli (Bandeirantes/PR)
A felicidade é rara
e bem poucos a conhecem…
Os que a viram “cara a cara”,
nunca mais dela se esquecem!
A felicidade, dizem, é uma dama rara. Não é dessas que se encontra todos os dias na praça, nem das que se deixam levar por promessas vazias ou abraços apressados. Ela tem seus próprios caprichos e, ao que tudo indica, gosta de aparecer quando menos se espera — mas nunca por acaso.

Certa vez, ouvi dizer que um homem a viu de perto. Era um sujeito simples, desses que a vida insiste em testar. Trabalhava duro, sonhava pouco, mas guardava um sorriso no canto dos lábios, como quem sabe que, mesmo em dias nublados, há um sol por trás das nuvens. Um dia, enquanto varria o quintal ao som do vento, ali, entre as folhas secas e a poeira da estrada, ela apareceu.

A felicidade chegou sem avisar, como uma brisa que refresca sem pedir licença. Não trazia roupas luxuosas, nem se anunciava com fanfarra. Era apenas uma sensação — um calor que lhe subiu pela espinha ao ouvir o riso de seu filho brincando no quintal, ao sentir o cheiro do café fresco vindo da cozinha, ao perceber que, naquele instante, nada lhe faltava. Ele parou. Olhou ao redor e percebeu: ela estava ali.

Mas a felicidade, como sabemos, não é dessas que ficam para sempre. Ela tem o hábito de visitar e partir, deixando atrás de si um rastro de saudade. O homem sabia disso; não tentou prendê-la, não fez perguntas, nem exigiu explicações. Apenas a contemplou, “cara a cara”, como quem sabe que momentos assim nos transformam. Quando ela se foi, deixou consigo algo precioso: a memória do instante.

E é isso que os que a viram carregam consigo. A felicidade, quando surge, não precisa durar uma eternidade para ser inesquecível. Basta um momento, uma fagulha, e ela finca raízes no coração de quem a viveu. Porque, no fundo, não é ela que é rara — rara é a nossa capacidade de reconhecê-la.

Então, se por acaso a felicidade lhe fizer uma visita, não a obrigue a ficar. Apenas a viva. E quando ela for embora, não a lamente. Afinal, os que a viram, mesmo que por um breve instante, nunca mais dela se esquecem.
= = = = = = = = =  = = = = = = = = =  = = = = 
JOSÉ FELDMAN, poeta, trovador, escritor, professor e gestor cultural. Formado em técnico de patologia clínica trabalhou por mais de uma década no Hospital das Clínicas de São Paulo. Foi enxadrista, professor, diretor, juiz e organizador de torneios de xadrez a nível nacional durante 24 anos; como diretor cultural organizou apresentações musicais e oficina de trovas. Morou 40 anos na capital de São Paulo, onde nasceu, ao casar-se mudou para Curitiba/PR, radicando-se em Maringá/PR, cidade onde sua esposa é professora da UEM. Consultor educacional junto a alunos e professores do Paraná e São Paulo. Pertence a Confraria Brasileira de Letras, Confraria Luso-Brasileira de Trovadores, etc. Possui os blogs Singrando Horizontes desde 2007, Voo da Gralha Azul (com trovas do mundo). Assina seus escritos por Floresta/PR. Dezenas de premiações em crônicas, contos, poesias e trovas no Brasil e exterior.
Publicações: 
Publicados: “Labirintos da vida” (crônicas e contos); “Peripécias de um Jornalista de Fofocas & outros contos” (humor); “35 trovadores em Preto & Branco” (análises); “Canteiro de trovas”.
Em andamento: “Pérgola de textos”, "Chafariz de Trovas", “Caleidoscópio da Vida” (textos sobre trovas), “Asas da poesia”, "Reescrevendo o mundo: Vozes femininas e a construção de novas narrativas".

Fontes:
José Feldman. Caleidoscópio da vida. Maringá/PR: Plat. Poe. Biblioteca Voo da Gralha Azul.
Imagem criada por Jfeldman com Microsoft Bing

Nenhum comentário: