quinta-feira, 16 de outubro de 2025

José Feldman (Passarinho na gaiola)

 
Privado da liberdade
lindo pássaro cantador,
na gaiola, de saudade,
canta triste a sua dor…
Maria Helena Ururahy C. Fonseca
(Angra dos Reis/RJ)

Oprimido na gaiola,
lamentando a escravidão,
o sabiá cantarola
para o algoz sem coração.
Ruth Farah Lutterback +
(Cantagalo/RJ)

Paulo era um homem solitário que encontrava alegria em um pequeno passarinho que mantinha em uma gaiola. O passarinho, um canário de penas amarelas brilhantes, era sua companhia mais fiel. Paulo gostava de ouvir seu canto suave e melodioso, especialmente nas manhãs ensolaradas, quando a luz do dia filtrava-se pela janela, iluminando sua pequena casa.

Todos os dias, ao acordar, se aproximava da gaiola e falava com o passarinho, que respondia com seu canto. Para Paulo, aquele som era como um alívio à solidão que o cercava. Ele acreditava que, mantendo o passarinho preso, estava garantindo sua segurança e, assim, poderia desfrutar de sua música sempre que quisesse.

Certa tarde, Ricardo, um amigo de Paulo, decidiu visitá-lo. Eles conversaram sobre a vida, sobre as lembranças de antigamente e, é claro, sobre o passarinho. 

– Você tem um passarinho lindo, Paulo. Deve ser maravilhoso ouvir seu canto. - comentou Ricardo, tomando um gole de café.

– É verdade! - respondeu Paulo, com um sorriso. – Ele é minha companhia. Eu gosto de ouvi-lo cantar.

Ricardo franziu a testa, surpreso. 

– Mas por que deixá-lo preso? Para ouvi-lo cantar? Isso não parece certo. Ele tem asas, Paulo. As aves devem voar livremente.

Paulo hesitou. 

– Mas se eu soltar, ele pode fugir. E eu ficaria sozinho novamente.

– Mas você já percebeu que o canto dele não é de alegria, mas de tristeza? Ele está preso, e seu canto reflete isso. Assim como nós, humanos, temos pés para andar, as aves têm asas para voar. Ninguém gosta de estar preso. E se fosse você preso em uma gaiola, sem poder sair para andar? Como se sentiria?

As palavras de Ricardo ecoaram na mente de Paulo. Ele nunca havia pensado dessa forma. Naquela noite, enquanto o passarinho cantava, ele começou a prestar atenção ao tom de sua música. Era verdade: havia uma melancolia em seu canto que antes não percebera. O coração de Paulo apertou-se com a dor de compreender que, mesmo cuidando do passarinho, estava privando-o de sua liberdade.

Paulo ficou em um dilema. Ele amava o passarinho e queria que ele fosse feliz, mas o medo da solidão o impedia de agir. No entanto, a consciência pesada começou a se tornar insuportável. Com um suspiro profundo, decidiu que precisava fazer o que era certo. 

Com tremor nas mãos, abriu a gaiola.

O passarinho hesitou por um momento, mas assim que viu a porta aberta, voou para fora em um esplêndido bater de asas. Seu canto mudou imediatamente, não era mais triste, mas alegre e vibrante. 

Paulo olhou enquanto o pequeno ser alado disparava para o céu, sentindo uma mistura de alívio e dor. Ele havia feito o que era certo, mas agora sentia-se mais sozinho do que nunca.

Nos dias que se seguiram, Paulo se fechou em seu mundo. Olhava pela janela, desejando que o passarinho voltasse, mas sua casa parecia mais silenciosa do que nunca. A ausência do canário o envolveu em uma profunda tristeza. Ele se afastou dos amigos, deixou de sair, mergulhando em um torpor.

Porém, algo inesperado aconteceu. Um dia, enquanto Paulo olhava para a janela, ouviu um canto familiar. Seu coração disparou quando viu o passarinho pousando na borda da janela, cantando alegremente como nunca antes. Era como se o sol tivesse surgido novamente em sua vida.

"Você voltou!", exclamou Paulo, surpreso e emocionado. Ele se aproximou da janela e, com lágrimas nos olhos, disse: "Desculpe-me por ter te prendido. Eu não queria que você se sentisse triste."

O passarinho parecia entender. Ele cantou ainda mais alto, e Paulo sentiu que aquelas notas eram uma resposta ao seu arrependimento. O canto do passarinho ressoava como uma melodia de perdão e amizade. 

A cada manhã e cada final de tarde, o passarinho voltava, enchendo o ar com sua música.

Paulo começou a sair de casa, encontrando um novo propósito. Ele cuidava do jardim, plantava flores e desfrutava da natureza ao seu redor. O passarinho voava pelo quintal, pousando nas árvores e cantando, e Paulo sempre o esperava na janela.

A liberdade do passarinho trouxe vida nova a Paulo. Ele entendia, finalmente, que a verdadeira amizade é baseada na liberdade e no respeito. E assim, o passarinho e Paulo formaram um laço que transcendeu as paredes da casa, celebrando a beleza da liberdade e a alegria da companhia.


A liberdade e o respeito pela vida dos outros sempre são recompensados. A verdadeira amizade não se baseia na possessão, mas na capacidade de permitir que o outro seja livre e feliz.

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JOSÉ FELDMAN, poeta, trovador, escritor, professor e gestor cultural. Formado em técnico de patologia clínica trabalhou por mais de uma década no Hospital das Clínicas de São Paulo. Devido à situação financeira insuficiente não concluiu a Faculdade de Psicologia, na FMU, contudo se fez e ainda se faz presente em mais de 200 cursos presenciais e online no Brasil e no exterior (Estados Unidos, México, Escócia e Japão), sendo em sua maioria de arqueologia, astronomia e literatura. Foi enxadrista, professor, diretor, juiz e organizador de torneios de xadrez a nível nacional durante 24 anos; como diretor cultural organizou apresentações musicais. Morou na capital de São Paulo, onde nasceu, em Taboão da Serra/SP, em Curitiba/PR, em Ubiratã/PR, em Maringá/PR. Consultor educacional junto a alunos e professores do Paraná e São Paulo. Pertence a diversas academias de letras, como Confraria Brasileira de Letras, Academia Rotary de Letras, Academia Internacional da União Cultural, Academia de Letras Brasil/Suiça, Confraria Luso-Brasileira de Trovadores, Academia Formiguense de Letras, Academia de Letras de Teófilo Otoni, etc, possui os blogs Singrando Horizontes desde 2007, e Pérgola de Textos, um blog com textos de sua autoria, Voo da Gralha Azul (com trovas do mundo). Assina seus escritos por Floresta/PR. Dezenas de premiações em crônicas, contos, poesias e trovas no Brasil e exterior.
Publicações de sua autoria “Labirintos da vida” (crônicas e contos); “Peripécias de um Jornalista de Fofocas & outros contos” (humor); “35 trovadores em Preto & Branco” (análises); “Canteiro de trovas”; “Pérgola de textos” (crônicas e contos), “Caleidoscópio da Vida” (textos sobre trovas) e “Asas da poesia”.

Fontes:
José Feldman. Pérgola de Textos. Floresta/PR: Plat. Poe. Biblioteca Voo da Gralha Azul.
Imagem criada por Jfeldman com Microsoft Bing  

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